ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Caso Clínico Interativo - Ano 2012 - Volume 2 - Número 3

Caso clínico interativo

Caso clínico interativo


Pré-escolar, 4 anos, natural e procedente do Rio de Janeiro, RJ.

Apresentava havia cerca de 4 meses queixa de dor em joelhos, que piorava ao subir escadas. Há aproximadamente um mês, brincando com seus primos, iniciou quadro de dor intensa em região lombar e posição antálgica mantida.

Avó refere febre diária e perda ponderal não aferida. Evacuava com dificuldade.

Encaminhado ao ambulatório de reumatologia para investigação diagnóstica.

Para investigação foram realizados:

  • radiografia de tórax: sem alterações
  • radiografia de coluna: redução do espaço intervertebral entre L3-L4
  • ressonância magnética toraco-lombar (Figura 1)



  • Figura 1. RM de coluna lombar. Redução do espaço discal L3-L4. Irregularidade doo platô inferior de L3.



  • teste tuberculínico (PPD): enduração de 25 mm


  • Iniciou esquema RIP (rifampicina, isoniazida, pirazinamida) apresentando no terceiro dia de tratamento vômitos em grande volume e cefaleia. Realizada ressonância magnética do encéfalo (Figuras 2 e 3).


    Figura 2. RM de encéfalo. Realce meníngeo.


    Figura 3. RM de encéfalo. Imagens nodulares em cerebelo.



    Apresentou boa evolução após adequação do esquema RIP e início de corticoide sistêmico, sem sequelas.


    TUBERCULOSE VERTEBRAL

    A tuberculose vertebral é uma das doenças mais antigas da humanidade, sendo descrita em múmias do ano 3400 AC. A doença também é conhecida por Mal de Pott, pois foi descrita por Sir Percival Pott, em 1779.

    A tuberculose vertebral é uma forma destrutiva da doença, responsável por cerca de 50% dos casos de tuberculose musculoesquelética. Pode ocorrer em qualquer idade, incluindo o período neonatal, como manifestação de tuberculose congênita1. Tuberculose pulmonar concomitante é frequente em pacientes com tuberculose espinhal. Cinquenta( 50%) a 60% dos pacientes com tuberculose óssea e 67% dos paciente com Tuberculose pulmonar concomitante é frequente em tuberculose espinhal; 50% a 60% dos casos de tuberculose óssea e 67% dos pacientes com tuberculose vertebral têm tuberculose pulmonar associada ou história pessoal de tuberculose2.

    A sua real incidência e prevalência é desconhecida, mas é indiscutivelmente maior em países no qual a tuberculose é endêmica, como o Brasil. Aproximadamente 10% dos pacientes com tuberculose extrapulmonar têm envolvimento ósseo, sendo a coluna vertebral o sítio mais acometido (50% dos casos), seguida do quadril e joelhos.

    O envolvimento vertebral resulta da disseminação hematogênica do Mycobacterium tuberculosis. A infecção primária é geralmente pulmonar ou, excepcionalmente, genitourinária. Caracteristicamente ocorre destruição do disco intervertebral e de suas adjacências, colapso de seus elementos e escorregamento anterior das vértebras levando à giba. Os sítios preferenciais de acometimento são a coluna torácica baixa e lombar.

    A paraplegia é a complicação mais temida da tuberculose vertebral e também pode ser nomeada paraplegia de Pott e classificada em dois grupos:

    recente: presente no estágio ativo da doença, causada por debris, pus, tecido de granulação decorrentes de destruição óssea, com bom prognóstico.

  • tardia: é uma complicação neurológica e desenvolve- se em período variável (até 20 a 30 anos após infecção) e está associada à deformidade espinhal.


  • As características clínicas da tuberculose espinhal são: dor local, espasmo muscular, abscesso, giba e deformidade espinhal. O abscesso frio desenvolve-se lentamente enquanto a infecção estende-se aos tecidos adjacentes, sendo caracterizado pela ausência de dor e outros sinais inflamatórios1,2.

    A evolução da doença é lenta e insidiosa. Sua duração varia de meses a anos (média de 4 a 11 meses). Os pacientes geralmente procuram atendimento médico quando os sintomas são graves.

    O sintoma mais comum é dor na coluna, normalmente no local acometido. A dor piora com movimentação, tosse e levantamento de peso. Déficit neurológico é mais comum quando há envolvimento torácico ou cervical. Formação de abscesso frio no entorno da lesão vertebral é uma apresentação comum e pode atingir grandes proporções, incluindo a região retrofaríngea (acometimento cervical), mediastino, traqueia, esôfago e pleura (acometimento torácico)2.

    Deformidade espinhal é uma característica marcante da doença e depende da região acometida. A gravidade dos sintomas depende da quantidade de vértebras acometidas.

    O diagnóstico precoce é necessário para prevenir sequelas neurológicas permanentes e minimizar deformidades na coluna vertebral. Depende da presença de características clínicas e imagens radiológicas. A confirmação etiológica requer a demonstração de BAAR em biópsia ou cultura de material. Rastreio de toda coluna deve ser realizado para afastar lesões não contíguas.

    No diagnóstico diferencial da espondilite tuberculosa incluem-se as osteomielites piogênicas, sendo o principal agente etiológico o Staphylococcus aureus, seguido das Enterobacteriaceae3,4.

    As características radiológicas são: rarefação do platô vertebral, redução do espaço discal, destruição óssea. Muitas vezes, ocorre o acometimento de múltiplas vértebras. A imagem de vértebra em fuso é muito sugestiva.

    A tomografia computadorizada demonstra alterações mais precocemente que a radiografia simples. O padrão de destruição óssea pode ser fragmentar (47%), osteolítico (34%), localizado e esclerótico (10%) ou subperiosteal (30%). Outros achados são: envolvimento de partes moles e abscesso paraespinhal1,2.

    A ressonância magnética é mais sensível que a radiografia simples e mais específica que a TC em relação ao diagnóstico e proporciona rapidez na determinação de envolvimento neurológico. Prontamente demonstra envolvimento do disco vertebral, destruição do mesmo, abscesso, colapso vertebral, deformidades, edema, presença de lesões não contíguas3,5.

    Na cintilografia óssea não existe imagem patognomônica de tuberculose vertebral, no entanto, é útil na diferenciação de lesões metastáticas.

    A confirmação etiológica se dá por meio de demonstração de BAAR ou evidência histológica em material de biópsia. No Brasil e especialmente na infância, o diagnóstico de tuberculose pode se dar por critérios epidemiológicos, clínicos e radiológicos2,8.

    O tratamento da tuberculose vertebral deve ser realizado com esquema básico 2RHZ/4RH para menores de 10 anos e 2RHZE/4RH para maiores de 10 anos, por 6 meses5-8.

    Estudos de meta-análise não encontraram evidência que a utilização rotineira de tratamento cirúrgico e medicamentoso modifique o prognóstico do paciente com tuberculose vertebral. No entanto, em algumas circunstâncias a cirurgia parece ser benéfica e pode ser indicada. Os benefícios da cirurgia são: redução da cifose, alívio rápido da compressão nervosa e da dor, retorno precoce das atividades, menor índice de fusão óssea, menor perda óssea, recidivas menos frequentes.

    Dois tipos de cirurgias podem ser realizadas: debridamento do tecido infectado associado ou não à estabilização da coluna vertebral.

    O prognóstico geralmente é bom em pacientes sem deformidades ou déficit neurológico. Diversos estudos demonstram que 82-95% dos casos respondem à terapia medicamentosa isolada.

    Perguntas:

    1. O primeiro sinal radiográfico na tuberculose vertebral é:

    a) Lesão lítica da região posterior do corpo vertebral.
    b) Fusão dos corpos vertebrais.
    c) Diminuição do espaço discal.
    d) Lesão da região anterior do corpo vertebral.
    e) Formação de abscesso perivertebral.


    2. A osteomielite piogênica é um diagnóstico diferencial da espondilite tuberculosa. O principal agente etiológico é:

    a) Brucella melitensis.
    b) Staphylococcus aureus.
    c) Pseudomonas aeruginosa.
    d) Salmonella enteritidis.
    e) Staphylococcus epidermidis.


    3. No que concerne à tuberculose vertebral, qual das afirmativas é correta?

    a) A tuberculose de coluna vertebral pode se manifestar em qualquer faixa etária, incluindo o período neonatal.
    b) A maioria dos casos necessita de tratamento cirúrgico, além do tratamento quimioterápico.
    c) Na espondilite tuberculosa não ocorre formação de abscessos paravertebrais.
    d) A região mais frequentemente atingida é a região sacra.
    e) Não ocorre na região cervical.


    4. Segundo o Manual de Recomendações para Controle de Tratamento da Tuberculose no Brasil, no tratamento da tuberculose óssea recomenda-se:

    a) o esquema RIPE (rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol) para pacientes com idade inferior a 10 anos.
    b) o tempo de tratamento de 9 meses (2 meses de ataque e 7 meses de manutenção).
    c) o esquema RIP (rifampicina, isoniazida, pirazinamida) para os pacientes maiores de 10 anos.
    d) o uso de corticosteroides durante dois meses, com retirada progressiva.
    e) o tempo de tratamento de 6 meses.



    REFERÊNCIAS

    1. Kumar A, Ghosh SB, Varshney MK, Trikha V, Khan SA. Congenital spinal tuberculosis associated with asymptomatic endometrial tuberculosis: A rare case report. Joint Bone Spine. 2008;75(3):353-5.

    2. Fuentes Ferrer M, Gutiérrez Torres L, Ayala Ramírez O, Rumayor Zarzuelo M, del Prado González N. Tuberculosis of the spine. A systematic review of case series. Int Orthop. 2012;36(2):221-31.

    3. Moon MS, Kim SS, Lee BJ, Moon JL, Moon YW. Surgical management of severe rigid tuberculous kyphosis of dorsolumbar spine. Int Orthop. 2011;35(1):75-81.

    4. Guerado E, Cerván AM. Surgical treatment of spondylodiscitis. An update. Int Orthop. 2012;36(2):413-20.

    5. Nijs RN. Spinal tuberculosis. Lancet. 2011;378(9807):e18.

    6. Merino P, Candel FJ, Gestoso I, Baos E, Picazo J. Microbiological diagnosis of spinal tuberculosis. In Orthop. 2012;36(2):233-8.

    7. De Santo J, Ross JS. Spine infection/inflammation. Radiol Clin North Am. 2011;49(1):105-27.

    8. Conde MB, Melo FAF, Marques AMC, Cardoso NC, Pinheiro, VGF, Dalcin PTR, et al. III Diretrizes para Tuberculose da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. J Bras Pneumol. 2009;35(10):1018-48.










    1. Residentes de Pediatria do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPMG - UFRJ).
    2. Médica do IPPMG-UFRJ. Chefe de Enfermaria.