ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2019 - Volume 9 - Número 1

A integração precoce dos cuidados paliativos na oncologia pediátrica: um desafio necessário

The early integration of palliative care in pediatriconcology: a necessary challenge

RESUMO

O câncer na infância e adolescência representa uma importante fonte de sofrimento físico, psíquico, social e espiritual, mesmo com as taxas de cura apresentando um crescimento considerável ao longo dos anos. O cuidado paliativo na oncologia pediátrica tem como objetivo prevenir e aliviar este sofrimento, melhorando a qualidade de vida dos pacientes e suas famílias. Quanto mais precoce é a introdução desses cuidados durante o tratamento oncológico, maior será o benefício propiciado.

Palavras-chave: Cuidados paliativos, Criança, Adolescente, Oncologia.

ABSTRACT

Cancer in childhood and adolescence is an important source of physical, emotional, social and spiritual suffering, even with survivors rates showing considerable growth over the years. Palliative care in pediatric oncology aims to prevent and relieve this suffering, improving the quality of life of patients and their families. The earlier the introduction of these care during cancer treatment, the greater the benefit.

Keywords: Palliative Care, Child, Adolescent, Cancer Care Facilities.


Ao longo dos anos, o câncer na infância vem apresentando uma melhora significativa nas taxas de sobrevida global. Entretanto, apesar desse progresso, continua a ser uma das principais causas de morte nessa população.1,2 Estima-se que aproximadamente 12.000 crianças entre o nascimento e 19 anos de idade foram diagnosticadas com neoplasias, com uma mortalidade entre 10 e 20%.1 Os avanços contínuos no campo da oncologia pediátrica modificaram o paradigma de tratamento, com aumento das taxas de cura e uma nova abordagem terapêutica, por meio da mudança de olhar de uma doença aguda para uma doença crônica.3 Com isso, é necessário cada vez mais a introdução precoce dos cuidados paliativos paralelamente ao tratamento terapêutico, para garantir a qualidade de vida e o suporte em todas as esferas para o paciente e sua família.

Em 1998, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou um dos primeiros livros que abordaram o cuidado paliativo na população infantil: “Cancer Pain Relief and Palliative Care In Children”, no qual recomendou que os cuidados paliativos para crianças com câncer deveriam ser iniciados ao diagnóstico, independentemente do prognóstico.4 Outras organizações internacionais também publicaram importantes recomendações que são consideradas marcos iniciais na introdução e implementação dos cuidados paliativos pediátricos oncológicos (CPPO): a Sociedade Internacional de Oncologia Pediátrica (SIOP) declarou prioridade dos CPPO em 1999, assim como a Academia Americana de Pediatria em 2000. Em um artigo de referência no New England Journal of Medicine, em 2000, Wolfe e colaboradores mostraram que crianças com câncer morrem com dor e sofrimento significativos.5 Todas essas entidades reforçam a necessidade deste cuidado, já que o câncer infantil representa uma doença grave, ameaçadora de vida, com grande número de intervenções e tratamentos dolorosos, que culmina em queda na qualidade de vida e alto grau de sofrimento.

A missão dos CPPO engloba o fornecimento de comunicação de alta qualidade, o planejamento de cuidados centrados na criança e sua família, objetivando o bem-estar, a qualidade de vida e a avaliação e tratamento de sintomas físicos, psicológicos, sociais e espirituais no contexto de uma equipe interdisciplinar. Além disso, auxilia na tomada de decisões difíceis e promove cuidado à equipe de saúde na resolução de conflitos.2,3 Para que essa missão ocorra, um dos aspectos mais importantes é o estabelecimento de uma comunicação eficaz. Através dela é possível realizar a construção de relações de confiança e promover a continuidade dos cuidados entre crianças, famílias e os membros da equipe interdisciplinar. A comunicação transparente e empática também cria uma estrutura para a identificação de metas de cuidado centradas no paciente e na família, estreita laços de relacionamento com a equipe cuidadora e permite tomada de decisões compartilhadas, respeitando sempre os limites e preferências de informações da família e da criança/adolescente.3

Um outro aspecto fundamental no CPPO é o controle de sintomas, em todas as suas esferas. Sabemos que o câncer na população infanto-juvenil leva a um alto grau de sofrimento físico, psíquico, social e espiritual.3 Levine e colaboradores realizaram um estudo sobre as perspectivas do paciente e dos pais em relação ao sofrimento no primeiro mês de terapia contra o câncer. A maioria dos pacientes relatou náuseas (84,5%), perda de apetite (75,2%), dor (74,4%) e ansiedade (59,7%).2

Um estudo realizado por Wolfe e colaboradores realizou uma entrevista com 104 crianças maiores de 2 anos e suas famílias em relação a sintomas durante o curso da doença; entre os 103 pais que responderam a pesquisa, 89% deles descreveram um sofrimento intenso de seu filho durante o tratamento; 51% das crianças apresentaram três ou mais sintomas físicos que causavam sofrimento, sendo os mais comuns: fadiga, dor, dispneia e falta de apetite. Embora o tratamento desses sintomas tenha sido realizado, menos de 30% dos pais acreditavam que houve melhora da dor e somente 10% indicaram que náuseas, vômitos ou constipação foram devidamente controlados. Embora este estudo tenha focado em sintomas e sofrimentos em final da vida, foi destacada a necessidade de atenção para o seu controle adequado, garantindo a qualidade de vida, sendo ambas tarefas essenciais para os cuidados paliativos. Em um outro estudo, que avaliou qualidade de vida em crianças e adolescentes portadores de câncer em estágio avançado, por meio de questionário específico (PediQuest), 38% deles revelaram uma pontuação total de qualidade de vida relacionada com a saúde consistente com “razoável” ou “fraca”. As pontuações referentes a qualidade de vida física e escolar foram as mais baixas. Treze sintomas foram identificados como associados à diminuição da qualidade de vida; dificuldade de concentração, preocupação, boca seca, dor, tristeza, irritabilidade, insônia, fadiga, vômito e anorexia estavam entre esses sintomas, muitos dos quais podem ser devidamente manejados por uma equipe de CPPO.2

Acreditamos que o melhor caminho para promover a qualidade de vida durante o tratamento com câncer é a introdução dos cuidados paliativos precocemente, proporcionando atenção e cuidados às necessidades físicas e psicossociais da criança e da sua família. Com isso, torna-se mais evidente que a busca pela cura do câncer associada ao controle dos sintomas é o cuidado integral do paciente.6 No momento em que o CPPO inicia-se somente no final de vida ou tardiamente no processo da doença, perdemos a oportunidade de cuidar integralmente dessas crianças, o que muitas vezes pode provocar nas famílias uma perda da esperança ou mesmo a falta de controle no cuidado centrado em seu filho enfermo.7 Snaman e colaboradores também enfatizam a importância da equipe de oncologia como iniciador deste cuidado centrado na criança e na família, não sendo uma atividade restrita ao CPPO, porém tendo sido treinada previamente para este fim.8 Dessa maneira, a família e o paciente se sentem bem amparados e cuidados pelo seu oncologista e o especialista em cuidados paliativos pode, e deve, ser acionado sempre nos momentos em que há necessidades específicas e mais complexas.9

O CPPO torna-se mais expressivo à medida que a doença avança e há limites terapêuticos para o alcance da cura. O período de fim de vida é um dos que apresenta maior grau de sofrimento físico, psíquico e espiritual. Intervenções como ventilação mecânica e procedimentos médicos invasivos dolorosos, bem como o ambiente da unidade de terapia intensiva, podem contribuir para uma angustiante experiência física e psicossocial. Há evidências de que, mesmo no último mês de vida, um número significativo de pacientes com câncer recebe esse tipo de atendimento. Em uma análise retrospectiva dos cuidados no final da vida, realizada por Kassam e colaboradores, 40,6% dos 815 pacientes avaliados receberam procedimentos de alta complexidade em fim de vida, como administração de quimioterapia nos 14 dias anteriores à morte ou internação em unidade de terapia intensiva 30 dias antes do óbito. Neste mesmo período da doença, os sintomas mais comuns no último mês de vida foram dor, fadiga e edema, todos relatados em mais de 75% dos pacientes avaliados. Em relação a crianças e adolescentes que recebiam CPPO em fim de vida, apresentavam menor número de internações em unidade de terapia intensiva, recebiam um menor número de procedimentos médicos e eram mais propensos a discutir o prognóstico e os objetivos de fim de vida com sua família e a equipe cuidadora. O envolvimento dos cuidados paliativos foi associado à diminuição da probabilidade de intubação nas 24 horas antes da morte e somente 3% dos pacientes foram submetidos à ressuscitação cardiopulmonar, em comparação com 20% dos pacientes que não receberam suporte de cuidados paliativos em fim de vida.2

Em resumo, quando uma equipe pediátrica de cuidados paliativos está em funcionamento, uma abordagem individualizada pode apoiar o paciente e a família e reduzir o desconforto e o sofrimento, bem como melhorar os resultados para as famílias após a morte de uma criança com câncer.


REFERÊNCIAS

1. INCA – Instituto Nacional de Câncer. Incidência, mortalidade e morbidade hospitalar por câncer em crianças, adolescentes e adultos jovens no Brasil: Informações dos registros de câncer e do sistema de mortalidade. Rio de Janeiro: INCA; 2016.

2. Spruit JL, Price-Paul M. Palliative care services in pediatric oncology. Ann Palliat Med. 2018 May; pii: apm.2018.05.04. doi: 10.21037/ apm.2018.05.04. [Epub ahead of print]

3. Snaman JM, Kaye EC, Baker JN, Wolfe J. Pediatric palliative oncology: The state of the science and art of caring for children with cancer. Curr Opin Pediatr. 2018, 30:40-8.

4. Cheng BT, et al. Palliative care initiation in pediatric oncology patients: A systematic review. Cancer Med. 2019 Jan; 8(1):3-12.

5. Hilden J. Título da publicação? Pediatr Blood Cancer. 2016 Apr; 63(4):583-4.

6. Whitney SN, et al. Decision making in pediatric oncology: Who should take the lead? The decisional priority in pediatric oncology model. J Clin Oncol. 2006, 24:160-5.

7. Anderson I. Program in End-of-Life Care – Module 12 Decision-Making in Pediatric Palliative Care. University of Toronto; 2004.

8. Snaman JM, et al. Pediatric palliative oncology: A new training model for an emerging field. J Clin Oncol. 2016; 34:288-90.

9. Kaye EC, Friedrichsdorf S, Baker JN. Early integration of palliative care for children with high-risk cancer and their families. Pediatr Blood Cancer. 2016 Apr; 63(4):593-7.










1. Hospital Pitangueiras, Departamento de Oncologia Pediátrica - Jundiai - SP - Brasil
2. Instituto da Criança - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Médica voluntária da Unidade deDor e Cuidados Paliativos - São Paulo - SP - Brasil
3. Instituto de Oncologia Pediátrica - Universidade Federal de São Paulo / Escola Paulista deMedicina, Departamento de Oncologia Pediátrica e Cuidados Paliativos Pediátricos - São Paulo - SP - Brasil
4. Universidade Federal de São Paulo/ Escola Paulista de Medicina, Grupo de Bioética e CuidadosPaliativos - Departamento de Pediatria da UNIFESP/EPM - São Paulo - SP - Brasil

Endereço para correspondência
Poliana Cristina Carmona Molinari
Hospital Pitangueiras
Rua Bom Jesus de Pirapora, nº 1351, Jardim Cica
Jundiaí - SP. Brasil. CEP: 13207-605
E-mail: polianamolinari@yahoo.com.br

Data de Submissão: 06/04/2019
Data de Aprovação: 01/04/2019