Caso Clínico Interativo - Ano 2012 - Volume 2 - Número 2
Lesões cutâneas no recém-nascido: qual o diagnóstico?
Lesões cutâneas no recém-nascido: qual o diagnóstico?
Mãe com 29 anos, previamente hígida. GII, PII AO, realizou pré-natal com seis consultas. Um episódio de infecção urinária. Sorologias para infecções congênitas (toxoplasmose, rubéola, Lues, citomegalovirus e herpes) negativas.
Nascido de parto cesáreo, prematuro, IG 35s e 2 dias. Apgar 1/8/8. Exame cardiovascular sem alterações. Solicitados exames maternos.
Perguntas
Qual é a principal hipótese diagnóstica?
1. acrodermatite enteropática
2. dermatite fúngica
3. dermatite atópica
4. cútis marmorata teleangiectásica
5. lúpus neonatal
Com relação aos anticorpos maternos, quais estão relacionados à doença do recém-nascido do caso descrito?
1. anti-Ro, anti-DNA de dupla hélice
2. anti-Ro e anti-La
3. Anticorpo antinuclear e anti-Ro
4. Anti-La e anti-Sm
5. Anticorpo antinuclear e anti-Sm
Assinale uma das lesões permanentes do lúpus neonatal.
1. Trombocitopenia
2. Bloqueio cardíaco congênito completo
3. Macrocefalia
4. Cirrose biliar
5. Anemia aplásica
A forma mais comum de comprometimento hepatobiliar encontrada no lúpus neonatal é:
1. cirrose biliar
2. colestase neonatal
3. aumento transitório das enzimas hepáticas
4. esteatose hepática
5. hepatite neonatal
Qual das afirmativas é correta?
1. O rash é uma das manifestações mais comuns.
2. A incidência do bloqueio cardíaco congênito é elevada entre os neonatos das mães que apresentam anti-Ro ou anti-La positivos.
3. A mortalidade está ligada à nefropatia.
4. A taxa de reincidência de bloqueio cardíaco congênito em gestações futuras é maior que 50%.
5. A mortalidade está ligada a causas respiratórias.
DISCUSSÃO
O lúpus neonatal (LN) ocorre em 1% a 2% dos recém-nascidos de mães com diagnóstico de Lúpus Eritematoso Sistêmico, síndrome de Sjögren, ou mesmo assintomáticas, que possuam os autoanticorpos anti-Ro/SSA, anti-La/SSB ou anti-RNP. A doença resulta da passagem transplacentária destes anticorpos entre a 12ª e 16ª semana de gestação.
O LN é uma condição rara, cujas manifestações mais comuns são acometimento cutâneo ou bloqueio atrioventricular congênito (BAV), podendo, também, haver outras alterações sistêmicas menos comuns: hepatite neonatal, colestase e citopenias. O rash cutâneo consiste em placas eritemato-descamativas com discreta atrofia central ou eritema anular (Figure 1). É fotossensível, de localização periorbitária, facial, em tronco e membros. Geralmente, está presente ao nascimento podendo, no entanto, aparecer até a 6a semana de vida e durar até 3 a 4 meses.
O BAV de terceiro grau é a manifestação cardíaca mais frequente e, também, a mais grave. Em recém-nascidos com suspeita de LN, avaliação cardiológica é imprescindível, visando o diagnóstico precoce de qualquer alteração e correto acompanhamento pediátrico. O prognóstico varia de acordo com a presença e gravidade do BAV, já que as demais manifestações regridem entre o 6º e o 8º mês de vida.
O diagnóstico precoce de LN é essencial e, portanto, quadros cutâneos em recém-nascidos, associados ou não a outras manifestações sistêmicas, deverão sempre levantar a suspeita de LN, mesmo no caso de mães assintomáticas.
Comentários adicionais
As mulheres com doenças autoimunes apresentam maior frequência de complicações gestacionais, apesar dos progressos no diagnóstico e manejo dessas doenças1.
Baseando-se no registro de dados dos Estados Unidos, os fatores de risco para mortalidade e morbidade foram avaliados em 325 recém-nascidos com lúpus neonatal nascidos de mães com anticorpos anti-Ro. A mortalidade foi de 17,5%, dos quais 30% ocorreram no período intrauterino. A presença de fibroelastose ou de miocardiopatia dilatada associada à BAV aumentava consideravelmente a mortalidade. Hidropsia fetal era outro fator de risco2.
O lupus neonatal é infrequente e resulta da transferência passiva de autoanticorpos, especialmente anti-Ro e anti-La. Pode haver manifestações cutâneas, cardíacas, hematológicas, hepáticas, neurológicas, osteoarticulares e pulmonares. As manifestações não cardíacas são transitórias e cessam quando os autoanticorpos são eliminados da circulação neonatal3.
O exantema típico aparece nas primeiras 6 semanas de vida após exposição aos raios ultravioleta e dura 3 a 4 meses, porém, pode estar presente ao nascimento4,5. A face e o couro cabeludo são quase sempre acometidos, mas pode afetar qualquer área do corpo, mesmo as áreas não expostas ao sol, indicando que a radiação UV pode induzir ou exacerbar as lesões, mas não é necessária na sua gênese. Eritema extenso e confluente na região periorbital pode conferir o aspecto em olho de coruja6. Geralmente o rash remite sem tratamento, embora o uso judicioso de corticoide possa acelerar sua resolução. Não há evidências de que o tratamento impeça a formação de cicatrizes ou teleangiectasias, que podem se desenvolver em 10%-20% dos casos7.
O bloqueio cardíaco congênito (BCC) se desenvolve entre a 18ª e 25ª semana gestacional e se apresenta como bradicardia de 40 a 60 batimentos por minuto. Encerra mortalidade elevada de até 30% e mais de dois terços dos sobreviventes necessitarão de implante definitivo de marcapasso3.
O distúrbio de condução AV pode ser de primeiro, segundo ou terceiro graus e pode estar associado à fibroelastose e à miocardiopatia dilatada. Até a presente data, todos os casos de bloqueio AV completo são permanentes. Recentemente, foram relatados cinco casos de fibroelastose como manifestação isolada de lúpus neonatal8.
Um estudo retrospectivo reviu 187 casos de pacientes com BCC cujas mães apresentavam positividade para anticorpos anti-Ro e anti-La. Nove crianças tinham intervalo PR prolongado. Em dois casos com diagnóstico intrauterino de bloqueio de segundo grau, a mãe foi tratada com corticoide e o ritmo reverteu ao padrão sinusal ao nascimento, mas, posteriormente, evoluiu para bloqueio total. Um paciente, cujo irmão mais jovem apresentava bloqueio de 3º grau, teve detectado bloqueio de primeiro grau no ECG realizado para avaliação cirúrgica9.
Muitos fetos parecem apresentar inflamação leve persistente com resolução variável. Como bloqueios de primeiro e segundo graus podem progredir, o ECG deve ser realizado em todos os filhos de mães com anti-Ro e anti-La positivos.
Outras arritmias descritas no LN ou associadas aos anticorpos anti-Ro são bradicardia sinusal, prolongamento de QT, em adultos e em crianças. Em geral, estas arritmias não têm relevância clínica, mas são importantes do ponto de vista de pesquisa. Arritmias ventriculares são descritas em adultos10.
A patogenia não está esclarecida. Uma das hipóteses é que os anticorpos anti-Ro reagem com uma região específica da proteína Ro (p200), causando alteração funcional. Outras hipóteses são que o anticorpo anti-Ro reagiria com outra proteína do coração fetal, como o receptor serotoninérgico 5-HT4, ou com as subunidades do canal de cálcio tipo L ou tipo T. Essas ações podem explicar um efeito eletrofisiológico direto desses anticorpos3,10.
Os anticorpos anti-Ro são os mais frequentemente identificados nas mães de crianças que apresentam bloqueio cardíaco congênito. Só 1,7% das crianças apresentam BCC e a taxa de recorrência em futuras gestações é de 10% a 20%3. A baixa frequência de BCC e de recorrências em gestações subsequentes indica que outros fatores fetais ou do ambiente intrauterino provavelmente ampliam os efeitos dos autoanticorpos e podem ter, também, papel na gênese das alterações cardíacas.
O comprometimento hepatobiliar mais comum é a elevação dos níveis de enzimas, como alanino-aminotransferase (ALT) e aspartatoaminotransferase (AST), que pode estar ou não associada à colestase. Os pacientes podem ter hepatomegalia leve ou, menos comumente, esplenomegalia. Insuficiência hepática fulminante ocorre raramente. Se o comprometimento hepatobiliar é isolado, a etiologia pode ser atribuída a outra doença ou interpretada como icterícia fisiológica6,7.
A linhagem hematológica pode ser afetada pela passagem transplacentária de autoanticorpos. Trombocitopenia é a manifestação hematológica mais comum e tende a resolver até a quarta semana de vida. Da quarta a oitava semanas, a neutropenia se torna mais frequente que a plaquetopenia. Não se observam aumento na frequência de sangramentos ou de infecções. Anemia hemolítica, anemia aplásica e pancitopenia são outras manifestações do LN7.
Outros órgãos e sistemas envolvidos são: pulmões (pneumonite e capilarite), sistema osteoarticular (condrodisplasia punctata) e o sistema nervoso central (convulsões, meningite asséptica, macrocefalia e hidrocefalia). Anormalidades neurológicas na TC e no US foram descritas envolvendo a substância branca, os ventrículos e a vascularização6,7.
A conduta para a maioria dos sintomas do lúpus neonatal é expectante, pois tendem a resolver espontaneamente. Nos casos de bloqueio cardíaco, podem ser considerados os corticosteroides durante a gestação, o uso de diuréticos e o implante de marca-passo.
REFERÊNCIAS
1. Motta M, Zambelloni C, Rodriguez-Peres C, Angeli A, Locajono A, Tincani A, et al. Cerebral ultrasound abnormalities in infants born to mothers with autoimune disease. Arch Dis Fetal Neonatal Ed. 2011;96(5):F335-8.
2. Chang C. Neonatal autoimmune diseases: a critical review. J Autoimmun. 2012;38(2-3):J223-38.
3. Salomonsson S, Strandberg L. Autoantibodies associated with congenital heart block. Scand J Immunol. 2010;72(3):185-8.
4. Ardoin SP, Schanberg LE. Neonatal Lupus. In: Kliegman RM, Stanton BF, St Gemi III JW, Schor NF, Behrman RE (eds). Nelson textbook of Pediatrics. Saunders: Philadelphia. 2011.
5. Kliegman RM, Stanton BF, St Gemi III JW, Schor NF, Behrman RE (eds). Nelson, Tratado de Pediatria, 18a edição. Rio de Janeiro: Elsevier; 2009. p.1019.
6. Wisuthsarewong W, Soongswang J, Chantorn R. Neonatal lupus erythematosus: clinical character, investigation, and outcome. Pediatr Dermatol. 2011;28(2):115-21.
7. Silverman E, Jaeggi E. Non-cardiac manifestations of neonatal lupus erythematosus. Scand J Immunol. 2010;72(3):223-5.
8. Guettrot-Imbert G, Cohen L, Fermont L, Villain E, Francès C, Thiebaugeorges O, et al. A new presentation of neonatal lupus: 5 cases of isolated mild endocardial fibroelastosis associated with maternal Anti-SSA/Ro and SSB/La antibodies. J Rheumatol. 2011;38(2):378-86.
9. Askenase AD, Friedman DM, Copel J, Dische MR, Dubin A, Starc TJ, et al. Spectrum and progression of conduction abnormalities in infants born to mothers with anti-SSA/Ro- SSB/La antibodies. Lupus 2002;11(3):145-51.
10. Bruccato A, Previtali E, Ramoni V, Ghidoni S. Arrythmias presenting in neonatal lupus. Scand J Immunol. 2010;72(3):198-204.
1. Pediatra. Pneumologista. Hospital Federal dos Servidores do Estado. Rio de Janeiro, RJ.
2. Pediatra. Residente. R3 do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA – UERJ).
3. Médica residente de neonatoogia da Maternidade Escola da UFRJ.
4. Médica residente de infectologia pediátrica do IFF.
5. Dermatologista pediátrica IPPMG/UFRJ.
6. Médica residente de terapia intensiva pediatrica HC-USP.
7. Médico residente do GRAACC/UNIFESP.
8. Médica residente de genética médica IFF.
9. Pediatra, especialista em reumatologia pediátrica IPPMG/UFRJ.
10. Pediatra.
11. Médica residente de endocrinologia pediátrica IPPMG/UFRJ.