ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2011 - Volume 1 - Número 1

Síndrome PRES em dengue hemorrágico; relato de caso em adolescente

PRES Syndrome in hemororagic dengue; a case report in adolescent

RESUMO

Os autores apresentam o caso de adolescente de 11 anos com dengue hemorrágico que desenvolveu a síndrome PRES (Posterior Reversible Encephalopathy Syndrome). O paciente evoluiu com grave comprometimento neurológico (convulsões, amaurose) e hemodinâmico. A tomografia computadorizada de crânio evidenciou imagens hipodensas em região parieto-occipital posterior. Necessitou cuidados de terapia intensiva. A evolução final foi favorável com regressão total do quadro clínico.

Palavras-chave: adolescentes; dengue; sindrome PRES.

ABSTRACT

The authors report a 11 year-old adolescent hemorragic dengue case who developed Posterior Reversible Encephalopathy Syndrome. The patient had severe neurologic (convulsions and amaurosis) and hemodinamic complications. Brain computed tomography showed parietal-occiptal hipodensity. The patient was submitted to intensive therapy and presented good outcome.

Keywords: adolescents; dengue fever; PRES syndorme.


INTRODUÇÃO

A síndrome PRES (Posterior Reversible Encephalopathy Syndrome) (SP) foi descrita pela primeira vez em 1996 por Hinchey et al. Desde então, inúmeras causas vêm sendo a ela relacionadas. Algumas já bem estabelecidas, como a hipertensão arterial, eclâmpsia, pré-eclâmpsia, medicações imunossupressoras e quimioterápicas, hipercalemia grave, hipomagnesemia, síndromes trombocitopênicas, doenças reumatológicas, transplantes, infecção, sepse e choque1.

A SP apresenta múltiplas manifestações clínicas: desde sintomas pouco específicos, como cefaléias e náuseas, até sintomas neurológicos bem definidos, como paresias, hemianopsias, alteração do nível de consciência, convulsões e até mesmo coma. A instalação deste quadro pode ser agudo ou subagudo e se caracteriza por ser uma síndrome neurológica reversível. Em aproximadamente 70% a 80% dos pacientes é observada hipertensão arterial moderada a grave, relacionada à vasoconstricção e redução do volume intravascular. Nos demais casos, os níveis pressóricos são normais ou há hipertensão leve. A fisiopatologia da SP ainda não é bem definida. Existem três principais hipóteses, nenhuma delas conseguindo esclarecer, sozinha, a presença da doença em todos os tipos de pacientes e suas apresentações clínicas.

A primeira, mais aceita e naturalmente intuitiva, seria que níveis da pressão sanguínea elevados, associados a falência no mecanismo de autorregulação, gerariam hiperperfusão cerebral e consequente quebra da barreira hematoencefálica, com aumento da permeabilidade à fluídos e proteínas, resultando no edema vasogênico. A presença de SP em pacientes normotensos e a constatação, evidenciada em estudos com necropsia, que o edema vasogênico é maior em pacientes normotensos do que naqueles com hipertensão arterial moderada e grave, põem em dúvida esta hipótese.

A segunda hipótese seria de vasoespasmo secundário à hipertensão arterial, promovendo hipoperfusão cerebral e consequente isquemia. Esta, associada à injúria endotelial, também promoveria quebra na barreira hematoencefálica e estimularia a angiogênese (pelo aumento da liberação de VEGF – do inglês Vascular Endothelial Growth Factor), com posterior edema citotóxico.

A terceira hipótese é identificada em casos de eclâmpsia e, principalmente, na infecção/sepse, quando a resposta inflamatória sistêmica gera vasoconstricção importante, causada pela liberação de citocinas, levando à ativação endotelial e aumento da aderência leucocitária, do tônus e da permeabilidade vascular, e da coagulação (podendo gerar trombos). A SP relacionada à infecção, cujos principais agentes são os germes gram-positivos, pode evoluir para síndrome da disfunção múltipla dos órgãos, com trombocitopenia, hemólise (aumento de desidrogenase lática), instabilidade cardiovascular e alterações das funções hepática, renal e pulmonar. Nestes casos, a pressão arterial costuma estar normal ou levemente aumentada.1-3

Não foi encontrada, na literatura, associação da SP com dengue, daí o interesse do presente relato de caso.


RELATO DO CASO

N.S, 11 anos, parda, moradora de Bangu, Rio de Janeiro, RJ, estudante, iniciou quadro de cefaléia retro-orbitária, febre não aferida, calafrios, mialgia e artralgia. Após 48 horas, houve piora da febre e do quadro geral, vômitos e dor abdominal, quando procurou atendimento médico. Exames evidenciaram hemoconcentração e plaquetopenia, sugerindo o diagnóstico de dengue hemorrágico. Foi medicada com sintomáticos, hidratada e solicitada a transferência para o IPPMG.

Deu entrada com estado geral comprometido, hipocorada e desidratada (2+/4+), com pulso periférico lentificado e hipotensa. Recebeu duas etapas de expansão com soro fisiológico a 0,9% para recuperação hemodinâmica. Exames laboratoriais iniciais: plaquetopenia (20.000 plaquetas); hematócrito = 40%; hipoalbuminemia (1,3g/dl) e confirmação sorológica de dengue. Após algumas etapas de reposição volêmica, a paciente continuava hipotensa, dispneica, com piora da dor abdominal, sem sangramentos ativos. Surgiu anasarca com derrame pleural volumoso; distúrbio hemodinâmico e acidose metabólica (pH=7,23/HCO3=13,8/pCO2=33/BE=-12,7). Recebeu reposição de albumina e foi encaminhada ao CTI, onde recebeu infusão de dobutamina para estabilidade hemodinâmica e suporte ventilatório com BIPAP (Bi Level Positive Airway Pressure). Evoluiu com grande agitação, mesmo com repetidas tentativas de aumento na sedação em dripping, com tentativas de agressão a equipe. Optou-se pela entubação orotraqueal, devido ao quadro neurológico. Nesse momento, apresentava petéquias, tendo recebido transfusão de concentrado de plaquetas. Houve nova piora hemodinâmica após 24 horas, foi necessária nova etapa de expansão, aumento na infusão de dobutamina e iniciado cefepima, mantido por 10 dias. No dia seguinte, recebeu nova transfusão de concentrado de plaquetas.

Após quatro dias, estava hemodinamicamente estável, em progressivo desmame ventilatório e de sedação. Foi realizada a primeira tentativa de extubação, sem êxito. A paciente relatou amaurose, havia desvio conjugado do olhar para a direita. Foi sedada, entubada e acoplada à ventilação mecânica. Tomografia computadorizada de crânio (TCC) evidenciou imagens hipodensas em região parieto-occipital posterior; levantada a hipótese de SP. Medicada com Neuleptil (Periciazina) com boa resposta ao medicamento, tolerando novamente o desmame de sedação e foi extubada com sucesso após cinco dias. Ressonância nuclear magnética (RM) do crânio evidenciou lesões em estágio de involução, corroborando o diagnóstico de SP. Evoluiu com melhora e nova TCC após cinco dias foi normal. Recebeu alta hospitalar em uso de fenitoína oral.

Durante o acompanhamento ambulatorial, teve nova crise tônico-clônica generalizada. Eletroencefalograma evidenciou atividade de base lenta, sem elementos epileptiformes.

Exame neurológico: eutrófica, atenta, colaborativa, nervos cranianos sem anormalidades, coordenação normal, reflexos normais, força 5/5 em todos os grupamentos examinados, equilíbrio normal, marcha normal, fala fluente e coerente, diadococinesia normal. Mantida prescrição de fenitoína oral 100mg de 12/12 horas. Sem queixas nas consultas de seguimento após três meses.


DISCUSSÃO

O diagnóstico de SP é muito difícil, devido à diversidade de sintomas e pela superposição com inúmeras outras doenças, o exame de imagem torna-se fundamental e deve ser feito o quanto antes, para reduzir a morbi-mortalidade da síndrome, principalmente, o estado de mal epilético e as hemorragias no sistema nervoso central. A TCC e a RM seriadas permitem caracterizar o padrão reversível das lesões, definindo a síndrome, como no presente caso.

A necropsia de pacientes na fase aguda da doença evidencia ativação macrofágica e linfocitária, mesmo na ausência de inflamação, isquemia ou dano neuronal. Já nos casos de doença um pouco mais arrastada, há desmielinização e sinais antigos de hemorragia em substância branca e córtex. Em ambas, ocorre lesão vascular importante com predomínio de acometimento da camada íntima dos vasos.1-2

À RM identificam-se áreas de hiperintensidade no FLAIR, principalmente nas regiões parieto-occipitais, podendo ocorrer ainda nos lobos frontais, temporais e, mais raramente, no cerebelo, tronco e gânglios da base. Áreas focais representando injúria tecidual ou infarto são incomuns (11%-26%) e devem ser associados a outros fatores agravantes. A hemorragia (hematoma focal, hemorragia subaracnóide) pode ser vista em até 15% dos casos. A angiografia também pode ser útil. Revela vasculopatias que variam de vasoconstricção difusa ou focal, vasodilatação ou padrão misto. Nos casos de pacientes normotensos, observa-se vasculopatia reversível em exames seriados.3

O tratamento consiste no monitoramento e controle hemodinâmico, bem como a resolução da causa base, afastando possíveis agentes/fatores agravantes. Após resolução do quadro, estes pacientes devem ser acompanhados, ambulatorialmente, pois há relatos na literatura de síndrome PRES recorrente, em cerca de 3,8% dos pacientes com infecção ou que receberam transplantes.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Bartynski WS. Posterior Reversible Encephalopathy Syndrome, Part 1: Fundamental Imaging and Clinical Features. AJNR. 2008;29(6):1036-42.

2. Bartynski WS. Posterior Reversible Encephalophaty Syndrome, Part 2: Controversies Surrounding Pathophysiology of Vasogenic Edema. AJNR 2008;29(6):1043-9.

3. McKinney AM, Short J, Truwit CL, McKinney ZJ, Kozak OS, SantaCruz KS, et al. Posterior Reversible Encephalophaty Syndrome: Incidence of Atipical Regions of Involvement and Imaging. AJR Am J Roentgenol. 2007;189(4):904-12.










1. Residente de Pediatria do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPMG-UFRJ).
2. Médico neurologista do IPPMG-UFRJ.