ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2018 - Volume 8 - Número 2

Epidermólise bolhosa juncional congênita: Relato de caso

Congenital junctional epidermolysis bullosa: A case report

RESUMO

OBJETIVO: Descrever um caso de epidermólise bolhosa do tipo juncional, em um recém-nascido, com manifestações clínicas que se iniciaram ao nascimento, e realizar uma revisão da literatura sobre o tema em questão.
DESCRIÇÃO DO CASO: Paciente do sexo feminino, encaminhada aos três dias de vida para o Hospital Universitário de Juiz de Fora, devido ao quadro de lesões de pele e bolhas tensas de conteúdo amarelo citrino em região de palato, periumbilical e internádegas, de aparecimento espontâneo. Evoluiu com aumento no número de bolhas e erosões disseminadas pelo corpo, com acometimento de mãos, pés e onicodistrofia. Após a hipótese diagnóstica de epidermólise bolhosa, foi realizada biópsia de uma bolha provocada em região de abdome, cujo imunomapeamento revelou lesão compatível com epidermólise bolhosa juncional. A terapêutica inicial foi prescrição de ácidos graxos essenciais e orientações com relação ao manejo e cuidados de rotina da paciente. Apresentou alta hospitalar com programação de retornos mensais para acompanhamento do quadro.
COMENTÁRIOS: O caso demonstra a importância do pediatra conhecer a doença epidermólise bolhosa, saber desenvolver a abordagem investigativa e, frente ao diagnóstico, realizar o seguimento do paciente. Relatar esse caso pode colaborar para a disseminação do conhecimento desta afecção e possibilitar a identificação de novos casos, ressaltando a importância do acompanhamento multidisciplinar, visando antecipar, prevenir e tratar as complicações mais frequentes associadas a esta entidade.

Palavras-chave: Epidermólise bolhosa, epidermólise bolhosa juncional, anormalidades congênitas, recém-nascido.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To describe a case of junctional epidermolysis bullosa in a newborn with clinical manifestations starting at birth and present a literature review on this subject.
CASE DESCRIPTION: a 3-day-old female was admitted due to skin lesions with spontaneous tense bullae with citrine-yellow content in the palate, umbilical region, and buttocks. She progressed with an increase in the number of bullae and erosions all over the body, with involvement of the hands and feet, including onychodystrophy. After the clinical diagnosis of epidermolysis bullosa, a biopsy of an abdominal blister was performed, and immunomapping revealed characteristics of junctional epidermolysis bullosa. The initial therapy was topical application of essential fatty acids and education regarding the management and routine care of the patient. She was discharged with scheduled monthly follow-up visits for clinical observation.
COMMENTS: This case highlights the importance of the awareness about epidermolysis bullosa. Pediatricians must know how to conduct the investigative approach and how to follow-up the patient. This report can contribute to the dissemination of knowledge about this disease, enabling the identification of new cases; emphasizing the importance of a multidisciplinary approach; and aiming to anticipate, prevent, and treat the most common complications associated with this entity.

Keywords: Epidermolysis Bullosa, Epidermolysis Bullosa, Junctional, Congenital Abnormalities.


INTRODUÇÃO

A epidermólise bolhosa (EB) hereditária é uma doença sundária a mutações de genes responsáveis pela formação de proteínas que permitem a coesão entre as diferentes camadas da pele. É caracterizada pelo aparecimento de bolhas e lesões na pele e nas membranas mucosas, espontaneamente ou como resposta a traumatismos mínimos. Tal doença pode manifestar-se ao nascimento ou durante os primeiros anos de vida1.

Existem diversas formas clínicas, de acordo com a profundidade da pele em que ocorre a deficiência de coesão. A gravidade e extensão das lesões na pele e o envolvimento de outros órgãos mucocutâneos variam consideravelmente entre os tipos de EB, sendo em grande parte determinados pela natureza das mutações e pela penetração do gene, resultando em expressões fenotípicas diferentes2. Não há tratamento definitivo para a EB, apenas alívio sintomático3.

A classificação da EB se dá em quatro grandes tipos: EB simples (EBS), EB juncional (EBJ), EB distrófica (EBD) e síndrome de Kindler. Estes quatro tipos diferem não só fenotipicamente e genotipicamente, mas especialmente pelo nível de clivagem na junção dermoepidérmica. Na EBS o nível de clivagem ocorre na intraepiderme, podendo ser basal ou suprabasal, enquanto na EBD ocorre na intraderme e na EBJ ao nível da junção dermoepidérmica. Na síndrome de Kindler a clivagem pode ocorrer em qualquer nível. A classificação da EB inclui também o modo hereditário de transmissão da doença: autossômico dominante ou recessivo. As formas recessivas são geralmente as mais graves2.

O objetivo do presente trabalho é relatar um caso de uma paciente com suspeita clínica de EB desde o nascimento, com confirmação para EBJ após biópsia de lesão, e revisar a literatura disponível quanto à condução do caso.


DESCRIÇÃO DO CASO

Paciente do sexo feminino foi encaminhada ao Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (HU-UFJF), Juiz de Fora, MG, aos três dias de vida, devido a quadro de lesões de pele e bolhas tensas de conteúdo amarelo citrino em região de palato, periumbilical e internádegas, de aparecimento espontâneo. Evoluiu com aumento no número de bolhas e erosões disseminadas pelo corpo, com acometimento de mãos, pés e onicodistrofia (Figura 1).


Figura 1. Lesão apresentada pela paciente à admissão hospitalar, aos 3 dias de vida Onicodistrofia em polegar esquerdo e lesão ulcerada resultante do rompimento de bolha.



A história neonatal indica nascimento de parto cesáreo, com 39 semanas; peso de nascimento 3310 g (adequado para a idade gestacional); escore de Apgar de 8 e 9 no primeiro e quinto minutos, respectivamente; parto sem intercorrências.

As bolhas rompiam-se, deixavam ulcerações superficiais e posteriormente lesões atróficas e hipercrômicas. Nenhum caso semelhante foi observado na família.

Após a hipótese diagnóstica de EB, paciente foi encaminhada para consulta no Hospital das Clínicas de São Paulo, onde foi realizada biópsia de uma bolha provocada em região de abdome, cujo imunomapeamento revelou lesão compatível com EB juncional.

A terapêutica inicial foi prescrição de ácidos graxos essenciais (AGE) e orientações com relação ao manejo e cuidados de rotina da paciente. Apresentou alta hospitalar sem sinais de infecção nas lesões, sendo prescrita reposição com vitamina D3 para prevenção de hipovitaminose D, visto que há contraindicação para exposição solar. O aleitamento materno foi mantido.

Na consulta de retorno para acompanhamento com um mês de vida, houve piora das lesões (Figura 2) e sinais de infecção secundária em região de mãos e pés. Iniciado uso de pomada de mupirocina nas lesões infectadas e mantido AGE, com melhora do processo infeccioso. Familiares da paciente foram novamente orientados quanto aos cuidados higiênicos básicos da pele e à importância da proteção cutânea, evitando os traumas. Programados retornos mensais para acompanhamento do quadro. Aos cinco meses de vida, a paciente foi internada com quadro de pneumonia, broncoespasmo, sepse grave, com evolução para insuficiência respiratória e óbito.


Figura 2. Paciente com 1 mês de vida. Lesões ulceradas após rompimento de bolhas em região torácica.



DISCUSSÃO

Para o diagnóstico da EB, são importantes a anamnese, o exame físico e a biópsia da bolha, permitindo diferenciar ao microscópio óptico outras buloses, como, por exemplo, os pênfigos. A microscopia eletrônica ou a imunofluorescência direta evidenciam o nível de clivagem das bolhas na região subepidérmica, podendo, assim, fazer-se o diagnóstico diferencial dos subtipos de EB1.

Um diagnóstico preciso no período neonatal pode ser difícil e deve depender de uma combinação de clínica, histológica e técnicas moleculares. A evolução da clínica e das lesões nos primeiros 30 dias de vida pode confundir médicos. O diagnóstico diferencial de formação de bolhas neste grupo etário inclui: bolhas de atrito, piodermaestafilocócico, síndrome da pele escaldada estafilocócica, necrólise epidérmica tóxica, epidermólise bolhosa, sífilis congênita,infecção intrauterina pelo vírus herpes simplex e pênfigo bolhoso4.

As crianças necessitam, desde o nascimento, de um empenho contínuo por parte dos cuidadores, que terão que reorganizar completamente suas atividades diárias5.

Sendo atualmente uma doença sem cura, os cuidados de suporte no tratamento das feridas e reconhecimento precoce de complicações são essenciais no tratamento do doente com EB. Os principais tipos de complicações são a infecção bacteriana secundária seguida de sepse (causa frequente de morte no período neonatal), a cicatrização deformante e o aparecimento de neoplasias cutâneas agressivas (causa mais frequente de mortalidade a partir da adolescência)2.

Atualmente, nenhuma terapia específica está disponível para EB. A abordagem para o tratamento de pacientes com EB deve ser multifatorial e baseada em uma série de princípios. A terapia deve ser dirigida para a prevenção do trauma da pele para evitar a formação de novas bolhas, a prevenção de infecção bacteriana secundária, tratamento agressivo de infecção quando ela ocorre, medidas para melhorar a cicatrização de feridas, manutenção de uma boa nutrição, correção das complicações e, finalmente, a reabilitação. A prevenção de bolhas é tentada por manipulação suave da criança, uso de roupas sem costura e sem etiquetas, estofamento de proeminências ósseas, evitar o atrito da pele, excesso de calor e adesivos sobre a pele. A prevenção da infecção é obtida mudando curativos diários, aplicando antibióticos tópicos para lesões e drenagem das bolhas4.

Intervenções dentárias devem ser realizadas em todas crianças com EB, de forma que a promoção da saúde e prevenção das doenças bucais deve ser enfatizada e iniciada o mais precocemente possível6.

Uma abordagem multidisciplinar é necessária para lidar com problemas como estenoses esofágicas,contraturas, doenças da laringe, estenose uretral, cicatrização conjuntival e problemas psicossociais. Um nutricionista deve ser consultado sobre as necessidades nutricionais de uma criança com EB2,3.


CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores declaram não haver conflitos de interesse.


REFERÊNCIAS

1. Gürtler TGR, Diniz LM, Souza Filho JB. Epidermólise bolhosa distrófica recessiva mitis - Relato de caso clínico. An Bras Dermatol. 2005;80(5):503-8.

2. Couto CS, Miguéns C, Marques R, Travassos AR, Gouveia C. Guia Prático na Abordagem ao Doente com Epidermólise Bolhosa. Porto: Debra Portugal; 2014.

3. Coulombe PA, Kerns ML, Fuchs E. Epidermolysis bullosa simplex: a paradigm for disorders of tissue fragility. J Clin Invest. 2009;119(7):1784-93. DOI: 10.1172/JCI38177

4. Das BB, Sahoo S. Dystrophic epidermolysis bullosa. J Perinatol. 2004;24:41-7.

5. Caprara A, Veras MSC. Hermenêutica e narrativa: a experiência de mães de crianças com epidermólise bolhosa congênita. Interface (Botucatu). 2004;9(16):131-46.

6. Angelo MMFC, França DCC, Lago DBR, Volpato LER. Manifestações Clínicas da Epidermólise Bolhosa: Revisão de Literatura. Pesq Bras Odontoped Clin Integr. 2012;12(1):135-42.










1. Médica pediatra pelo Hospital Universitário de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil
2. Mestre em Ciências Biológicas - Imunologia e Doenças Infectoparasitárias pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2015) Professora Auxiliar do Departamento Materno Infantil da Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil

Endereço para correspondência:
Bianca Tabet Gonzalez Sampaio
Hospital Universitário de Juiz de Fora HU-UFJF. Rua Batista de Oliveira, nº 1037, Apto 502, Bairro: Centro
Juiz de Fora - MG, Brasil CEP: 36010-532
E-mail: bianca_tgsampaio@hotmail.com

Data de Submissão: 16/08/2016
Data de Aprovação: 29/04/2017