ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2013 - Volume 3 - Número 1

Compreensão da prescrição de medicação líquida por acompanhantes na emergência pediátrica

Caregiver understanding of liquid medication prescription at an emergency health care unit

RESUMO

INTRODUÇÃO: Erros no seguimento da receita médica podem gerar consequências negativas para o paciente. No contexto da prescrição pediátrica esse fator se agrava, dado que o cuidador é o responsável pela compreensão e administração da medicação.
OBJETIVOS: Nosso estudo objetivou descrever a frequência de erros no entendimento da prescrição de medicação líquida por acompanhantes de crianças atendidas em uma emergência pediátrica.
MÉTODOS: Um questionário padronizado foi utilizado para avaliar a compreensão da prescrição de medicação líquida por pais atendidos na emergência pediátrica do IPPMG/UFRJ.
RESULTADOS: A amostra foi composta de 20 acompanhantes de crianças atendidas na emergência pediátrica do IPPMG, com idade média de 28,6 anos, maioria do sexo feminino, nível fundamental de escolaridade e com renda de 2 a 4 salários mínimos. Observou-se que nenhum entrevistado optou pelo uso da colher, 45% dos entrevistados optaram pelo uso de copo medidor e 55% dos acompanhantes optaram pelo uso da seringa, sendo evidenciada maior tendência a erros na administração quando o copo medidor foi utilizado. O contato prévio com serviço de saúde por internação esteve relacionado com menor número de erros de administração.
CONCLUSÃO: O estudo sugere que ainda existe uma grande quantidade de cuidadores que erram a dose líquida prescrita. Tal situação pode ser considerada preocupante e a compreensão clara das falhas existentes pode evitar futuros e custosos erros, reforçando a importância de uma orientação adequada e de uma solução de dúvidas no atendimento médico.

Palavras-chave: compreensão, pediatria, prescrições de medicamentos.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Errors following the prescription can lead to negative consequences for the patient. In the context of pediatric prescribing this factor becomes worse as the caregiver is responsible for the understanding and administration of medication.
OBJECTIVE: Our study aimed to describe the frequency of errors in the understanding of liquid medications prescription by caregivers of children attending a pediatric emergency.
METHODS: A standardized questionnaire was used to assess comprehension of prescription of liquid medications by parents attended at the pediatric emergency IPPMG/UFRJ.
RESULTS: The sample consisted of 20 parents of children treated at the pediatric emergency IPPMG, mean age 28.6 years, mostly female, primary level of education and earning 2-4 minimum wages. It was observed that no interview chose to use of the spoon, 45% of respondents have chosen to use the measuring cup and 55% of the accompanying have chosen to use the syringe, in which a greater tendency to administration errors when the measuring cup was used. Previous contact with the health service per hospitalization was associated with fewer administration errors.
CONCLUSIONS: The study suggests that there is still a lot of caregivers who miss the dose prescribed liquid. This situation can be considered worrisome and clear understanding of the flaws can prevent future errors and costly, reinforcing the importance of adequate guidance and a solution of questions of medical care.

Keywords: comprehension, drug prescriptions, pediatrics.


INTRODUÇÃO

A administração de medicamentos às crianças é um procedimento extremamente frequente, principalmente em seus primeiros anos de vida. A prescrição de remédios, particularmente para crianças, é um ato de grande responsabilidade, devendo ser realizada apenas por médicos, pois implica no conhecimento das indicações e contraindicações para o uso de cada substância.

Estudos recentes mostram que muitos efeitos adversos de medicações podem ser prevenidos e resultam de erros durante sua administração. Dados revelam que cerca de 20% a 50% dos pais erram na dose dos medicamentos líquidos. No entanto, existem poucos estudos que avaliam tal situação.

Erros na medicação são comuns e podem piorar a condição clínica do paciente. A não adesão à terapia medicamentosa é responsável por inúmeras internações, mortes e perda de dias de trabalho e escolares1. Tanto médicos como pacientes consideram essa questão preocupante e a compreensão clara das falhas existentes pode evitar futuros e custosos erros2. As falhas de tratamento podem ser evitadas com alguns cuidados bem simples:

Erro no medicamento: separar dos demais os medicamentos que serão administrados, mantendo-os em suas caixas originais e sempre conferindo os nomes.

Erro na dose: deixar por escrito a dose a ser administrada, para ser conferida antes do procedimento.

Erro no horário: reforçar a necessidade de seguir o horário prescrito rigorosamente, inclusive durante a noite.

Erro na conservação: orientar proteção da luz solar e do calor, mantendo em refrigeração, quando necessário.

Erro na administração: analisar se a pessoa que ficará responsável pelo procedimento terá boa chance de sucesso, pois algumas crianças podem resistir bravamente antes de aceitar o tratamento.

Erro na via de administração: confirmar o local onde o medicamento deverá ser usado (nariz, boca, ouvido), preferencialmente demonstrando a forma certa de usar.

A prescrição é a fonte de informação do paciente para a administração correta de um medicamento. Do ponto de vista pediátrico, a prescrição assume um papel particularmente vulnerável, já que os cuidadores são os responsáveis pela administração de medicamentos. Estudos conduzidos em serviços ambulatoriais nos EUA estimam que 15% das crianças para as quais são prescritas medicações sofrem erro em sua administração2.

As informações contidas na prescrição podem variar de acordo com o médico que as prescreve, bem como a abordagem na explicação de seu conteúdo. Estatísticas norte-americanas mostram que, em pacientes ambulatoriais, a principal causa de efeitos colaterais associados ao uso de drogas está relacionada à incompreensão da prescrição.

O uso de instrumentos não padronizados, como colheres, está associado a erro na administração de medicações e, apesar de não recomendado, ainda é prática comum. Nos EUA, estudos apontam que 20% a 73% dos cuidadores utilizam instrumento não padronizado para a administração de medicamentos líquidos em casa.

Estudos diversos relacionam baixa escolaridade com pior interpretação de prescrições. A realidade social da população atendida nos serviços públicos de saúde do Brasil, país com baixos índices de escolaridade, pode ser um risco ao paciente pediátrico no modelo de prescrição hoje adotado. Portanto, estudar o nível de compreensão destaé uma questão de segurança em saúde3-9.

Objetivos

1. Gerais: descrever a frequência de erros de entendimento da receita médica de acompanhantes de crianças atendidas em um serviço universitário de emergência pediátrica.

2. Específicos:

  • Descrever os dados demográficos da população estudada.
  • Descrever a compreensão da prescrição médica pediátrica de medicações líquidas em mL por acompanhantes de pacientes em serviço de emergência, quanto a:volume,horário,tempo de duração do tratamento.



  • MÉTODOS

    Tipo de estudo:
    foi realizado um estudo transversal, descritivo e observacional.

    Local do estudo: IPPMG-UFRJ, emergência pediátrica.

    Amostra: a amostra foi composta de 20 acompanhantes de pacientes atendidos na emergência do IPPMG-UFRJ.

    Os critérios de inclusão: ser acompanhante e cuidador de paciente pediátrico que receber receita médica de qualquer medicamento líquido prescrito em mL após atendimento na emergência.

    Os critérios de exclusão: medicação prescrita para doença crônica, analfabetismo, responsável que não será o cuidador da criança, responsável estrangeiro, responsável adolescente, portador de doença neurológica, psiquiátrica ou incapacitante e não assinar TCLE.

    Coleta de dados: a coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada e pelo próprio pesquisador, em três fases:

    Fase 1 - O participante foi abordado após o atendimento na emergência. Foram avaliados os critérios de inclusão e exclusão, o estudo foi explicado ao acompanhante e, então, foi oferecido o termo de consentimento livre e esclarecido aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do IPPMG (Anexo I), caso tenha aceitado participar da pesquisa.

    Fase 2 - Foram coletados dados sociodemográficos do participante por meio do preenchimento de um formulário padronizado (Anexo II).

    Fase 3 - Foi solicitado ao acompanhante que demonstre como realizará a administração da medicação líquida, de acordo com a receita médica em mãos. Para tal, estiveram disponíveis ao mesmo: uma seringa dosadora, um copo dosador, uma colher de cafezinho, uma colher de chá, uma colher de sobremesa, uma colher de sopa. Foram observados os seguintes aspectos:

  • Medidor escolhido para a administração da medicação;
  • Quantidade oferecida em mL;
  • Via de administração utilizada;


  • Nesta fase, os participantes também responderam a questões objetivas, exatamente como descritas no questionário anexo (Anexo II).


    RESULTADOS

    A amostra estudada foi composta de 20 pais de crianças atendidas na emergência pediátrica do IPPMG. Dentre os participantes, a idade média foi de 28,6 anos (DP ± 24,75 anos), variando de 18 a 53 anos, mediana 27 anos. A maioria dos entrevistados foi do sexo feminino, com escolaridade entre nível fundamental e médio, mãe de dois filhos, frutos de união estável, com renda mensal de 2 a 4 salários mínimos. O perfil dos pacientes participantes foi de meninos de 2 a 6 anos que frequentam escola ou creche. Desses, 55% já ficaram internados. Os dados sociodemográficos encontram-se resumidos na Tabela 1.




    Quanto à escolha do medidor, observou-se que 55% dos acompanhantes optaram pelo uso da seringa e 45% pelo uso do copo medidor. Nenhum entrevistado escolheu a colher como medidor. Esses dados encontram-se resumidos no Gráfico 1. Em relação à quantidade demonstrada no medidor escolhido, 55% dos acompanhantes demonstraram uma quantidade correspondente à receita médica (Gráfico 2), observando-se uma maior tendência de erros quando o copo medidor foi utilizado como instrumento (67% de erros) em relação à utilização da seringa (27% de erros), como demonstrado no Gráfico 3.


    Gráfico 1. Medidor escolhido para a administração de medicação líquida.


    Gráfico 2. Volume de medicação líquida demonstrado e sua correspondência com a receita médica.


    Gráfico 3. Porcentagem de erros na demonstração do volume de medicação, conforme medidor escolhido.



    Em relação à internação prévia, observou-se maior número de acertos no volume de medicação a ser demonstrado dentre os acompanhantes de pacientes com internação prévia.

    As observações quanto aos horários de administração e o tempo de tratamento foram que os acompanhantes tenderam a descrever suas atitudes exatamente conforme escrito na receita médica, por exemplo, quando se tratava de horário eles referiam que dariam o medicamento de "6 em 6 horas" e que o tratamento duraria "10 dias".


    DISCUSSÃO

    O erro no seguimento da receita médica pode gerar uma variedade de consequências negativas para o paciente: superdosagem, toxicidade, resistência bacteriana, falha do tratamento, piora clínica, entre outras. No contexto da prescrição pediátrica, esse fator se agrava dado que o cuidador é o responsável pela compreensão e correta administração da medicação.

    O nosso estudo observou que ainda existe uma grande porcentagem de cuidadores que erram a dose líquida prescrita.

    O uso de instrumentos dosadores é uma prática comum na pediatria.

    Com o tempo e o desenvolvimento do conhecimento médico, estes foram se aprimorando, o uso de colheres foi substituído pelo de copos dosadores e, posteriormente, pelo uso de seringas dosadoras, aumentando a acurácia das doses. No entanto, isso exige que o cuidador saiba lidar com medidas em mL, o que nem sempre é algo viável. Este estudo não conseguiu observar relação entre escolaridade e compreensão adequada da receita médica, mas isso pode ser explicado pela pequena amostra.

    Muitos cuidadores optaram por utilizar o copo medidor como instrumento de administração de medicação e observamos que o uso deste esteve associado a maior número de erros de compreensão adequada da receita médica. Entretanto, nenhum acompanhante escolheu a colher como medidor, o que sinaliza uma mudança de pensamento ou ação em relação ao que ocorria alguns anos ou décadas atrás.

    Observamos, também, que os cuidadores de pacientes internados, e que, portanto, já tiveram contato com a seringa como instrumento de administração e com a rotina de horários de administração de medicações tenderam a acertar mais a quantidade de medicação prescrita. Isso sugere que existe um papel importante do profissional de saúde na orientação do cuidador quanto à administração de medicações.

    Por fim, nosso estudo observou que quanto à rotina de administração das medicações (horário e duração) o cuidador tende a seguir exatamente o que está escrito na receita médica, o que reforça a importância da participação do profissional de saúde na orientação deste.


    CONCLUSÃO

    Este foi um estudo descritivo, com uma amostra pequena, no entanto, pôde observar alguns pontos importantes no tema.

    Muitos cuidadores ainda utilizam instrumentos medidores de baixa acurácia, sendo a maioria distribuídos junto às medicações.

    A utilização destes está associada a maior número de erros na administração de medicações.

    Apesar do exposto acima, nenhum acompanhante escolheu a colher como medidor, o que sinaliza uma mudança de pensamento ou ação em relação ao que ocorria alguns anos ou décadas atrás.

    Os cuidadores que tiveram contato mais íntimo com o serviço de saúde têm menos chance de errar na administração de medicações ao paciente.

    O que está escrito na receita médica tem papel importante no seguimento de uma rotina de administração de medicamentos.

    Dessa forma, reforça-se, também, a importância de uma orientação adequada e de uma solução de dúvidas no momento final do atendimento médico.

    Esses são resultados preliminares de uma avaliação mais abrangente sobre o assunto e novos estudos devem ser continuados para evitarmos cada vez mais esse tipo de erro.


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    Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira/UFRJ.

    1. Médica pediatra (Residente de Medicina do Adolescente do Hospital Pedro Ernesto/NESA-UERJ).
    2. Doutora em medicina (Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro).

    Endereço para correspondência:
    Bianca Carareto Alves
    Verardino Rua Bruno Lobo, 50
    Cidade Universitária. CEP: 21941-912

    Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RP em 4/3/2012 e aprovado em 23/6/2012.