ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2019 - Volume 9 - Número 3

Pesquisa de Streptococcus pyogenes em orofaringe de indígenas em uma aldeia do Oeste do Paraná

Streptococcus pyogenes orophanynx research in indigeneous village of the West of Parana

RESUMO

OBJETIVO: Realizar cultura de secreção de orofaringe de indígenas da aldeia Tekohá Jevy, localizada no município de Guaíra, Paraná, visando determinar a presença de Streptococcus pyogenes.
MÉTODO: Estudo observacional do tipo transversal, no qual foram coletadas 127 amostras de secreção da orofaringe de indígenas através de swab estéril, semeadas em ágar sangue de carneiro 5% e incubadas de 24 a 48 horas. As colônias com padrão de beta-hemólise foram submetidas à teste de sensibilidade a sulfametoxazoltrimetoprima, bacitracina, catalase e teste rápido da L-Pyrrolidonyl-Beta-Naphytylamide (PYR). As seguintes variáveis também foram avaliadas: sexo, idade e presença de secreção purulenta em orofaringe no momento da coleta.
RESULTADOS: O maior número de coletas foi obtido em crianças de quatro a 11 anos de idade (45,7%) e do sexo feminino (58,3%). Nenhum participante apresentou sinais de faringoamigdalite no momento da coleta do material e nenhuma amostra teve cultura compatível com a bactéria pesquisada.
CONCLUSÕES: Não houve a presença de S. pyogenes na população estudada, o que pode significar menor taxa de contaminação e disseminação da bactéria em populações isoladas.

Palavras-chave: Prevalência, População Indígena, Streptococcus pyogenes.

ABSTRACT

OBJECTIVES: Execute orophanynx excretion culture in Tekohá Jevy indigeneous from village located in Guaíra City Paraná Sate, aiming to provide the presence of Streptococcus pyogenes.
METHOD: Cross-sectional and observational study on which 127 indigeneous orophanynx excretion sample had taking through sterile swab, 5% sheep blood agar sown and from 24 to 48 hours incubated. The beta-hemolysis standard colonies were submitted to sensitivity test of sulfamethoxazole-trimethoprim, bacitracin, catalase and LPyrrolidonyl-Beta-Naphytylamide (PYR) quick test. The following variables were also rated: sex, age and running orophanynx excretion in the sample taking moment.
RESULTS: The higher sample taking were obtained from 4 to 11 years old children (45,7%) and from female gender (58,3%). None fo the participants presented pharyngotonsillitis signs in the material sample taking moment and none of the samples had compatible culture with the researched bacteria.
CONCLUSION: There wasnt presence of S. Pyogenes in the studied population. This can indicate lower contamination rate and bacteria dissemination in isolated population.

Keywords: Prevalence, Indigenous Population (Public Health), Streptococcus pyogenes.


INTRODUÇÃO

O Streptococcus pyogenes é uma bactéria com características morfotintoriais de cocos Gram-positivo e catalase negativa, classificada como estreptococo beta-hemolítico do grupo A de Lancefield (EBGA)1. Pode fazer parte da microbiota das tonsilas palatinas como colonizadores na ausência de manifestações clínicas, e como patógenos em potencial, quando causar doenças no portador ou em outros indivíduos susceptíveis1. Tem grande importância clínica por ser agente de faringite, além de impetigo, erisipela, celulite, sepse puerperal, fasceíte necrotizante, síndrome do choque tóxico, endocardite, artrite séptica glomerulonefrite difusa aguda e febre reumática aguda1,2.

O S. pyogenes é responsável por 30-40% de todas as faringoamigdalites agudas, principalmente em crianças e adultos jovens, sendo considerado um problema de saúde pública. O contágio ocorre por contato direto através de secreções (tosse, espirros), favorecendo sua disseminação em ambientes em que há aglomeração e contato interpessoal3. O diagnóstico etiológico da faringite é baseado em testes laboratoriais e a cultura de secreção da orofaringe é o padrão ouro para o diagnóstico, com sensibilidade que varia de 90 a 95%4.

No Brasil, é muito difícil determinar a incidência de faringoamigdalites bacterianas causadas pelo EBGA. Seguindo uma projeção do modelo epidemiológico da Organização Mundial de Saúde (OMS) e de acordo com o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estima-se que anualmente no Brasil ocorram cerca de 10 milhões de faringoamigdalites estreptocócicas5.

A população indígena possui várias características que os colocam em posição de vulnerabilidade para infecção e ou colonização de orofaringe por S. pyogenes, como o baixo nível socioeconômico, a aglomeração de pessoas, dificuldade de acesso à saúde e dificuldade no entendimento sobre saúde e doença.

Este estudo teve como objetivo pesquisar a presença de S. pyogenes em orofaringe de indígenas da aldeia Tekohá Jevy, localizada no município de Guaíra-PR.


MÉTODOS

Estudo observacional do tipo transversal realizado com indígenas da aldeia Tekohá Jevy no município de Guaíra-PR. A população inicialmente estimada era de 250 habitantes e após considerados os critérios de exclusão (menores de 4 anos, maiores de 60 anos, impossibilidade física de abertura bucal, doença infectocontagiosa diagnosticada e recusa do indivíduo em participar da pesquisa), a população do estudo constituiu-se de 127 indígenas. Optou-se por excluir menores de 4 anos e maiores de 60 anos do estudo avaliando-se a baixa incidência da bactéria nessas faixas etárias excluídas, reforçando a maior incidência em crianças com mais de 3 anos e principalmente em idade escolar6,7.

Previamente à coleta foi explicado, verbalmente e visualmente (em imagens em banner confeccionado pela equipe), como seria realizado o exame. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelo participante ou pelo responsável. Os menores de 18 anos necessitaram da assinatura de um maior de idade responsável, e os adolescentes de 12 a 18 anos também assinaram um Termo de Assentimento Livre e Esclarecido.

A coleta do material foi realizada em duas etapas, nos dias 22/05/2017 e 29/05/2017, de forma rápida e não invasiva, com o auxílio de um abaixador de língua pressionado gentilmente sobre a língua e um swab estéril que foi passado sobre as tonsilas e próximo à úvula. O material foi transportado em tubo com o swab em meio de transporte Stuart estéril (modelo K41-01-02, OLEN), acondicionados em caixa com isolamento térmico e enviados ao laboratório de Análises Clínicas do Hospital Universitário do Oeste do Paraná, setor de Bacteriologia Clínica. Com a finalidade de amenizar erros de coleta, transporte e armazenagem, os pesquisadores designados para a realização da coleta receberam treinamento visando obter a amostra em local apropriado, evitando contaminação, adequada conservação e correto transporte do material.

As amostras foram semeadas por técnica de esgotamento em placas de Petri contendo ágar sangue de carneiro. Após a semeadura, foram colocados sobre a superfície do meio os discos de bacitracina e sulfametoxazol-trimetoprima. Essa técnica foi realizada com a finalidade de diferenciar S. pyogenes de outras cepas do grupo A e de outras espécies com colônias β-hemolíticas, ou seja, cepas de S. pyogenes são sensíveis a bacitracina (formam halo ao redor do disco) e resistentes a sulfametoxazol-trimetoprima (não formam halo). O material semeado foi incubado durante 24 a 48 horas, a 35-37ºC em 5% de tensão de CO2.

Após o período de incubação, as placas foram analisadas visualmente em relação ao crescimento de colônias que apresentaram características de beta-hemólise, bem como à formação de halo ao redor dos discos de bacitracina e sulfametoxazol-trimetoprima. Em seguida, as colônias com características fenotípicas compatíveis com S. pyogenes foram testadas para verificação da produção da enzima catalase, sendo o S. pyogenes catalase negativa. Por fim, aquelas colônias catalase negativa foram identificadas através da prova do PYR. Este é um teste em disco, baseado na hidrólise enzimática da L-Pyrrolidonyl-Beta-Naphytylamide, teste rápido, preciso e específico para identificação de S. pyogenes. Para controle de qualidade, foi semeada uma cepa de S. pyogenes ATCC 19615 Newprov® com crescimento positivo nas mesmas condições da cultura de secreção de orofaringe dos participantes. Todos os testes foram feitos em duplicata.

Foram analisadas também as seguintes variáveis: idade, sexo e presença de sinais de faringoamigdalite (placas purulentas em orofaringe). Os resultados foram descritos de forma quantitativa como frequência de distribuição absoluta e percentual.

Este trabalho foi realizado mediante aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Unioeste (CEP) e Conselho Nacional de Saúde (CONEP), parecer nº 1.775.058. Foi obtido parecer de mérito científico da pesquisa pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, houve liberação de ingresso em terra indígena pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), anuência do cacique da tribo e da enfermeira responsável pela saúde indígena local para a realização desta pesquisa na aldeia.


RESULTADOS

Foi coletado um total de 127 amostras, 53 (41,7%) do sexo masculino e 74 (58,3%) do sexo feminino. O maior número de coletas foi realizado em crianças de 4 a 11 anos (58 amostras); na faixa etária entre 12 e 18 anos foram obtidas 18 amostras e adultos maiores de 18 anos, 51 amostras (Tabela 1).




Nenhum participante apresentou sinais de faringoamigdalite aguda durante a realização da coleta do material.

Das 127 amostras analisadas microbiologicamente, 2 apresentaram características suspeitas de S. pyogenes, ou seja: beta hemólise, resistência à sulfametoxazol-trimetoprima, sensibilidade à bacitracina e catalase negativa. As duas amostras foram então submetidas ao teste rápido do PYR, porém apresentaram resultado negativo, indicando que não são da espécie S. pyogenes.


DISCUSSÃO

No Brasil não há estudos demonstrando a prevalência de S. pyogenes em indígenas. Este trabalho demonstrou ausência de S. pyogenes na secreção de orofaringe dos indígenas da tribo Tekohá Jevy. Contudo, o resultado deste estudo deve ser analisado com cautela, visto que os indígenas, apesar de possuírem características que os colocam em posição de vulnerabilidade, como pobreza, baixa renda per capita, má habitação e menor acessibilidade aos cuidados de saúde, trabalham e frequentam escola na própria aldeia, apresentando menor contato com indivíduos não indígenas, o que pode ser um fator de proteção para a população, com menor taxa de contaminação.

Estima-se que 15% das crianças em idade escolar em países desenvolvidos desenvolverão um caso sintomático de faringite estreptocócica a cada ano, enquanto a incidência de faringite por S. pyogenes em países em desenvolvimento pode ser cinco a dez vezes maior6. A prevalência de S. pyogenes é reconhecidamente maior em crianças7 e adolescentes, mas a presença de estreptococos pode ocorrer em qualquer idade. Um estudo realizado em duas escolas públicas de Recife (PE) com 753 escolares de 5 a 19 anos demonstrou uma prevalência de S. pyogenes de 0,8%2 em portadores assintomáticos. Outro estudo realizado em Bamako, Mali, com crianças de 5 a 16 anos isolou o EBGA em 25,5% dos episódios de faringite8.

Acredita-se que escolas e instituições fechadas com grande número de crianças representem um fator de risco para disseminação e contaminação pela bactéria, conforme mostrou um estudo realizado em Roraima e São Paulo comparando a prevalência entre crianças institucionalizadas ou não, assintomáticas, o qual mostrou uma prevalência de 8% em culturas de orofaringe de crianças frequentadoras de creche e 2% no grupo controle (não frequentadoras de creche) da cidade de São Paulo, sendo a diferença estatisticamente significante. O S. pyogenes esteve presente em 24% das culturas de orofaringe de crianças em creche e 16% das culturas do grupo controle na cidade de Porto Velho em 20063.

Um estudo realizado com 114 estudantes de cursos de graduação da área de Saúde em um Centro Universitário no município de Maringá (PR) demonstrou prevalência nula de S. pyogenes na secreção de orofaringe dos estudantes pesquisados9. Outro estudo realizado com crianças de 4 a 15 anos de idade em uma escola de área rural da Argentina encontrou prevalência de 13% de S. pyogenes em portadores assintomáticos e demonstrou que os portadores assintomáticos possuem risco 5,6 vezes maior para desenvolver faringoamigdalite aguda10.

Conclui-se com este trabalho que a população estudada da aldeia indígena Tekohá Jevy não apresentou S. pyogenes em orofaringe, podendo significar menor taxa de contaminação e disseminação dessa bactéria no local. O tema necessita de novas pesquisas, visto que não foram encontrados dados no Brasil da prevalência de S. pyogenes em populações isoladas como os indígenas.


REFERÊNCIAS

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7. World Health Organization (WHO). Rheumatic fever and rheumatic heart disease: report of a WHO expert consultation on rheumatic fever and rheumatic heart disease. Geneva: WHO; 2004.

8. Tapia MD, Sow SO, Tamboura B, Keita MM, Berthe A, Samake M, et al. Streptococcal pharyngitis in schoolchildren in Bamako, Mali. Pediatr Infect Dis J. 2015;34(5):463-8. DOI: 10.1097/INF.0000000000000608

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10. Giannelli SM, Posse GR. Prevalencia de portación asintomática del estreptococo β hemolítico grupo A (Streptococcus pyogenes). Arch Argent Pediatr. 2007;105(3):221-4.











1. Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Disciplina de Pediatria - Cascavel - Paraná - Brasil
2. Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Disciplina de Microbiologia - Cascavel - Paraná - Brasil

Endereço para correspondência:
Marcos Antonio da Silva Cristovam
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
Rua Universitária, nº 1619, Universitário
Cascavel - PR. Brasil. CEP: 85819-170
E-mail: ma.cristovam@uol.com.br

Data de Submissão: 26/06/2018
Data de Aprovação: 25/11/2018