Editorial - Ano 2013 - Volume 3 - Número 2
Novos tempos e novos ventos para a residência em pediatria
Newtimes times for Pediatric Residence
Após tantos anos de luta, teremos, literalmente, mais tempo. E formação mais qualificada de pediatras com vistas à melhor atenção às crianças e aos adolescentes brasileiros. A exemplo de vários programas de residência médica em pediatria da Europa, da América do Norte e da América Latina, o projeto prevê ênfase na evolução progressiva dos níveis de complexidade no decorrer dos três anos. No Canadá, a residência médica em pediatria foi recentemente ampliada para quatro anos, em função da necessidade de preparar este especialista para o acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento sob a ótica de novos conceitos, como, por exemplo, os da genômica.
A ampliação do tempo de formação do pediatra se deu em função das mudanças que a sociedade vem sofrendo ao longo das últimas décadas. Novos perfis epidemiológicos e conteúdos temáticos em saúde foram surgindo. Estas transformações demandaram ajustes de conteúdos temáticos nos programas de residência em pediatria em todo o mundo, que justificaram adequação de carga horária que permitisse desenvolvê-los, e não poderia ser diferente no Brasil.
Um dos exemplos de ampliação de conteúdo temático foi a inclusão da adolescência no espectro da prática pediátrica, em consonância com o conceito de que o pediatra é o médico especialista em um ser em crescimento e desenvolvimento, do neonato ao adulto jovem. Mas este é apenas um exemplo. Além da ampliação da faixa etária de interesse, outros aspectos da formação do pediatra merecem atenção. Esta não pode mais ser centrada na doença, e a doença deve ser entendida como resultado da resposta de um ser em formação, levando em conta as influências do meio em que este ser vive. Promoção e prevenção em saúde devem ter destaque neste novo contexto de formação.
Esta formação deve, ainda, estar em consonância com as novas demandas, decorrentes dos novos perfis epidemiológicos. O Brasil passa pelo fenômeno denominado transição epidemiológica, em que há tendência em inversão epidemiológica da morbimortalidade por doenças infecciosas para doenças crônicas não transmissíveis. Por exemplo, na década de 1930, mais de 45% dos óbitos em nosso País eram de doenças infecciosas e parasitárias. Na década de 1980, essa participação caiu para em torno de 11%. Nos anos 1930, as doenças do aparelho circulatório representavam aproximadamente 11% dos óbitos no país. Já nos anos 1980, esse percentual subiu para mais de 30%. No caso do diabetes, que aparece hoje como uma epidemia mundial, devido à obesidade e também por influência do aumento da longevidade populacional, observa-se o aumento proporcional dos óbitos, bem como uma tendência de risco de óbito crescente. Quanto às neoplasias malignas, observa-se que tanto a mortalidade proporcional quanto o risco de óbito têm crescido no período da análise nas capitais do País por causa do aumento da longevidade da população e de múltiplos fatores, como a globalização e a mudança nos hábitos de consumo. Sabemos que a gênese destas doenças vem da infância, onde devem ser prevenidas.
Apesar da transformação epidemiológica observada, o Brasil ainda convive com as doenças infecciosas e parasitárias, que significam um grande prejuízo econômico e social, haja vista a epidemia de dengue e de cólera, sem contar com as causas externas. As questões relacionadas à saúde mental também são de alta relevância, e também acometem as crianças. Novas questões no panorama dos cuidados à saúde da criança vêm surgindo, com o advento de novos diagnósticos, como os do campo da genética, e novas terapêuticas, como, por exemplo, para as doenças de depósito. Assim, velhas e novas morbidades acometem a população brasileira, e também os segmentos infantil e adolescente.
A migração da maior parte da população do campo para os grandes centros urbanos trouxe impacto não apenas sobre a melhoria das condições de saúde, mas também sobre o estilo de vida. Nossa população está cada vez mais sedentária e com acesso mais fácil aos alimentos. Na faixa etária pediátrica, aliado à queda da prevalência da desnutrição (em escolares, déficit de altura 28% em 1975 contra 6,7% em 2009), observa-se o aumento da prevalência da obesidade ao longo dos últimos censos (em escolares, excesso de peso 9,6% contra 33,4%; obesidade 2,3% contra 14,2%).
Todas estas antigas e novas morbidades que acometem nossas crianças e adolescentes são desafios para a formação do pediatra, pois os cuidados que demandam vão desde a atenção primária à terciária.
Já era tempo de o Brasil, o único País da América Latina com programa de residência médica em pediatria com duração de dois anos, adequar a formação de seus pediatras à realidade atual. Mas não se trata apenas de tempo de duração. Os "novos ventos" exigem principalmente um sistema de formação que proporcione a aquisição de uma gama de extensa de conhecimentos, habilidades e atitudes que capacitem o pediatra a prestar assistência nas novas competências.
A proposta da SBP para a residência médica em pediatria com duração de três anos foi fruto de um amplo debate aberto, que se deu ao longo dos últimos anos, e prevê assessoria para a reestruturação dos programas.
Agora é arregaçar as mangas e trabalhar.
Professora Adjunta do Departamento de Pediatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; Presidente do Comitê de Endocrinologia Pediátrica da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (SOPERJ); Membro do Comitê de Pediatria Ambulatorial da SOPERJ