ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2019 - Volume 9 - Número 3

Disceratose congênita - relato de caso

Congenital Dyskeratosis - case report

RESUMO

A disceratose congênita é uma doença rara, com caráter recessivo ligadas ao X, autossômicas dominantes e recessivas. As manifestações mais comuns são a tríade de leucoplasia em mucosas, pigmentação reticulada da pele e distrofia ungueal. Contudo, os pacientes podem apresentar outras alterações sistêmicas, como, por exemplo, hematológica, oftalmológicas, gastrintestinais, geniturinárias, alterações dentárias, neurológicas, pulmonares e esqueléticas. Apresenta-se o caso de um paciente de 5 anos, acompanhado em consulta há 3 anos, que evoluiu com pancitopenia, transfusões de repetição e internações por infecções recorrentes.

Palavras-chave: disceratose congênita, pancitopenia, transfusão de componentes sanguíneos.

ABSTRACT

Congenital dyskeratosis is a rare, recessive, X-linked, autosomal dominant and recessive disease. The most common manifestations are the triad of mucosal leukoplakia, reticulated pigmentation of the skin and nail dystrophy. However, the patients may present other systemic alterations, such as hematologic, ophthalmologic, gastrointestinal, genitourinary, dental, neurological, pulmonary and skeletal alterations. We report the case of a 5-year old patient, who was followed up for 3 years, who developed pancytopenia, recurrent transfusions and hospitalizations due to recurrent infections.

Keywords: dyskeratosis congenita, pancytopenia, blood component transfusion.


INTRODUÇÃO

A disceratose congênita é uma doença grave, rara, com poucos relatos na literatura - sendo estimado 1/1000000 na Europa - e que pode levar a falência medular. Inicialmente, pode-se suspeitar do diagnóstico através das alterações clássicas mucocutâneas, como distrofia ungueal, pigmentação reticular da face, do pescoço e dos ombros e leucodisplasia das mucosas. O diagnóstico definitivo se faz pela determinação de telômeros e o tratamento é paliativo até que se consiga o transplante de medula óssea.


OBJETIVO

Relatar o caso de um indivíduo portador de disceratose congênita que evoluiu para aplasia de medula, necessitando, frequentemente, de hemotransfusões e aumento no número de internações devido às infecções.


MÉTODO

Trata-se de um estudo descritivo do tipo Relato de Caso. As informações contidas neste trabalho foram obtidas por meio de revisão do prontuário, entrevista com a responsável pelo paciente e revisão da literatura.


RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, 5 anos de idade, natural de Uberaba/MG, iniciou seguimento no ambulatório da Hematologia e Hemoterapia Pediátrica em fevereiro de 2013 devido à plaquetopenia leve (125.000/mm³), evidenciada em exames de rotina. Devido à persistência da plaquetopenia, foi realizado mielograma com normoplasia de séries eritrocítica, granulocítica e linfoplasmocítica, com hipoplasia de série megacariocítica. Como o paciente estava assintomático, optou-se por seguimento regular com reavaliação clínica e laboratorial.

Nas consultas posteriores, a plaquetopenia foi evoluindo para uma pancitopenia. Em 16 de janeiro de 2014, foi coletado teste de sensibilidade ao diepoxibutano, com resultado negativo, e biópsia de medula óssea, que revelava medula óssea hipocelular com 15% de tecido hematopoiético e 85% de tecido adiposo, com raros granulócitos e amplo predomínio de linhagem linfocítica, hemossiderina presente grau 2 em 4; conclusão sugestiva de anemia aplástica.

Em 2014, paciente iniciou transfusão de concentrado de hemácias e plaquetas mensalmente. No exame físico, notou-se distrofias ungueais (Figuras 1 e 2) e pigmentação reticular da pele. Em 2016, foi realizada a medida do comprimento telomérico; o resultado desse exame foi muito curto para a idade, fechando o diagnóstico de disceratose congênita.


Figura 1. Distrofias ungueais em mão esquerda.


Figura 2. Distrofias ungueais em pé esquerdo.



Ao longo dos três anos de acompanhamento médico, o paciente intensificou a pancitopenia. A Dermatologia indicou reparadores de barreira de pele para a disqueratose (sem sucesso no tratamento) e a Oftalmologia diagnosticou uma retinite fúngica. Atualmente, ele realiza transfusão de plaquetas duas vezes na semana e de concentrado de hemácias de 15 em 15 dias. Devido à neutropenia persistente grave (neutrófilos menores que 500), aumentou o número de internações tratáveis com antibiótico de largo espectro.


DISCUSSÃO

A disceratose congênita é uma doença rara com instabilidade cromossômica. A manifestação clássica é a tríade pigmentação reticulada da pele, distrofia ungueal e leucoplasia em mucosas1. Apesar da tríade clássica caracterizar a doença, apenas três quartos possuem pelo menos uma característica clínica e pouco menos da metade as três. Outras alterações, além das mucocutâneas, podem ser apresentadas, como: falência progressiva da medula óssea, aumento das chances de desenvolver mielodisplasia e leucemias, alterações hepáticas, fibrose pulmonar e calcificações do sistema nervoso central2.

Há dois tipos graves de disceratose congênita: (1) síndrome de Hoyeraal-Hreidarsson, caracterizada por hipoplasia cerebelar, microcefalia, ataxia, atraso no desenvolvimento, imunodeficiência e anemia aplástica precoce; e, (2) síndrome de Revezs, que apresenta quadro de retinopatia exsudativa bilateral, retardo intrauterino, anemia aplástica grave e calcificações no sistema nervoso central. Os prognósticos dessas duas formas são muito sombrios.

A disceratose congênita é uma desordem que pode ser herdada de forma autossômica recessiva, autossômica dominante ou ligada ao cromossomo3. Cerca de 70% dos doentes terão uma mutação em um dos seguintes genes: ACD, CTC1, DKC1 - DC, NAF1, NHP2, NOP10, PARN, RTEL1, STN1, TERC, TERT, TINF2, WRAP534.

O diagnóstico é realizado pela determinação dos tamanhos dos telômeros (menor que 1% para a idade) em vários subtipos de leucócitos e os achados clínicos da doença5. O tratamento consiste em atenuar os sintomas com hemotransfusões, danazol e tratamento de infecções6. Já o tratamento definitivo se dá com o transplante de medula óssea. Mesmo após o transplante, existe chance de complicações, como fibrose pulmonar ou hepática.

CONCLUSÃO

A disceratose congênita é uma doença grave, com aumento de chances de sobrevida quando diagnosticada precocemente. O tratamento consiste em atenuar os sintomas e a cura definitiva é obtida através do transplante de medula óssea.


REFERÊNCIAS

1. Carvalho SP, Pereira LB, Silva CMR, Vale ES, Gontijo B. Disceratose congênita - Relato de caso e revisão da literatura. An Bras Dermatol (Rio de Janeiro). 2003;78(5):579-86. [acesso 2017 Maio 1]. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/abd/v78n5/17557.pdf

2. Lorenzi TF, D’Amico E, Daniel MM, Silveira PAA, Buccheri V. Manual de Hematologia - Propedêutica e Clínica. 3ª ed. São Paulo: Medsi; 2003.

3. Braga JAP, Tone LG, Loggetto SR. Hematologia para o Pediatra. São Paulo: Atheneu; 2007.

4. Zago MA, Falcão RP, Pasquini R. Tratado de Hematologia. São Paulo: Atheneu; 2013.

5. Olson T. Dyskeratosis congenita and other short telomere syndromes. Uptodate. [acesso 2017 Maio 1]. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/dyskeratosis-congenita-and-other-short-telomere-syndromes?source=search_result&ump;search=Dyskeratosis%20congenita&ump;selectedTitle=1~150

6. Townsley DM, Dumitriu B, Liu D, Biancotto A, Weinstein B, Chen C, et al. Danazol Treatment for Telomere Diseases. N Engl J Med. 2016;374:1922-31. [acesso 2017 Maio 1]. Disponível em: http://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa1515319#t=article










1. Pediatra - Residente na área de Hematologia e Hemoterapia Pediátrica no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil
2. Médica na área de Hematologia e Hemoterapia Pediátrica no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, MG, Brasil

Endereço para correspondência:
Vinícius de Mendonça Magalhães
Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Rua Frei Paulino, nº 30,Bairro Nossa Senhora da Abadia
Uberaba - MG. Brasil. CEP: 38025-250
E-mail: vinimms@yahoo.com.br

Data de Submissão: 15/01/2018
Data de Aprovação: 15/05/2018