ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2021 - Volume 11 - Número 1

Ptiríase rubra pilar: relato de um caso raro

Pityriasis rubra pilaris: report of a rare case

RESUMO

OBJETIVOS: Relatar o caso de pitiríase rubra pilar (PRP) em um paciente masculino de 2 anos e 10 meses.
MÉTODOS: Foi realizada a revisão do prontuário da paciente e revisão de literatura na base de dados PubMed.
RESULTADOS: Paciente masculino, 2 anos e 10 meses, encaminhado por surgimento há 1 ano de placas anulares eritematodescamativas pruriginosas em membros inferiores com disseminação para tronco, membros superiores e face, associado à descamação em região plantar e distrofia ungueal. Na biópsia, apresentou pele com camada córnea paraceratósica sobre epiderme com hipergranulose e acantose moderada. Foi considerado conclusivo o diagnóstico de pitiríase rubra pilar. Isotretinoína e anti-histamínico via oral foram prescritos, com resposta completa ao tratamento.
CONCLUSÕES: A PRP é uma doença ainda desafiadora, seja na sua patologia, diagnóstico ou tratamento. Estudos randomizados poderiam contribuir para o estabelecimento de um tratamento padronizado para PRP, contribuindo para melhora da qualidade de vida dos pacientes acometidos.

Palavras-chave: Pitiríase Rubra Pilar, Dermatopatias, Criança, Tretinoína.

ABSTRACT

OBJECTIVES: Report the case of pityriasis rubra pilaris (PRP) in a male patient at the age of 2 years and 10 months.
METHODS: A review of the medical record as well as the literature regarding the present conditions, via PubMed database.
RESULTS: Male patient, 2 years and 10 months, referred for the first year of appearance of pruritic erythematodescamative annular plaques in lower limbs with dissemination to the trunk, upper limbs, and face, associated with scaling in the plantar region and nail dystrophy. The biopsy presented stratum corneum parakeratotic with hypergranulosis and moderate acanthosis. The diagnosis of pityriasis rubra pilaris was considered conclusive. Isotretinoin and oral antihistamine were prescribed, having complete improvement.
CONCLUSIONS: PRP remains a challenging disease, be it on its pathogeny, diagnosis or treatment. Randomized studies would aid on establishing a standardized treatment for PRP, improving the quality of life of patients suffering from this disease.

Keywords: Pityriasis Rubra Pilaris, Skin Diseases, Child, Tretinoin.


INTRODUÇÃO

A pitiríase rubra pilar (PRP) é uma doença rara, inicialmente descrita por Claudius Tarral, em 1828, e nomeada por Besnier, em 18891. A PRP é caracterizada por um distúrbio dermatológico de queratinização, com hiperceratose folicular e palmoplantar, além de placas escamosas vermelho-alaranjadas.

Embora sejam descritas formas familiares, a maioria é adquirida2. A incidência de PRP é baixa3 e a doença está presente igualmente entre os sexos, exceto na infância, quando os pacientes masculinos são mais afetados na proporção 3:24.

Griffiths, em 19805, sugeriu uma classificação da PRP em 5 categorias, considerando a idade de início, curso clínico e prognóstico. Recentemente, uma 6ª categoria foi proposta, associada ao HIV6.

Como a etiologia e a patogenia dessa dermatose são desconhecidas, o tratamento adotado até agora é empírico1. A deficiência de vitamina A, associação com doenças imunes e infecciosas, como HIV, e doenças malignas, são mecanismos patogênicos sugeridos7.

No presente relato, apresentamos um caso de PRP em um paciente masculino de 2 anos e 10 meses de idade.


MÉTODOS

Foi realizada a revisão do prontuário da paciente e revisão de literatura na base de dados PubMed.


RESULTADOS

Paciente masculino, 2 anos e 10 meses, nascido de parto normal, encaminhado por outro serviço com diagnóstico prévio de dermatite atópica, foi atendido no ambulatório do serviço de dermatologia. Mãe referia surgimento há 1 ano de placas anulares eritematodescamativas pruriginosas em membros inferiores (Figura 1), com posterior progressão para tronco (Figura 2), membros superiores e face, associado à descamação em região plantar e distrofia ungueal (Figura 3). Na ocasião, o paciente estava em uso de emoliente à base de ureia, porém, era intolerante devido à ardência. Apresentou internação prévia em outro hospital por 15 dias, ao 1 ano de idade, por quadro de pneumonia e bronquiolite. Não havia antecedentes familiares de lesões cutâneas semelhantes e o pai era atópico (rinite). Foram interrogadas as seguintes hipóteses diagnósticas: psoríase, pitiríase rubra pilar, eritroqueratodermia variabilis, dermatite atópica e ictiose. Foi solicitado biópsia de pele e prescrito dexclorfeniramina três vezes ao dia, via oral, e corticóide tópico na planta do pé. Os exames laboratoriais realizados - hemograma, prova de função hepática, função renal, TSH e T4 livre - apresentaram resultados dentro da normalidade. Sorologias para hepatite B, hepatite C, HIV e sífilis foram não reagentes. A biópsia apresentou pele com camada córnea paraceratósica sobre epiderme com hipergranulose e acantose moderada. Não foi observado infiltrado inflamatório na epiderme. Diante dos achados clínicos e histopatológicos foi considerado como diagnóstico conclusivo a hipótese de pitiríase rubra pilar. Isotretinoína 0,5mg/kg/dia e anti-histamínico foram prescritos, via oral, e o paciente foi orientado a manter hidratação, obtendo melhora do quadro apresentado, sem efeitos adversos e com acompanhamento ambulatorial pela equipe de dermatopediatria.


Figura 1. Placas eritematodescamativas confluentes com bordos bem delimitados em membro inferior esquerdo.


Figura 2. Placas eritematodescamativas confluentes com bordos mal delimitados em tronco.


Figura 3. Onicodistrofia e ceratodermia de tom alaranjado em região plantar, associado a fissuras e descamação difusa.



DISCUSSÃO

Pitiríase rubra pilar é uma dermatose inflamatória, a qual atinge qualquer faixa etária, com pico de maior incidência entre 40 e 60 anos e pico menor na primeira década de vida8.

A doença é classificada em 6 subtipos5,6. O tipo I da classificação de Griffiths é considerado o tipo clássico do adulto, e corresponde a 55% dos casos de PRP. A forma atípica do adulto (tipo II), é a variante incomum, estando presente em 5% dos casos totais da doença. Considerado o tipo juvenil clássico, o tipo III corresponde a 10% dos casos e acomete a faixa etária dos 5 aos 10 anos. As características clínicas desse subtipo são semelhantes às do tipo I de PRP, e englobam placas vermelho-alaranjadas com ilhas de pele sã, queratodermia palmo plantar alaranjada, pápulas ceratóticas perifoliculares, e geralmente são esporádicas. O tipo IV, juvenil circunscrito, representa 25% de todos os casos dessa dermatose, sendo caracterizado por áreas nitidamente demarcadas de hiperceratose folicular e eritema de joelhos e cotovelos em criança pré-púbere. De acordo com Griffiths, o tipo V, atípica juvenil, é responsável por 5% dos casos. Sua apresentação clínica cursa com hipercertatose folicular, queratodermia palmo plantar lamelar, alterações esclerodermiformes de mãos e pés e geralmente está associado à história familiar. O tipo IV da doença é associado ao HIV. As lesões de pele na PRP são resultantes da hiperproliferação de queratinócitos na epiderme e da inflamação na derme7.

O diagnóstico da PRP é comumente confundido com outras desordens papuloescamosas e eritrodérmicas, como psoríase. O reconhecimento das 6 formas dessa dermatose é feito especialmente pela clínica, associado à análise anatomopatológica9. Não há marcadores sorológicos da doença9. Além das características dos 6 tipos descritos, em adultos a PRP geralmente tem início na face e em couro cabeludo, enquanto que em jovens se inicia na metade inferior do corpo10.

Ao passo que pela clínica pode ser difícil diferenciar PRP de psoríase, a análise da histologia é o critério essencial para o diagnóstico. Histologicamente, a PRP apresenta epiderme acantótica, espongiose discreta, hipergranulose focal ou confluente e alternância entre ortoceratose e paraceratose orientadas nas direções horizontal e vertical9,11-14. Polimorfonucleares e microabscessos de Munro estão sempre ausentes na PRP e podem estar presentes na psoríase9.

O paciente relatado foi enquadrado no tipo III da PRP, por apresentar placas vermelho-alaranjadas com ilhas de pele sã, queratodermia palmoplantar alaranjada e pápulas ceratóticas perifoliculares. A histologia demonstrou camada córnea paraceratótica sobre epiderme com hipergranulose e acantose moderada, corroborando com a literatura.

Devido ao desconhecimento da etiopatogenia e da raridade da PRP, até hoje não há estudos randomizados, controlados e duplo-cego com as opções terapêuticas9. Alguns autores acreditam na manifestação anormal do metabolismo da vitamina A, já que os pacientes com PRP comumente respondem à terapia com retinóides. Outros relacionam a doença à desregulação imunológica. Uma terceira teoria defende que a PRP juvenil é uma doença mediada por um superantígeno, assim como a psoríase gutata15. Portanto, não há evidências para um tratamento padrão. Na prática, dispõe-se de opções de tratamento tópico, sistêmico ou outras modalidades. Porém, há formas da doença que podem ter remissão espontânea.

O tratamento de primeira-linha adotado é o uso sistêmico de retinóides orais, que permitem a melhora clínica do paciente devido ao seu efeito benéfico sobre distúrbios de queratinização6,11. A isotretinoína 1mg/kg/dia é preferível ao etretinato 0,5mg/kg/dia, devido à liberação mais lenta deste último, aumentando o risco de teratogenicidade9. O metotrexate é considerado terapia de segunda linha, usado quando não houver resposta aos retinóides2,8,9. Emolientes tópicos e queratolíticos são utilizados principalmente em crianças5,9. Outras opções terapêuticas incluem fototerapia, psoraleno associado à terapia de luz ultravioleta A (PUVA), ciclosporina ou medicamentos biológicos9. Para o tratamento sistêmico em crianças, há o uso off-label de acitretina (0,5mg/kg/dia por 3-5 meses) associada com UVB narrow band ou isotretinoína (0,5-1mg/kg/dia). Se o caso for severo e refratário ao tratamento, pode-se usar metotrexate, ciclosporina, azatioprina (em maiores de 10 anos) ou agentes biológicos anti-TNF-α9. O tratamento do caso relatado foi corroborado pela literatura vigente.

Não havendo tratamento ou em caso de falha terapêutica, as complicações dessa doença já descritas vão desde ceratodermia palmoplantar dolorosa e desabilitante, distrofia ungueal e onicoptose até eritrodermia9.


CONCLUSÕES

A PRP é uma doença ainda desafiadora, seja na sua patologia, diagnóstico ou tratamento. Pesquisas para biomarcadores, como mutações genéticas ligadas ao desenvolvimento e progressão da doença, poderiam contribuir para o diagnóstico e prognóstico. Estudos randomizados poderiam contribuir para o estabelecimento de um tratamento padronizado para PRP, contribuindo para melhora da qualidade de vida dos pacientes acometidos.


REFERÊNCIAS

1. Lamar LM, Gaethe G. Pityriasis rubra pilaris. Arch Dermatol. 1964 Abr;89(4):515-22.

2. Franzotti AM, Avelar JCD, Cardoso TA, Pires MC, Vidigal MR. Pityriasis rubra pilar and hypothyroidism. An Bras Dermatol. 2014 Jun;89(3):497-500.

3. Shenefelth PD. Pityriasis rubra pilaris: clinical presentation. Medscape [Internet]. 2020; [citado 2017 Set 29]. Disponível em: http://reference.medscape.com/article/1107742-clinical

4. Sehgal VN, Srivastava G. (Juvenile) Pityriasis rubra pilaris. Int J Dermatol. 2006;45(4):438-46.

5. Griffiths WAD. Pityriasis rubra pilaris. Clin Exp Dermatol. 1980 Mar;5(1):105-12.

6. Miralles ES, Nunez M, Las Heras ME, Perez B, Moreno R, Ledo A. Pityriasis rubra pilaris and human immunodeficiency virus infection. Br J Dermatol. 1995 Dez;133(6):990-3.

7. Paravina M, Ljubenović M, Binić I, Milosavljević M, Stanojević M, Nikolić L. Pityriasis rubra pilaris: a report of two cases and literature review. Serbian J Dermatology Venereol. 2015;7(4):181-94.

8. Guimarães P, Belo J, Branco A, Lobo M, Duque Z, Brito F, et al. Pitiríase rubra pilar: relato de caso com boa resposta à acitretina e revisão da literatura. An Bras Dermatol. 2001 Nov/Dez;76(6):717-21.

9. Klein A, Landthaler M, Karrer S. Pityriasis rubra pilaris. Am J Clin Dermatol. 2010;11(3):157-70.

10. Griffiths WAD. Pityriasis rubra pilaris--an historical approach. 2. Clinical features. Clin Exp Dermatol. 1976 Mar;1(1):37-50.

11. Jacyk WK. Pityriasis rubra pilaris in black South Africans. Clin Exp Dermatol. 1999 Mai;24(3):160-3.

12. López A G, Velasco E, Pozo T, Del Villar A. HIV-associated pityriasis rubra pilares responsive to triple antiretroviral therapy. Br J Dermatol. 1999 Mai;140(5):931-4.

13. Hashimoto K, Fedoronko L. Pityriasis rubra pilaris with acantholysis and lichenoid histology. Am J Dermatopathol. 1999 Out;21(5):491-3.

14. Magro CM, Crowson AN. The clinical and histomorphological features of pityriasis rubra pilaris. A comparative analysis with psoriasis. J Cutan Pathol 1997 Ago;24(7):416-24.

15. Cox V, Lesesky EB, Garcia BD, O’Grady TC. Treatment of juvenile pityriasis rubra pilaris with etanercept. J Am Acad Dermatol. 2008 Nov;59(5 Suppl 1):S113-S4.










1. Universidade Federal do Paraná, Curso de Medicina - Curitiba - Paraná - Brasil
2. Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, Departamento de Dermatologia - Curitiba - Paraná - Brasil

Endereço para correspondência:
Carolina Oldoni
Universidade Federal do Paraná
Rua XV de Novembro, 1299 - Centro
Curitiba, PR, Brasil. CEP: 80060-000
E-mail: carololdoni15@gmail.com

Data de Submissão: 08/03/2019
Data de Aprovação: 11/04/2019