ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2013 - Volume 3 - Número 3

Cisto de duplicação intestinal associado com má rotação

Intestinal duplication cyst associated with poor rotation

RESUMO

OBJETIVO: Relatar um caso de cisto de duplicação intestinal com má rotação.
DESCRIÇÃO: Relatamos um caso de cisto de duplicação intestinal em criança do sexo feminino, 2 meses de idade, previamente hígida, com sintomas de vômitos biliosos há 2 dias. A criança foi internada para propedêutica, sendo realizado ultrassonografia, tomografia computadorizada de abdome e pelve, enema opaco, laparotomia exploradora com apendicectomia e ressecção do segmento do intestino delgado com cisto aderente ao mesmo.
DISCUSSÃO: O cisto de duplicação intestinal é uma anomalia benigna congênita rara do trato gastrointestinal que pode surgir em qualquer localização, a maioria estão localizados em esôfago distal e íleo terminal. Mais de 60% das duplicações gastrointestinais são diagnosticados no pré-natal ou nos primeiros 2 anos de vida. Existem relatos que duplicações do intestino ocorrem aproximadamente em 1 de cada 5000 nascidos vivos, não há relação familiar ou racial. O diagnóstico diferencial deve ser feito com constipação psicogênica e megacólon congênito, volvo intestinal, nos casos de sangramento intestinal, deve-se pesquisar pólipos ou divertículo com mucosa gástrica. Quanto ao tratamento, é sempre cirúrgico.

Palavras-chave: anormalidades congênitas,cistos,obstrução intestinal.

ABSTRACT

OBJECTIVE:To report a case of intestinal duplication cyst with poor rotation.
DESCRIPTION: A case of intestinal duplication cyst in female child, two months old, previously healthy, presented with symptoms of bilious vomiting. The child was admitted for workup, being carried ultrasound, computed tomography of the abdomen and pelvis, colon, appendectomy and laparotomy with resection of the small bowel cyst adherent to the same.
DISCUSSION: The intestinal duplication cyst is a benign rare congenital anomaly of the gastrointestinal tract that may arise in any location, the majority are located in the distal esophagus and terminal ileum. More than 60% of gastrointestinal duplications are diagnosed in the prenatal period or during the first 2 years of life. There are reports that duplication of the intestine occurs in approximately 1 of every 5000 live births, there is no family relationship or racial. The differential diagnosis should be done with psychogenic constipation and congenital megacolon, intestinal volvulus, in cases of intestinal bleeding, polyps should be investigated or diverticulum with gastric mucosa. The treatment is always surgical.

Keywords: congenital abnormalities,cysts,intestinal obstruction.


INTRODUÇÃO

O termo "duplicação" foi introduzido em 1937 por Ladd para englobar um grupo de anomalias congênitas que apresentam, segundo Gross três características: a presença de uma camada bem desenvolvida de tecido muscular liso, um revestimento epitelial que representa alguma porção do trato alimentar, uma ligação íntima com alguma porção do trato alimentar1.

Com esta designação Ladd e Gross procuraram abranger uma série de malformações que eram até então conhecidas por diversos nomes: cisto entérico, íleo duplex, divertículo intestinal gigante1.

São anomalias raras, benignas, congênitas e podem surgir em qualquer localização ao longo do trato gastrointestinal, a maioria estão localizados em esôfago distal e íleo terminal. A confirmação diagnóstica necessita, freqUentemente, de meios de diagnóstico por imagem como ultra-sonografia, tomografia computadorizada, ressonância magnética e laparotomia2. São diagnosticados no pré-natal ou nos primeiros 2 anos de vida3. Quanto ao tratamento, é sempre cirúrgico1.

Relatamos um caso clínico raro de cisto de duplicação intestinal com má rotação em paciente pediátrico com vômitos biliosos, indicando obstrução intestinal alta.


DESCRIÇÃO DO CASO

Lactente PRCO, sexo feminino, 2 meses, branca, natural e residente de Governador Valadares/MG, deu entrada no pronto socorro dia 21/03/2012, com vômitos biliosos há 24 horas. Mãe relata que a criança com 1 mês de vida apresentou 2 episódios de vômitos que melhoraram sem medicação. A criança foi internada para propedêutica. Dieta foi suspensa e passada sonda nasogástrica.

A radiografia de abdome foi pouco específica. A ultrassonografia evidenciou dilatação de segmento de intestino delgado em flanco esquerdo e imagem cística de contorno regular, conteúdo anecóico, paredes finas medindo 7,4 x 5,3 cm em região de hipogástrio de etiologia a esclarecer. A tomografia de abdome e pelve mostrou volumosa imagem cística medindo cerca de 10 x 8 cm em hipocôndrio/pelve esquerda. Foi realizado enema opaco em que o transito retrógado do cólon processou-se livremente até o ceco, observando-se opacificação do íleo terminal, notou-se ainda, cólon totalmente a esquerda da cavidade abdominal, compatível com má rotação intestinal completa (Figuras 1 e 2).


Figura 1. Tomografia de abdome e pelve mostrou volumosa imagem cística.


Figura 2. Enema opaco mostrando cólon todo à esquerda.



Posteriormente, a criança foi submetida a laparotomia exploradora sendo visualizado um cisto de duplicação intestinal com torção parcial que estava causando obstrução de intestino delgado, além disso apresentava uma má rotação do colón à esquerda, logo foi realizado ressecção do segmento de jejuno-íleo (aproximadamente 10 cm) que continha o cisto e anastomose termino terminal em 2 planos, lise de aderências, colocando o colón a esquerda e o delgado a direita da cavidade peritonial, e apendicectomia acidental sem intercorrências.

No 1º dia de pós operatório permaneceu em dieta zero com drenagem de secreção clara pela SNG. No 2ºdia foi introduzida dieta por sonda; no 3º dia de pós operatório peristalse estava presente e apresentava eliminação de flatos, sendo retira SNG e iniciado dieta por via oral. Criança evoluiu bem recebendo alta hospitalar com acompanhamento ambulatorial.

O anatomopatológico confirmou a hipótese de cisto de duplicação intestinal.


DISCUSSÃO

As causas mais comuns de obstrução intestinal alta são: atresia de jejuno ou íleo proximal. Obstruções parciais podem ser causadas por estenose de jejuno, cisto de duplicação intestinal, má rotações e divertículo de Meckel4. No caso acima relatado, nota-se um cisto de duplicação intestinal que levou uma obstrução parcial intestino delgado associado com má rotação intestinal.

Os cistos de duplicação entérica são anomalias congênitas benignas e raras2. A duplicação intestinal foi primeiramente descrita por Calder em 17335, após em 1876 por Suppinger e 1892 por Piccoli. Hackam e colaboradores definiram duplicação intestinal como um grupo de lesões que contém uma parede de músculo liso, mucosa entérica e que são encontradas somente na borda mesentérica do intestino6.

Em geral, o intestino é o local mais comum, sendo ordem de frequência do maior para o menor: íleo (50%), jejuno e finalmente duodeno7. Mais que 60% das duplicações gastrointestinais são diagnosticados pré-natal ou nos primeiros 2 anos de vida3.

Duffy em um estudo retrospectivo, encontrou 67 casos de duplicação intestinal em um período de 22 anos6. Gross, em 10 anos, relatou 63 pacientes portadores dessa alteração6. Além destes autores, outros relataram que duplicações do intestino ocorrem aproximadamente em 1 de cada 5000 nascidos vivos, não há relação familiar ou racial6.

A origem embriológica das duplicações intestinais não é completamente conhecida. A teoria mais aceita é a falha na recanalização do intestino6. Bremer (1949) defendia que as duplicações se dariam através do supercrescimento de um divertículo, o que explicaria as formas esféricas, mas não as tubulares. Em 1907, Lewis e Thyng propuseram uma teoria na qual pequenos botões de células epiteliais formariam protusões ao redor do mesênquima, o que resultaria na formação de cistos ou divertículos. Johnson (1910) tentou explicar a origem embriológica através da secreção de substâncias pelas células epiteliais, com vacuolização posterior e agrupamento em correntes ou fitas que se coalesciam.

Posteriormente, Gray e Sandalakis sumarizaram as teorias mais prováveis:

1. Pequenas duplicações intramurais surgem de um divertículo embriogênico persistente ou por recanalização incompleta;
2. As duplicações tubulares resultariam da formação de um septo que divide o intestino;
3. Estruturas separadas poderiam ser remanescentes de adesões precoces entre o intestino e estruturas mais dorsais;
4. Duplicações císticas antimesentéricas seriam remanescentes dos ductos vitelinos;
5. Cistos entéricos pré-sacrais seriam remanescentes de intestino caudal e embriogênico5.


Já Fuyou e colaboradores propuseram uma classificação morfológica das duplicações: septo-enteral, cisto parietal, tipo tubular para-enteral, tipo cisto para-enteral e cisto solitário6.

Os sinais e sintomas mais comuns dos cistos de duplicação são: vômitos, massa abdominal palpável, dor abdominal, constipação intestinal, sangramento gastrintestinal, intussuscepção e sinais de obstrução intestinal3.

Outras anomalias congênitas podem estar associadas as duplicações e incluem doença cardíaca congênita, má rotação intestinal, divertículo de Meckel, atresia ileal e duplicação vesical. Também podem ser encontradas alterações esqueléticas como hemivértebras, espinha bífida (principalmente de T-4 e T-6), duplicação de coluna vertebral, escoliose congênita, fusão de vértebras e diastematomielia, tendo sido relatado na literatura 1 caso de triplicação, por Allard, em 19495. No caso relatado o cisto de duplicação veio associado a má rotação intestinal.

O diagnóstico diferencial deve ser feito com constipação psicogênica e megacólon congênito, volvo intestinal, nos casos de sangramento intestinal, deve-se pesquisar pólipos ou divertículo com mucosa gástrica5.

Entre os exames complementares, o raio X simples e os exames contrastados são pouco específicos. A ultra-sonografia8 e a tomografia computadorizada são mais específicas para identificação do cisto de duplicaçao5.

Quanto ao tratamento, é sempre cirúrgico1. Segundo Hackam, o tratamento cirúrgico das duplicações intestinais é mandatório em todos os casos, pois evita complicações6. Algumas duplicações podem ser tratadas por cirurgia videolaparoscópicas1. As opções de tratamento variam da simples derivação da duplicação por anastomose lateral com o intestino, passando pelas ressecções isoladas de segmentos duplicados, a operação habitual é a ressecção do segmento intestinal que contém a duplicação seguida de anastomose término-terminal1, podendo finalmente chegar até a abordagens mais radicais como colectomia segmentar ou total em função da vascularização comum entre o intestino e a sua duplicação6. No caso acima foi realizado ressecção do segmento duplicado com anastomose término-terminal.

O pós-operatório depende do tamanho da duplicação e do tipo de cirurgia. Nas ressecções simples com anastomoses primárias, há um baixo índice de complicações descrito na literatura5.

As complicações descritas incluem perfuração, intussuscepção, volvo, obstrução intestinal, compressão extrínseca de estruturas adjacentes, sangramento gastrointestinal e, menos frequentemente, a transformação maligna2.


REFERÊNCIAS

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1. Pediatra - Preceptor da residência medica de pediatria do Hospital Municipal de Governador Valadares
2. Cirurgião infantil - Cirurgião infantil do Hospital Municipal de Governador Valadares
3. Médica - Residente de pediatria do Hospital Municipal de Governador Valadares

Endereço para correspondência:
Ignez Cristina Santos Netto
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