ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2018 - Volume 8 - Número 2

Ascite quilosa em lactente: Relato de caso

Chylous ascites in infants: Case report

RESUMO

OBJETIVOS: Relatar um caso de distensão abdominal importante em lactente jovem com posterior diagnóstico de ascite quilosa.
MÉTODOS: Descrever, a partir de dados registrados em prontuário, a evolução do caso de um lactente com ascite quilosa e tratamento proposto.
RESULTADOS: As causas de ascite quilosa são variadas, sendo a etiologia congênita muito rara. Os tratamentos ainda não são uniformes. Foram encontrados vários algoritmos sobre o manejo da ascite quilosa.
CONCLUSÕES: Ainda há necessidade de mais estudos sobre essa afecção, para uniformizar o tratamento e, assim, haver melhor manejo do paciente.

Palavras-chave: ascite quilosa, pediatria, octreotida.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the clinical and epidemiological wooping cough/pertussis in a pediatric hospital.
METHOD: Series of cases that were studied all patients with wooping cough hospitalized at the Institute of Pediatrics Martagão Gesteira of Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) from May 2011 until August 2012. Were included patients with paroxysmal cough and signs of severity that required hospitalization and excluded patients whose records were incomplete.
RESULTS: Of the 38 cases of wooping cough analyzed, nine were suspected pertussis cases, and of these, six met the criteria for clinical confirmation of pertussis. The deaths occurred in young infants who were clinically confirmed cases of pertussis, according to the Ministry of Health-Brazil.
CONCLUSION: A suspect case definition of pertussis followed confirmation early clinical favoring early institution of appropriate treatment and avoiding unfavorable outcomes.

Keywords: child, cough, respiratory infections, whooping cough.


INTRODUÇÃO

Ascite quilosa é o extravasamento de quilo na cavidade peritoneal, sendo uma entidade rara no lactente. É uma afecção predominantemente idiopática. A ascite quilosa congênita é relatada como uma drenagem inadequada da linfa, sendo resultado de um defeito no desenvolvimento dos ductos linfáticos intra-abdominais1-3. O objetivo deste artigo é a descrição do caso de um lactente com ascite quilosa, o manejo no diagnóstico e o tratamento proposto no caso.


RELATO DE CASO

Lactente de 2 meses e 20 dias de idade, sexo feminino, veio encaminhada de outro serviço, com história de distensão abdominal e vômitos há 1 mês. A acompanhante relatava que o aumento abdominal foi progressivo no último mês, sem alteração do hábito intestinal. Os vômitos eram pós-alimentares, com conteúdo leitoso e esparsos, mas lactente aceitava dieta normalmente, sem demais queixas em outros aparelhos.

Na chegada, observou-se abdome globoso e timpânico, sem visceromegalias, indolor à palpação, hérnia inguinal de grande volume, aparelho cardiovascular e respiratório normais, desenvolvimento normal para idade, sem outras alterações, encontrava-se no Z escore + 1 para peso e estatura (segundo curva da Organização Mundial da Saúde -OMS) Figura 1.


Figura 1. Lactente de 2 meses e 20 dias com distensão abdominal e diagnóstico posterior de ascite quilosa. Fonte: própria autora.



Foi fruto de gestação única, sem intercorrências, nascida de 36 semanas, em outro serviço, por trabalho de parto pré-termo, com rastreio infeccioso sem alterações, de parto vaginal, sem necessidade de intervenções ao nascimento, recebeu alta após dois dias do parto com boa evolução, em aleitamento materno exclusivo, cartão vacinal em dia de acordo com programa nacional de imunização.

Nos exames iniciais (hemograma, eletrólitos, função hepática, função renal, albumina) foi visto somente uma leucopenia com linfocitose. Não houve evidência de infecção congênita (sorologias negativas). Foi realizada ultrassonografia de abdome, que mostrou ascite de grande volume, sem alterações hepatoesplênicas. Realizado ecocardiograma, que mostrou comunicação interatrial de 6,1 mm com repercussão, mas conduta expectante. Realizada tomografia de abdome, que não evidenciou alterações estruturais, na ressonância de magnética de tórax e abdome não foram vistas alterações de ducto torácico. Realizou enema opaco, vindo normal.

Neste caso, optou-se pela punção abdominal, drenando-se um total de 630 ml, mostrando-se um líquido de aspecto leitoso. Na análise bioquímica foram evidenciadas 2310 células/mm3, com predomínio de linfócitos (88%) e triglicerídeos de 6720mg/dl. Com esse resultado foi feita hipótese de ascite quilosa. Como não havia lesões aparentes, a etiologia aventada foi de imaturidade do sistema linfático.

Foi instituído manejo e condução do caso após discussão das disciplinas de pediatria, cirurgia pediátrica e radiologia. A dieta proposta foi de leite materno ordenhado acrescido de TCM (triglicerídeos de cadeia média). Foi introduzido octreotide inicialmente 0,5 mcg/kg/hora, que foi aumentada até chegar a dose plena de 5 mcg/kg/hora.

A paciente foi internada em leito de enfermaria infantil, sendo proposta avaliação diária do perímetro abdominal, para programar nova paracentese, evoluindo de maneira satisfatória. No 12° dia de internação a paciente evoluiu com cianose central, hipotermia e queda do estado geral, com suspeita de sepse. Foi realizado rastreio infeccioso e paciente foi transferia para UTI Pediátrica. A hemocultura foi positiva para Enterobacter aerogenes, paciente apresentava leucopenia (2040 leucócitos/mm3) e Proteína C- reativa aumentada.

Realizou-se nova paracentese que drenou 360 ml, com 2060 células, com predomínio de linfócitos e triglicerídeos de 4580 mg/dl. Foi prescrita antibioticoterapia, com boa resposta. Após 22 dias em UTI, paciente retornou para enfermaria, com melhora dos sinais vitais e estabilização clínica. Durante a internação, o perímetro abdominal se manteve constante. Fez 40 dias de octreotide e manteve-se sempre com leite materno ordenhado e TCM.

Recebeu alta após 40 dias de internação, sendo encaminhada para acompanhamento em nosso serviço, continuando em aleitamento materno. Retornou em consulta após dois meses de alta hospitalar, com manutenção do perímetro abdominal, bom desenvolvimento neurológico, não apresentou intercorrências no período.


DISCUSSÃO

A linfa é produzida nos vasos linfáticos do intestino delgado, através dos metabólitos resultantes da ingestão de gorduras. A sua taxa de produção basal é de 1 ml/kg/h, podendo, na criança, atingir o máximo de 200 ml/kg/h, em função da quantidade de gorduras ingeridas1. A ascite quilosa define-se como a presença, na cavidade abdominal, de um líquido macroscopicamente leitoso, cujo componente lipídico em triglicerídeos é superior a 200mg/dL, densidade específica superior a 1.010, proteínas totais de 2,5 a 7 gr/dL e o pH é alcalino1. A causa mais frequente de ascite quilosa é a obstrução linfática, que pode ser congênita, adquirida ou idiopática1.

A ascite quilosa é uma entidade pouco frequente, que pode aparecer a qualquer idade. As desordens quilosas primárias são comumente causadas por displasia congênita primária. E as desordens secundárias são causadas por neoplasias, trauma, inflamação ou cirurgia abdominal2,3.

Ascite quilosa primária é muito incomum, mas não existem estudos e dados estabelecidos. O aparecimento da ascite depende de fatores genéticos e ambientais2.

A paracentese não é só usada para diagnóstico, mas também para o manejo terapêutico. O líquido quiloso é usualmente incolor, mas a aparência pode depender de múltiplos fatores como partículas, células e dieta4. A linfangiografia é o padrão-ouro para definição da causa da obstrução linfática. A linfocintilografia também pode ser usada para avaliar a patência dos vasos linfáticos2,4.

O tratamento é primariamente baseado no manejo da dieta. É aceito o uso de dieta baseada em triglicerídeos de cadeia média (TCM), pois foi visto que reduz a produção de fluído peritoneal4. Acredita-se que a redução de triglicerídeos de cadeia longa (TCL) na dieta diminui o fluxo linfático e a pressão nos vasos5.

Se não houver melhora com o uso de fórmula a base de TCM, pode-se indicar o uso de nutrição parenteral total (NPT). Os mecanismos de resolução com o uso de NPT não estão bem estabelecidos, mas envolvem a maturação do sistema linfático durante o curso da NPT. Em rotinas descritas, a melhora dos sintomas ocorreu com o uso combinado de NPT e dieta à base de TCM5.

Em vários relatos de casos foi demonstrada a efetividade do uso de análogos da somastotatina, como o octreotide, em reduzir a produção de linfa. Há vários relatos de sucesso do uso de somatostatina em neonatos com quilotórax, ascite quilosa após transplantes e cirurgia de Kasai. O mecanismo pelo qual a somatostatina diminui a drenagem linfática não é completamente compreendido.

Acredita-se que deva ser por diminuição da absorção de gorduras, diminuição de triglicerídeos no ducto torácico e atenuação do fluxo linfático na maioria dos canais linfáticos4. Sabe-se que a somatostatina inibe a secreção de alguns hormônios hipofisários e gastrointestinais, aumentando a resistência arteriolar esplânica, diminuindo o fluxo gastrointestinal e, por consequência, o fluxo linfático.

Os efeitos colaterais estão relacionados com redução da motilidade e da secreção intestinal: hipertensão, má absorção, náuseas, flatulência, disfunção hepática e hiperglicemia. Durante seu uso, recomenda-se o controle periódico de função hepática, glicemia e função tireoidiana6,7.

Estudos recomendam o tratamento conservador exposto até aqui, mas em alguns casos pode-se optar pelo tratamento cirúrgico. Este é recomendado quando o tratamento conservador falha, após 1 a 2 meses de tentativa. O êxito da cirurgia depende da identificação do local do extravasamento de linfa4. O sucesso do tratamento cirúrgico é reportado em mais de 80% dos casos, quando se identifica macroscopicamente o local de drenagem4.

A paciente relatada no caso se beneficiou do uso do leite materno acrescido com TCM e o uso de análogos de somatostatina. Não houve necessidade de tratamento cirúrgico. Paciente manteve perímetro abdominal após segunda paracentese, não havendo necessidade de novas drenagens. Em seguimento ambulatorial do serviço, paciente encontrava-se com perímetro abdominal dentro do limite para idade, sem descompensação clínica. Acredita-se que a melhora do quadro de ascite quilosa foi devido à maturação do sistema linfático combinado com o tratamento clínico.

A ascite quilosa é uma afecção ainda rara para a qual não existe tratamento definido. Sabendo-se melhor o mecanismo desta doença, um algoritmo de tratamento poderá ser usado uniformemente por diversos centros de assistência.


REFERÊNCIAS

1. Costa CD, Carmona L, Vieira I, Cordeiro O. Abdómen agudo como forma de apresentação de peritonite quilosa aguda. Saúde Infant. 2009;31(1)32-5.

2. Al-Busafi SA, Ghali P, Deschênes M, Wong P. Chylous Ascites: Evaluation and Management. ISRN Hepatol. 2014;2014:240473. DOI: 10.1155/2014/240473.

3. Campisi C, Bellini C, Eretta C, Zilli A, de Rin E, Davini D, et al. Diagnosis and management of primary chylous ascites. J Vasc Surg Cases. 2006;43(6):1244-8.

4. Karagol BS, Zenciroglu A, Gokce S, Kundak AA, Ipek MS. Therapeutic management of neonatal chylous ascites: report of a case and review of the literature. Acta Paediatr. 2010;99(9):1307-10.

5. Lopez-Gutierrez JC, Tovar JA. Chylothorax and chylous ascites: management and pitfalls. Semin Pediatr Surg. 2014;23(5):298-302.

6. Pessotti CF, Jatene IB, Buononato PE, Elias PF, Pinto AC, Kok MF. Uso do octreotide no tratamento do quilotórax e quiloperitôneo. Arq Bras Cardiol. 2011;97(2):e33-e36.

7. Yang C, Zhang J, Wang S, LI CC, Kong XR, Zhao Z. Successful management of chylous ascites with total parenteral nutrition and octreotide in children. Nutr Hosp. 2013;28(6):2124-7.










1. Médico Residente em Pediatria - Médico Residente em Pediatria, Uberaba, MG, Brasil
2. Doutorado - Médica pediatra do departamento materno infantil Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM Uberaba), Uberaba, MG, Brasil
3. Médica pediatra no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (HC-UFTM Uberaba), Uberaba, MG, Brasil

Endereço para correspondência:
Lisiane do Bomfim
Hospital Escola da Universidade Federal do Triangulo Mineiro
Av. Getúlio Guaritá, nº 330, Nossa Sra. da Abadia
Uberaba, MG. Brasil. CEP: 38025-440
E-mail: lisi.bomfim@gmail.com

Data de Submissão: 10/08/2016
Data de Aprovação: 31/01/2017