Figura 1. Placas eritematocrostosas e exulceradas anulares e policíclicas em face, tronco gnóstico de LEN cutâneo.
Optou-se por tratamento expectante, apenas orientando evitar exposição solar e seguimenttoanticorpos na mãe e no recém-nascido foi firmado diagnóstico de LEN cutâneo.
Optou-se por tratamento expectante, apenas orientando evitar exposição solar e seguimento em consultas regulares com pediatria e dermatologia. No retorno após um mês em consulta ambulatorial, houve regressão das lesões cutâneas, apresentando-se mais claras e esmaecidas, com melhora evidente em relação à consulta inicial (Figura 2).
Figura 2. Manchas anulares eritematosas, mais evidentes em MMSS, poupando extremidades e em regressão. Melhora completa da descamação das mãos.
DISCUSSÃOO lúpus eritematoso neonatal é uma condição rara, caracterizada pela transferência transplacentária de autoanticorpos IgG maternos (anti-Ro, anti-La e, menos frequentemente, anti-U1RNP) para o feto. É prevalente no sexo feminino e pode-se estimar que a incidência seja de 1:12.500 nascidos vivos na população com anticorpos anti-SSA/Ro4. Essa frequência se eleva para 1 a cada 86 (1,2%) na população de mães com LES
4.
As alterações cutâneas iniciam-se nas primeiras semanas de vida ou podem estar presentes já ao nascimento, e caracterizam-se como placas anulares, descamativas, fotossensíveis, acometendo todo corpo, principalmente a face e couro cabeludo, conforme visualizado em nosso paciente. Há ainda, descrita na literatura, uma alteração peculiar e característica de lesões confluentes em região periorbital, configurando o chamado “aspecto de coruja ou guaxinim”, alteração essa não encontrada no paciente do caso descrito
3. As lesões são polimórficas e transitórias com duração de aproximadamente seis meses, coincidindo com o desaparecimento da imunoglobulina IgG materna, presente na circulação do lactente
1,6. A cicatrização geralmente não deixa lesão residual
3.
A manifestação clínica mais frequente e mais grave é o bloqueio atrioventricular (BAV) completo congênito que, em geral, é permanente
4, característica essa não encontrada no nosso paciente após triagem clínica. A lesão do sistema de condução ocorre no coração originalmente normal, geralmente entre a 18ª e a 24ª semanas. Coincidentemente, é justamente nesse período que ocorre uma elevação abrupta da passagem transplacentária da IgG materna para o feto, o que reforça o mecanismo fisiopatogênico dos anticorpos anti-SSA/Ro e anti-SSB/La nessa síndrome
4.
Outras manifestações sistêmicas são observadas, como a presença de hemocitopenias no recém-nascido, a anemia hemolítica, leucopenia (neutropenia) e plaquetopenia, sendo esta última a alteração mais comum, ocorrendo em 10% a 20% dos casos, de caráter transitório4. Nosso paciente apresentou plaquetopenia de 41.000/mm3, com manifestação transitória e normalização dos valores em hemograma após um mês de vida.
A frequência de manifestações hepatobiliares em pacientes com LEN é de 9%, e em aproximadamente 80% desses casos, o comprometimento hepático está associado às alterações cardíacas e/ou cutâneas
4. Quando achado isolado, os recém-nascidos podem apresentar elevação de enzimas hepáticas como único achado laboratorial algumas semanas após o nascimento. Outros órgãos e sistemas envolvidos são: pulmões (pneumonite e capilarite), sistema osteoarticular (condrodisplasia punctata) e o sistema nervoso central (convulsões, meningite asséptica, macrocefalia e hidrocefalia)
3. O paciente em questão não apresentou nenhuma dessas manifestações.
O diagnóstico é realizado pela presença de lesões cutâneas características e pela detecção de autoanticorpos na mãe e no paciente. Em caso de dúvida diagnóstica pode-se recorrer ao exame histopatológico, que apresenta as mesmas características do lúpus cutâneo subagudo. A imunofluorescência direta para a pesquisa de IgG pode auxiliar no diagnóstico; no entanto, os resultados são negativos em mais de 50% dos casos
1. A instituição do diagnóstico precoce de LEN é essencial, evitando-se sequelas permanentes e até mesmo óbito por complicações cardíacas
3. O diagnóstico do caso apresentado foi confirmado pelo exame clínico do recém-nascido, associado a pesquisa de anticorpos anti- SSA/Ro e o anti-SSB/La positivos acima de 320 no paciente e na mãe.
Diagnósticos diferenciais são importantes. As lesões anulares podem ser confundidas com as do eritema anular centrífugo, eritema multiforme, infecções por Pityrosporum, eritema anular da infância e eritema gyratum atrophicans transiens
1.
O tratamento requer uma abordagem multidisciplinar com a finalidade de detectar e intervir precocemente nas situações de risco
5. A conduta para a maioria dos sintomas do LEN é expectante, pois tendem à resolução espontânea, sendo essa a conduta elegida pela nossa equipe para o tratamento do paciente em questão. Nos casos de bloqueio cardíaco, podem ser considerados corticosteroides durante a gestação, uso de diuréticos e o implante de marca-passo precoce. A avaliação cardiovascular seriada durante a gravidez torna-se imprescindível em gerações futuras, pois o risco de ocorrência do LEN acompanhado de bloqueio cardíaco entre irmãos de mães sintomáticas aumenta de 2% para 25% nas gestações subsequentes
1.
O prognóstico da doença varia de acordo com a presença e gravidade do BAV, já que as demais manifestações regridem entre o 6o e o 8o mês de vida. Vale ressaltar que a maioria dos pacientes com LEN sem bloqueio cardíaco congênito, como o paciente apresentado, tem bom prognóstico7. Nos casos de LEN, cerca de metade das mães são assintomáticas e não tem qualquer diagnóstico de doença autoimune, porém devem ser seguidas de 6 em 6 meses ou anualmente, em virtude da suscetibilidade de desenvolver síndrome de Sjögren (20%), LES (18%) e outras doenças do tecido conjuntivo (18%)
1. A mãe do nosso paciente era assintomática e foi encaminhada para a reumatologia para realização de exames e acompanhamento.
Mesmo o prognóstico de LEN cutâneo sendo excelente por ter caráter transitório, coincidindo com o fim da circulação dos anticorpos maternos, medidas adequadas devem ser tomadas para descartar doença sistêmica coexistente ou manifestações cutâneas similares que possam ter maior gravidade. Importante também a orientação da mãe, tanto devido ao risco de surgimento de doença autoimune no futuro, quando não há diagnóstico prévio, quanto ao risco aumentado de manifestação de LEN com bloqueio cardíaco em gestações futuras, sendo imprescindível a avaliação cardiológica seriada.
REFERÊNCIAS1. Trevisan F, Cunha PR, Pinto CAL, Cattete FG. Lúpus cutâneo neonatal com lesões semelhantes à cutis marmorata telangiectatica congênita. An Bras Dermatol. 2013;88(3):428-31.
2. Ramphul K, Mejias SG, Ramphul-Sicharam Y. Cutaneous Neonatal Lupus Erythematosus: A Case Report. Cureus. 2018;10(2):e2212.
3. Amaral SM, Verardino BCA, Mitidieri MF, Barros ACB, Oliveira SKF, Zagne LO, et al. Lesões cutâneas no recém-nascido: qual o diagnóstico? Resid Pediatr. 2012;2(2):28-30.
4. Carvalho JF, Viana VMT, Cruz RBP, Bonfa E. Síndrome do lúpus neonatal. Rev Bras Reumatol. 2005;45(3):153-60.
5. Belda Júnior W, Di Chiacchio N, Criado PR. Tratado de Dermatologia. 2ª ed. São Paulo: Atheneu; 2014.
6. Coelho R, Ferreira M, Ferreira M, Garcia P, Nunes MAS, Magalhães MP. Lúpus Neonatal. Acta Med Port. 2007;20:229-32.
7. Singalavanija S, Limpongsanurak W, Aoongern S. Neonatal lúpus erythematosus: a 20-year retrospective study. J Med Assoc Thai. 2014;97 Suppl 6:74-82.
1. Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Neonatologia - Vitória - Espirito Santo - Brasil
2. Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes, Dermatologia - Vitória - Espírito Santo - Brasil
3. Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, Dermatologia - Vitória - Espírito Santo - Brasil
4. Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Neonatologia - Vitória - Espirito Santo - Brasil
Endereço para correspondência:Hannah Cade Guimarães
Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória
Rua Dr. João dos Santos Neves, 143 - Vila Rubim
Vitória - ES, Brasil. CEP29025-023
E-mail:
hannah.guimaraes@hotmail.comData de Submissão: 18/06/2018
Data de Aprovação:20/08/2018