ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2021 - Volume 11 - Número 1

O uso da associação de broncodilatadores no manejo das crises de asma moderadas/graves na emergência pediátrica de um hospital de referência do Distrito Federal

The use of the association of bronchodilators in the management of moderate/severe asthma attacks in the pediatric emergency of a reference hospital in the Federal District

RESUMO

INTRODUÇÃO: O tratamento instituído no atendimento à criança com crise de asma/sibilância pode influenciar o desfecho clínico e deve levar em consideração a gravidade do quadro. Em crises moderadas a graves, frequentemente ocorre broncoconstrição residual refratária a altas doses de beta-2-agonistas, sendo indicada a associação de broncodilatadores.
OBJETIVOS: Analisar desfecho clínico obtido com uso da associação de broncodilatadores no manejo das crises moderadas a graves na emergência pediátrica no que diz respeito a necessidade de hospitalização, tempo de oxigenoterapia, tempo de internação e transferência para UTI.
MÉTODOS: Estudo retrospectivo, observacional, descritivo, por meio de revisão de prontuários de pacientes com crises moderadas a graves na emergência pediátrica do Hospital Materno Infantil de Brasília, no período de março de 2017 a agosto de 2017. Comparou-se os que fizeram uso de monoterapia broncodilatadora com beta-2-agonistas com aqueles que receberam a associação de broncodilatadores, brometo de ipratrópio e beta-2-agonista, por meio do teste de independência qui-quadrado.
RESULTADOS: Os 129 pacientes do estudo foram internados. Três pacientes foram transferidos para UTI e um foi a óbito, sem relação estatística com a terapêutica. Os que fizeram uso da associação de broncodilatadores, em geral, apresentaram tempos menores de internação e oxigenoterapia, porém não houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p=0,55 e 0,21, respectivamente).
CONCLUSÃO: Não foi observada significância estatística entre os grupos terapêuticos e os desfechos clínicos analisados, apesar de ser observado tempos menores de internação e oxigenoterapia no grupo que utilizou a associação de broncodilatadores.

Palavras-chave: Asma, Brometo de Ipratrópio, Medicina de Emergência, Estado Asmático.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Treatment instituted in the care of the child with asthma/wheezing exacerbations may influence clinical outcome and should take the severity of condition into consideration. In moderate/severe exacerbations, residual bronchoconstriction often results in refractory high doses of beta-2-agonists, and the association of bronchodilators is indicated.
OBJECTIVES: To analyze the clinical outcome obtained with the use of the association of bronchodilators in management of moderate to severe asthma/wheezing episodes in the pediatric emergency regarding the need for hospitalization, duration of oxygen supplementation, length of hospital stay and transfer to the ICU.
METHODS: A retrospective cross-sectional observational study was carried out by reviewing the medical records of patients with moderate to severe wheezing/asthma episodes in the pediatric emergency of the Hospital Materno Infantil of Brasília, from March 2017 to August 2017. Patients that used bronchodilator monotherapy with beta-2-agonists were compared with those who received the combination of bronchodilators, ipratropium bromide, and beta-2-agonists, through the chi-square independence test.
RESULTS: All patients selected (129 patients) were hospitalized after initial care. Three patients were transferred to the ICU and one died, with no statistical relation to the therapy. Those who used bronchodilator association generally had a shorter hospital stay and oxygen therapy, but there was no statistically significant difference between the groups (p=0.55 e 0.21, respectively).
CONCLUSIONS: No statistical significance was observed between the therapeutic groups and the clinical outcomes analyzed, although shorter hospital stay and oxygen therapy were observed in the group that used the bronchodilator combination.

Keywords: Asthma, Ipratropium, Pediatric Emergency Medicine, Asthmatic State.


INTRODUÇÃO

A asma é uma doença caracterizada pela inflamação crônica das vias aéreas1. Segundo o Global Initiative For Asthma (GINA), é definida pelo padrão de sintomas como sibilância, dispneia, opressão torácica e tosse que variam em frequência e intensidade, juntamente com limitação do fluxo expiratório1. Também é comumente caracterizada como broncoconstrição reversível das vias aéreas, associada à inflamação e edema destas, com aumento da produção de muco2.

Uma combinação entre fatores como exposição ambiental e predisposição genética parece explicar a etiologia da doença. Genes pró-alérgicos e pró-inflamatórios, predominantemente localizados no cromossomo 5, têm sido associados à asma, porém mais de 100 loci gênicos parecem ter relação com a etiopatogenia dessa comorbidade3.

Trata-se uma doença comum, que afeta de 1 a 18% da população em diferentes países1. Em todo o mundo, nota-se aumento da prevalência de asma, apesar da maior disponibilidade de tratamento e melhora das terapêuticas utilizadas para tratá-la. Estudos em diferentes países mostram que esse aumento chega a 50% por década3. A maior prevalência encontra-se em países de língua inglesa e na América Latina, especialmente na população pediátrica (acima de 20%)4.

A recorrência da doença está intimamente ligada à presença de infecções respiratórias, com destaque para as infecções pelos vírus sincicial respiratório, rinovírus, influenza, adenovírus, parainfluenza e metapneumovírus. Já a exposição a alérgenos em domicilio está fortemente associada à intensidade e persistência da doença. Além disso, o tabagismo passivo e poluentes como ozônio e dióxido de enxofre comprovadamente aumentam a gravidade da asma3,11.

A asma na infância constitui um dos motivos mais comuns de procura aos pronto-atendimentos, hospitalizações e faltas escolares, segundo dados norte-americanos3. Um estudo nacional mostrou que, no Sul do Brasil, 20% das crianças em idade escolar têm asma, boa parte dessas crianças com doença fora do alvo de controle e com altas taxas de inatividade física, faltas na escola e internações hospitalares4.

O impacto dessa doença na saúde pública do nosso país é enorme e a assistência hospitalar é o componente principal dos custos com a asma em nosso meio. No período de 2008 a 2013 foram gastos em torno de 170 milhões de dólares com internações devido à asma no Brasil, valores do DATASUS, que podem estar subestimados4,6. Outro estudo mostrou que o custo por paciente chega a 733 dólares por ano, o que evidencia o grande impacto econômico dessa condição na sociedade4.

No que se refere a exacerbação da asma, também denominada de crise, pode ser classificada de acordo com sua gravidade em leve, moderada e grave, de acordo com scores já bem estabelecidos na literatura2, sendo que o tratamento instituído no primeiro atendimento ao paciente em vigência de crise de asma deve levar a gravidade do quadro em consideração1,7,8. O objetivo primordial do tratamento é o alívio da broncoconstrição, sendo que os broncodilatadores beta-2-agonistas são comprovadamente mais eficazes para atingir esse objetivo1-3,5-6,10.

Contudo, em pacientes com crises moderadas a graves, frequentemente ocorre broncoconstrição residual refratária a altas doses de beta-2-agonistas, sendo indicada a associação de broncodilatadores2,7-10.

O brometo de ipratrópio é um agente anticolinérgico, derivado sintético da atropina, que atua localmente nas vias respiratórias, com diminuta absorção sistêmica (menos de 1%), dessa forma com efeitos adversos limitados. Sua ação, embora mais lenta que a de beta-2-agonistas, é responsável por diminuição do tônus colinérgico na via aérea, redução do edema e da produção de secreção na mucosa, promovendo uma potente ação broncodilatadora2,8.

O uso do brometo de ipratrópio, em associação com beta-2-agonistas, melhora a função pulmonar e diminui o desconforto associado aos sintomas beta-adrenérgicos. Além disso, é uma droga segura e de baixo custo2,8.

Diversos estudos mostram que o uso deste medicamento reduz a hospitalização em pacientes com crises moderadas a graves. Sua principal indicação é no manejo inicial da crise de asma, preferencialmente nas primeiras 3 horas do atendimento, e tem efeitos mais satisfatórios em crises desencadeadas por infecções das vias aéreas superiores2,8.

Até o momento, os estudos não evidenciaram redução no tempo de internação ou prevenção de admissões em unidades de terapia intensiva (UTI)2,8,11.

Este estudo tem como objetivo primário analisar o desfecho clínico obtido com o uso da associação de broncodilatadores no manejo das crises de asma moderadas a graves na emergência pediátrica de um serviço público de referência do Distrito Federal e se essa associação traz benefícios a essa população no que diz respeito à necessidade de hospitalização, tempo de oxigenoterapia, tempo de internação e transferência para UTI. Como objetivo secundário, descrever o perfil epidemiológico e identificar a prevalência do tabagismo passivo na população estudada, bem como se esse fator influencia no desfecho clínico dessa amostra.


MÉTODOS

Trata-se de um estudo retrospectivo, observacional, transversal e descritivo. Foram analisados prontuários de pacientes diagnosticados com crise de sibilância/asma na emergência pediátrica de um serviço de referência do Distrito Federal no período de março de 2017 a agosto de 2017.

A escolha desses prontuários foi feita a partir da descrição do CID-10 no diagnóstico do paciente registrado no sistema TrackCare, sistema de prontuário eletrônico utilizado na Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Foram utilizados os seguintes CIDs: J40 - Bronquite não especificada como aguda ou crônica; J45.9 - Asma não especificada; J21.9 - Bronquite aguda não especificada; J96 - Insuficiência respiratória aguda.

Foram selecionados para o estudo pacientes com critérios de inclusão a seguir: crianças com mais de um ano de idade com diagnóstico de crise de sibilância/asma moderada a grave (de acordo com o score PIS - pulmonary index score)2, com um ou mais episódios prévios de sibilância e que tenham recebido tratamento adequado na admissão no pronto-socorro (corticoterapia associada à terapia broncodilatadora, de acordo com as recomendações do GINA1).

Foram excluídos da análise os que apresentavam os seguintes critérios: crianças com menos de um ano de idade; cardiopatas; encefalopatas, imunossuprimidos; pneumopatas (fibrose cística, displasia broncopulmonar ou bronquiolite obliterante), pacientes com diagnóstico de bronquiolite viral aguda (primeiro episódio de sibilância), pacientes com crise de asma moderada a grave que não tenham recebido terapia broncodilatadora associada à corticoterapia na admissão.

Por meio da análise dos prontuários dos pacientes selecionados para o estudo, foi construído um banco de dados no programa Microsoft Excel Office 365 para Windows® 2017 com descrição de dados epidemiológicos (faixa etária, sexo, procedência, idade do primeiro episódio de sibilância, número de internações prévias por sibilância, acesso a saneamento básico e acompanhamento médico regular), fatores de risco para asma (história familiar, sexo masculino, prematuridade, baixo peso ao nascer, rinite alérgica, eczema, bronquiolite prévia e desmame precoce)1 e exacerbações do quadro clínico (uso elevado de beta-2-agonista de curta duração (SABA), modo de uso de corticoide inalatório [baixa adesão, técnica inalatória incorreta, sem uso ou em uso regular], tabagismo passivo, exposição a alérgenos, alergia alimentar confirmada e eosinofilia)1 e o desfecho clínico de cada paciente (alta, internação hospitalar, tempo de internação, tempo de oxigenoterapia, transferência para unidade de cuidados intensivos e óbito).

A amostra foi dividida em dois grupos, aqueles que receberam como terapia broncodilatadora apenas beta-2-agonista no primeiro atendimento (grupo controle) e aqueles que receberam a associação de broncodilatadores brometo de ipratrópio e beta-2-agonistas no momento do atendimento inicial. Tais grupos foram comparados meio do teste de independência qui-quadrado, identificado pelo símbolo χ2, através do software estatístico R, versão 3.4.3 com auxílio das ferramentas RStudio e Microsoft Office Excel. Considerou-se valor estatisticamente significante se p<0,05.

A pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética e pesquisa da ESCS/FEPECS sob CAAE no 03532918.3.0000.5553 e parecer consubstanciado no 3.125.876.


RESULTADOS

A amostra correspondeu a 538 pacientes atendidos na emergência pediátrica de um serviço de referência do Distrito Federal, no período de março a agosto de 2017. Destes, aplicando-se os critérios de exclusão anteriormente citados, 409 foram excluídos da pesquisa. Assim, 129 pacientes participaram do estudo, atendendo os critérios de inclusão.

Dos pacientes válidos, a maior parte se compõe do sexo masculino (61%) e da faixa etária pré-escolar (41%). Constatou-se que 92% dos pacientes possuíam saneamento básico completo em sua residência. Tratando-se de acompanhamento médico regular (com especialista ou não), 70% não o faziam.

Em relação à idade do primeiro episódio de sibilância, 47% dos pacientes iniciaram o quadro antes de 1 ano de idade, 42% entre 1 e 6 anos incompletos, e 11% com 6 anos ou mais.

Tratando-se do número de internações prévias por asma/sibilância, 56% dos pacientes nunca haviam internado por tal motivo, 17% possuíam uma internação prévia, 8% duas internações, 4,5% três internações e 14,5% já possuíam mais de 3 internações por asma/sibilância.

Na Tabela 1, encontra-se a análise das faixas etárias em relação ao número de internações prévias por sibilância.




Em todas as faixas etárias a predominância é de pacientes com nenhuma internação prévia por sibilância, já nas faixas de 1 a 2 anos e superior a 10 anos, existe uma concentração relevante em pacientes com 1 internação, estatisticamente significativa (p<0.05).

A Tabela 2 mostra, respectivamente, a frequência de fatores de risco para asma e fatores para exacerbações da asma. A coluna de total não somará em todos os casos o tamanho da amostra, dado que cada variável poderia não ter informação no prontuário.




Em relação ao modo de uso do corticoide inalatório na população estudada, 93% não faziam uso da medicação, 4% faziam uso regular e 3% relatavam baixa aderência ao tratamento.

Quanto à classificação da gravidade do quadro de asma/sibilância, 95 pacientes, correspondente a 74% dos casos, apresentaram crise moderada e os 34 restantes, equivalente a 26%, apresentaram crise grave.

Quanto à terapêutica aplicada, em 25 casos foi utilizada a associação entre salbutamol e brometo de ipratrópio (SABA+BI), correspondendo a 19% dos casos. Em 104 (81%), foi utilizada monoterapia broncodilatadora com salbutamol (SABA).

Em relação aos desfechos analisados, todos os pacientes da população estudada foram internados após o atendimento inicial. Destes, 3 pacientes foram transferidos para unidade de terapia intensiva (UTI) e um foi a óbito. Não foi possível estabelecer relação entre a terapêutica utilizada e esses desfechos clínicos.

Tratando-se do tempo de internação, não houve diferença estatística significante após aplicação do teste de independência qui-quadrado (χ2) entre os dois grupos de terapêutica (p=0,55), como demonstrado na Tabela 3. Também foi demonstrada a relação entre os dois grupos terapêuticos e o tempo de oxigenoterapia. Não houve diferença estatisticamente significativa (p=0,21).




A seguir, observa-se a distribuição do tempo de internação e oxigenoterapia dentre as faixas etárias (Tabela 4). As relações encontradas não foram estatisticamente significativas (p=0,39 e 0,91, respectivamente).




Analisando a relação entre a faixa etária e a terapêutica utilizada, notou-se que a medida com que a faixa etária aumentou, também aumentou o uso da terapêutica SABA+BI, gradativamente. Em lactentes, a terapia combinada foi utilizada em 7,3%, nos pré-escolares em 17,6%, nos escolares 29.4% e nos adolescentes foi prescrita em 100% dos casos. Após o teste do qui-quadrado, obteve-se valor de p=0,0003, demonstrando que o uso da terapêutica variou significativamente em relação à faixa etária do paciente.

Por último, observando-se a prevalência de tabagismo passivo na população estudada, correlacionou-se o tempo de internação e oxigenoterapia com essa variável, não havendo diferença estatística significante nos dois casos (p=0,49 e 0,5, respectivamente).


DISCUSSÃO

Encontrou-se maior prevalência do sexo masculino e da faixa etária pré-escolar na população estudada, semelhante aos dados da literatura nacional13. O sexo masculino é predominante também em dados da literatura mundial3, já a faixa etária mais prevalente é a dos escolares e adolescentes14.

Desperta a atenção a baixa prevalência de acompanhamento médico na população estudada e a ausência de uso de medicação de manutenção (corticoide inalatório) em grande parte da amostra, gerando uma reflexão acerca da qualidade de atendimento a esses pacientes. A literatura mostra que a asma não controlada eleva os custos com internações e medicações de uso hospitalar, além de acarretar num prejuízo da qualidade de vida do paciente, responsável por absenteísmo das atividades da vida diária1. A ausência de tratamento implica no aumento do número de crises, na gravidade das mesmas e no aumento da mortalidade decorrente da asma, além de outros aspectos como morbidade decorrente do remodelamento brônquico1,18.

Destaca-se também a alta prevalência de saneamento básico na população estudada, talvez servindo como um reforço na hipótese da higiene postulada em 1989, por Strachan15, que defende a ideia de que a exposição precoce a microrganismos diversos seria um fator protetor a doenças alérgicas, inclusive asma, apesar de ser tema ainda controverso na literatura15,16.

Notou-se uma frequência aumentada de início do quadro de sibilância antes do primeiro ano de vida e entre 1 e 6 anos incompletos, compatível com dados da literatura, que mostram que aproximadamente 80% dos pacientes asmáticos iniciam o quadro antes dos 6 anos de idade3.

Sobre o número de internações prévias por sibilância relatadas pelos pacientes, destaca-se que quase metade deles (44%) já haviam sido internados anteriormente. Na faixa etária de lactentes entre 1 e 2 anos, 24,3% já apresentavam 1 internação prévia, valor estatisticamente significativo (p=0,0007) e 8,1% mais de três, enquadrando-se no conceito da síndrome de lactente sibilante17, cuja maior etiologia é a asma. Em pacientes da faixa etária escolar, 40% já possuíam mais de 3 internações, sugerindo o diagnóstico de asma em tais pacientes.

O tabagismo passivo em nossa população esteve presente em 30% dos casos. Não houve significância estatística em relação aos desfechos clínicos analisados. O fato dessa informação não estar presente em 24 prontuários pode ter alterado a estatística.

Quanto à presença de fatores de risco para desenvolvimento de asma, destaque para o histórico familiar positivo em 58% dos casos, em concordância com a literatura1,3. A frequência do diagnóstico prévio de bronquiolite em 57% dos casos também se destaca, sendo este outro fator de risco para asma persistente na infância1,3,18.

Acerca dos fatores de risco para exacerbação da asma, grande frequência de uso elevado de medicação de resgate, importante fator relacionado a morbimortalidade1, e exposição a alérgenos. Apenas 5% apresentavam alergia alimentar, semelhante aos dados americanos, que referem a alimentação como gatilho para crise em cerca de 2% dos pacientes com diagnóstico de alergia alimentar19.

Sobre o tipo de crise, 74% dos casos corresponderam a crises moderadas e 26% a crises graves. Quanto aos possíveis desfechos, três pacientes foram transferidos para UTI e um foi a óbito. Esse dado não reflete necessariamente a indicação de UTI em tais pacientes, visto que no serviço há um déficit de leitos de terapia intensiva.

Todos os pacientes desse estudo foram internados por um período mínimo de 12 horas, assim, não houve como analisar a relação entre admissões hospitalares e terapêutica utilizada, bem como a redução na frequência de internação com o uso da associação de broncodilatadores, sugerida por alguns estudos2,10,11. Esta limitação foi decorrente da seleção de prontuários no setor de estatística do hospital em questão, que forneceu dados apenas de pacientes que foram internados no setor de emergência pediátrica.

Quanto à terapêutica aplicada, em apenas 19% da amostra foi utilizada a associação entre salbutamol e brometo de ipratrópio (SABA+BI) e nos demais foi utilizada monoterapia com salbutamol (SABA). Notou-se que a medida com que a faixa etária aumentava, também aumentava o uso da terapêutica SABA+BI. Foi observado também que o uso da associação de broncodilatadores aumenta de 7,3% na faixa etária de 1 a 2 anos e chega a 30% de 6 a 10 anos. Todos os casos de pacientes com idade superior a 10 anos usaram SABA+BI.

Analisando o tempo de internação nos diferentes grupos, nota-se que para crises graves, naqueles que fizeram uso da associação de broncodilatadores, 7,1% tiveram alta entre 12 e 24 horas e 0% recebeu alta no grupo da monoterapia. Nota-se também que 73,7% dos pacientes com crise grave que usaram apenas SABA permaneceram internados por mais de 48 horas, contra 64,3% dos que usaram a associação medicamentosa.

Porém, em relação as crises moderadas, essa distribuição se inverteu, sendo que os pacientes que fizeram uso da associação de broncodilatadores permaneceram mais tempo internados. Quando se observa o tempo de internação e sua distribuição dentre as faixas etárias, nota-se que os pacientes com mais de 10 anos receberam em sua totalidade alta com menos de 48 horas e nesses pacientes foi utilizada exclusivamente a terapia combinada.

Não houve relação estatisticamente significativa entre a terapêutica e o tempo de internação nesse estudo (p=0,55), assim como a sua distribuição por faixa etária (p=0,39).

Quanto ao tempo de oxigenoterapia, de forma geral, nos pacientes que utilizaram SABA, predominou-se os tempos de oxigenoterapia superiores a 48 horas, enquanto para os pacientes com SABA+BI foi o tempo de oxigenoterapia entre 24 e 48 horas. Notou-se que nos pacientes com crises moderadas e que utilizaram a terapia combinada o tempo de oxigenoterapia em 77,8% dos casos foi de 24 a 48h, enquanto naqueles que utilizaram apenas salbutamol, 46,8% utilizaram oxigênio por mais de 48 horas. Já naqueles com crises graves, houve uma distribuição mais uniforme do tempo de oxigenoterapia em ambos os grupos terapêuticos. Nesse desfecho analisado também não houve significância estatística (p=0,21).

O uso da associação de SABA+BI é recomendada pela literatura em todas as faixas etárias1,2,7-10 e, nesse estudo, notou-se pouco uso dessa terapêutica nas faixas etárias mais jovens. Acreditamos que esse fato pode ter influenciado nos resultados e fica o questionamento: encontraríamos os mesmos resultados em relação ao tempo de internação e oxigenoterapia nos pacientes mais jovens se tivesse sido utilizada a associação de broncodilatadores em maior frequência? E qual o motivo que levou os profissionais optarem por essa terapêutica em pacientes mais velhos?

O estudo contém limitações por se tratar de um estudo retrospectivo por meio de revisão de prontuários, preenchidos por diferentes profissionais, sem padronização. Com isso, devido ao grande número de informações que não constavam nos prontuários, a estatística do estudo pode não refletir a realidade local. O ideal seria também analisar os pacientes que foram atendidos na emergência e foram liberados após terapêutica inicial, sem necessidade de internação. O grupo que utilizou monoterapia broncodilatadora foi quatro vezes maior que o grupo que utilizou a associação de broncodilatadores, não sendo grupos de comparação homogêneos, outro fator que pode ter alterado a estatística do trabalho.


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1. Hospital Materno Infantil de Brasília, Emergência Pediátrica - Brasília - Distrito Federal - Brasil
2. Hospital Materno Infantil de Brasília, Enfermaria de Pediatria - Brasília - Distrito Federal - Brasil

Endereço para correspondência:
Tatiana Santos Rodrigues
Hospital Materno Infantil de Brasília
Av. L2 Sul SGAS Quadra 608 Módulo A
Asa Sul, DF, Brasil. CEP: 70203-900
E-mail: tatianasrodrigues93@gmail.com

Data de Submissão: 20/03/2019
Data de Aprovação: 15/09/2019