Artigo Original
-
Ano 2021 -
Volume 11 -
Número
1
Anamnese pediátrica: revisão de um tópico consagrado
Pediatric anamnesis: revising a tradicional medical topic
Flavia Nardes; Giuseppe Mário Carmine Pastura
RESUMO
OBJETIVOS: Revisar os principais elementos que constituem a coleta de história nas consultas em pediatria.
MÉTODOS: Revisão não-sistemática da literatura científica, abrangendo 280 bases de dados da área das ciências da saúde vinculadas ao portal do Periódico CAPES.
RESULTADOS: São apresentados os principais pontos encontrados na literatura referentes à periodicidade das consultas e sobre elementos mais importantes da história clínica.
CONCLUSÕES: A despeito da mudança na epidemiologia das condições que afetam a saúde da criança no Brasil, a adequada realização da anamnese pediátrica se mantém como elemento cardinal no cuidado à criança.
Palavras-chave:
Visita a Consultório Médico, Encaminhamento e Consulta, Pediatria, Anamnese.
ABSTRACT
OBJECTIVES: To review the main topics that constitute the medical history in pediatric consultations.
METHODS: Non-systematic review of the scientific literature, covering 280 databases of the area of health sciences linked to the portal of CAPES Journal.
RESULTS: The main points found in the literature regarding the periodicity of the consultations and the most important elements of the clinical history are presented.
CONCLUSIONS: In spite of the change in the epidemiology of the conditions that affect the health of the child in Brazil, the adequate accomplishment of the pediatric anamnesis remains a cardinal element in the child care.
Keywords:
Office Visits, Referral and Consultation, Pediatrics, Anamnesis.
INTRODUÇÃO
O termo anamnese deriva do grego anámnesis, e significa ana = trazer de volta, recordar e mnesis = memória, isto é, resgatar da memória os sinais e sintomas referentes à doença1. Em pediatria, é o momento durante a consulta médica no qual os pais e/ou cuidadores relatam as queixas pertinentes à criança.
A primeira diferença entre a consulta pediátrica e a adulta é que não existe referência subjetiva do sintoma pelo paciente, e todo raciocínio clínico fundamenta-se no depoimento dos pais e/ou cuidadores2. Durante a consulta pediátrica deve se estabelecer uma relação de confiança entre três sujeitos: o médico, o cuidador (ou pais) e a criança. A boa qualidade da anamnese é dependente tanto de condições inerentes ao informante (memória e cooperação) quanto de habilidades médicas, tais como acolhimento, respeito, valorização da fala do cuidador, paciência ao ouvir, linguagem acessível e compreensível, e capacidade de detalhamento da queixa2-4. Estes predicados objetivam fortalecer o vínculo da relação médico-família, melhorando assim, a fidedignidade das informações e a adesão ao tratamento. Do ponto de vista histórico, a relação médico-paciente ou médico-família no contexto da pediatria, surgiu juntamente com a medicina hipocrática, cuja meta era o puro benefício humano, tendo em vista a pessoa e não simplesmente a doença5.
A prática médica atual não exige apenas uma formação técnica, pautada no conhecimento nosológico, interpretação de exames complexos e prescrição de medicamentos especializados. Igualmente fundamental é a formação humanitária, pautada na empatia, comunicação e na compreensão da perspectiva da doença dentro do núcleo familiar e do seu contexto biopsicossocial6. A empatia, compreendida como a capacidade de sentir-se e colocar-se no lugar do outro, é um elemento fundamental para a abordagem humanitária, e tem se tornado um tópico de discussão e treinamento em diversas escolas de medicina do país6,7.
A semiologia pediátrica é também peculiar porque envolve um indivíduo em diferentes fases de crescimento e desenvolvimento. O crescimento é determinado por diversas modificações biológicas que culminam com o aumento da massa corporal, e sua avaliação é determinada por medidas quantitativas antropométricas como peso, estatura, perímetro cefálico, perímetro torácico e perímetro abdominal. O crescimento somático geral apesar de progressivo, não é uniforme, observando-se períodos de maior aceleração: primeiros anos de vida e puberdade. O desenvolvimento refere-se à aquisição de habilidades qualitativas dos domínios neuropsicomotores, cognitivos, afetivo-emocionais e relacionadas ao amadurecimento sexual-reprodutor. De acordo com as particularidades destes processos biológicos, compreendem-se diferentes faixas etárias no campo da pediatria8:
Período pré-natal: embrionário (concepção até 8ª semana) e fetal (segundo e terceiro trimestres gestacionais);
Período pós-natal: neonatal (0-28 dias), lactente (29 dias até 2 anos, exclusive), pré-escolar (2 anos até 7 anos, exclusive) e escolar (7 anos até 10 anos, exclusive);
Adolescência: 10 a 20 anos, exclusive.
A puericultura é a área da pediatria direcionada a assegurar o perfeito desenvolvimento físico e mental da criança, desde o período de gestação até os 5 anos, e por extensão até à puberdade. Essa definição está baseada na pressuposição de que a atenção à criança em todos os seus aspectos biopsicossociais, pode prevenir doenças, auxiliar na expressão genética e resultar em um adulto mais saudável, com melhor qualidade de vida9.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que entre 2000 e 2012, 74% das mortes entre adultos de 30 a 70 anos de idade ocorreram por doenças crônicas não-transmissíveis, dentre elas as de origem cardiovascular (31%), câncer (17%), problemas nutricionais, maternos e perinatais (13%), isto é, condições cuja origem se encontra na infância10. De acordo com a teoria de programação metabólica precoce, os primeiros mil dias de um indivíduo - a contar da data de sua concepção intrauterina -, formam uma janela de grande plasticidade celular, na qual a citogênese, organogênese, respostas endócrino-metabólicas e expressão genética (epigenética) são modificáveis por fatores externos (ambientais e estilo de vida) e influenciam o desenvolvimento de doenças crônicas no futuro. Segundo esta lógica, obesidade materna, ganho de peso excessivo e qualidade da dieta durante a gestação, diabetes mellitus, superalimentação pós-natal, aleitamento materno exclusivo breve, e aporte proteico excessivo nos primeiros meses de vida são fortes determinantes para a adiposidade visceral, resistência insulínica, síndrome metabólica, hipertensão arterial, coronariopatias, acidentes vasculares encefálicos e asma11. A puericultura do século XXI depara-se assim, com um novo cenário social, no qual coexistem novas estruturas familiares, diferentes formas de comunicação e interação social, aceleração do consumismo, imediatismo nas relações, interação com novas tecnologias, modificações alimentares e de estilo de vida, os quais podem comprometer a saúde da criança no presente e no futuro10.
Partindo-se, portanto, da relevância dos cuidados preventivos de saúde, da formação médica humanitária e do papel fundamental da puericultura neste contexto, objetivou-se realizar uma revisão não-sistemática da literatura científica sobre aspectos inerentes à anamnese pediátrica e suas especificidades, levantando-se atualizações neste tema consagrado e propondo-se um modelo atualizado de anamnese pediátrica do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
MÉTODOS
Foi realizada uma revisão não-sistemática da literatura científica, abrangendo 280 bases de dados da área das ciências da saúde vinculadas ao portal do Periódico CAPES. Os principais termos de busca foram “pediatric interview”, “pediatric consultation”, “pediatric anamnesis”, “pediatric semiology”, “puericultura”, “empatia” no campo “título”, sem restrição ao período de tempo. Por se tratar de uma temática de base para formação clínica, livros relacionados à semiologia pediátrica também foram incluídos na pesquisa. Bases de dados institucionais pertencentes ao Ministério da Saúde, Sociedade Brasileira de Pediatria e Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro foram utilizadas para seleção de subtemas pertencentes à grande área da puericultura, tais como: testes de triagem neonatal, acompanhamento puerperal, reanimação neonatal, orientações nutricionais, orientações de higiene oral, prevenção de acidentes, desenvolvimento neuropsicomotor e adolescência.
RESULTADOS
A partir leitura analítica de artigos científicos, livros e documentos científicos institucionais e de conhecimentos tradicionais da prática clínica, propôs-se uma ficha de anamnese pediátrica e de acompanhamento do desenvolvimento neuropsicomotor, cujo detalhamento encontra-se na Figuras 1 e 2, respectivamente.
Figura 1. Modelo de ficha para anamnese pediátrica.
Figura 2. Ficha de desenvolvimento neuropsicomotor 0 a 6 anos (Modificado a partir de Gesell e Amatruda)
13.
DISCUSSÃO
Periodicidade da consulta pediátrica
De acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria, a frequência e regularidade das consultas de puericultura são10: a) lactentes: 1ª semana de vida, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 9 e 12 meses; b) pré-escolares: 15, 18, 24, 30, 36, 42 e 48 meses; c) escolares e adolescentes: anual. O Ministério da Saúde propõe uma periodicidade maior entre as consultas: 1ª semana, 1, 2, 4, 6, 9, 12, 18 e 24 meses; após 2 anos, consultas anuais14.
Período neonatal
A anamnese do neonato inicia-se na história do pré-natal, avaliando-se o número de consultas, se a gestação foi planejada e/ou desejada. Gravidezes planejadas permitem que a mulher interrompa completamente a ingestão de álcool15, drogas e tabagismo16 antes da concepção, bem como inicie uma dieta saudável11 acrescida de ferro e suplementação com ácido fólico periconcepcional para prevenção de defeitos de tubo neural17. São preconizadas também vacinas para a gestante, a saber: vacina contra a hepatite B (3 doses), dupla adulto (3 doses), influenza sazonal anual (em qualquer época da gestação) e dTpa (1 dose a cada gestação a partir da 20ª semana)18. Avaliar os resultados das sorologias para sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus, herpes, HIV e zika, bem como problemas intercorrentes da gestação (diabetes gestacional, síndromes hipertensivas, infecções urinárias, perda de líquido, sangramentos e crescimento intrauterino restrito)19.
Condições associadas à asfixia perinatal e isquemia tais como hemorragias, compressões de cordão umbilical, ruptura uterina, distócia de ombro, bem como necessidade de reanimação neonatal e baixos índices de Apgar devem ser avaliados na história, em função da elevada frequência de consequência sistêmicas: renais (50%), encefalopatia hipóxico-isquêmica (28%), sistema cardiovascular (25%) e pulmões (23%)20.
Os fatores de risco para icterícia neonatal por hiperbilirrubinemia indireta, tais como tipagem sanguínea materna O ou Rh negativo, irmão prévio com icterícia, diabetes mellitus materno, baixo peso ao nascer ou prematuridade, baixo aporte de leite materno na primeira semana de vida associada à perda de peso acentuada (>10%) devem ser verificadas21.
Os testes de triagem neonatal são ferramentas diagnósticas imprescindíveis para detecção precoce de patologias e são regulamentados por lei no país. Dispõe-se atualmente dos testes dispostos na Tabela 122-24:
História nutricional e a saúde oral
O aleitamento materno deve ser mantido idealmente sob a forma exclusiva até 6 meses, e complementado até 2 anos ou mais. Diante da impossibilidade de aleitamento materno, o lactente poderá receber fórmulas infantis de partida (0 até 6 meses) e fórmulas infantis de seguimento (a partir de 6 meses), uma vez que todas disponíveis no Brasil são seguras por seguirem as resoluções da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. O leite de vaca (in natura, integral, em pó ou fluido) não é considerado apropriado para menores de um ano em função de suas características bioquímicas: baixos teores de ácidos graxos essenciais, alto teor proteico, altas taxas de sódio, baixos níveis de vitaminas C, D e E, e baixa biodisponibilidade de ferro e zinco25. Entretanto, o Ministério da Saúde contempla a utilização do leite de vaca modificado para crianças abaixo de 1 ano que não podem receber leite materno ou fórmulas modificadas. Neste caso, o leite de vaca deve ser diluído até 4 meses, e após esta idade, oferecido na forma integral. As crianças que estiverem neste regime de alimentação láctea, poderão iniciar a alimentação complementar a partir de 4 meses, para evitar carências nutricionais26.
A alimentação complementar deve ser iniciada a partir de 6 meses para lactentes em aleitamento materno ou uso de fórmulas infantis. Não é recomendado o acréscimo de sal à papa principal dos lactentes ou açúcar/leite à papa de frutas até 12 meses. Os alimentos industrializados (processados e ultraprocessados) em conserva, sorvetes, refrigerantes, pós para sucos, biscoitos doces e salgados, achocolatados, mistura para bolo, pizzas, extratos de carne (ex: nuggets, salsichas, empanados e hambúrgueres), maioneses, balas e guloseimas devem ser abolidos nos primeiros anos de vida. Não se deve acrescentar mel à dieta do lactente de até 12 meses, pela possibilidade de esporos de Clostridium botulinum capazes de produzir toxina na luz intestinal provocando o botulismo. A partir do 6º mês deve-se oferecer frutas sob a forma de papas ou raspas e uma papa principal de misturas múltiplas (cereal + tubérculo, leguminosas, carne/ovo, e legumes + verduras). Entre o 7º e 8º mês, acrescenta-se a segunda papa principal de misturas múltiplas. Entre o 9º e 11º transiciona-se a consistência dos alimentos para próximo da refeição da família. São necessárias de 8 a 15 exposições a um mesmo alimento para avaliar a sua aceitação e palatabilidade pela criança25.
A vitamina D é recomendada na dose de 400UI/dia (0-12 meses) e 600UI/dia (1-3 anos) mesmo que os lactentes estejam em aleitamento materno ou uso de fórmula infantil. O ferro, elemento fundamental para o metabolismo eritrocitário e inteligência, deve ser suplementado na dose de 1mg de ferro elementar/kg de peso/dia de 3 meses até 24 meses para lactentes que foram a termo e estiverem em aleitamento exclusivo ou não, ou em uso de fórmula infantil de partida com menos de 500ml/dia. Os lactentes que tiverem nascido com menos de 2.500g, deverão receber 2mg de ferro elementar/kg de peso/dia de 1 mês até 12 meses, e após este prazo 1mg/kg/dia até 2 anos. Aqueles que tiverem nascido com menos de 1.500g, deverão receber 3mg de ferro elementar/kg de peso/dia de 1 mês até 12 meses, e após este prazo 1mg/kg/dia até 2 anos. Aqueles que tiverem nascido com menos de 1.000g deverão receber 3mg de ferro elementar/kg de peso/dia de 1 mês até 12 meses, e após este prazo 1mg/kg/dia até 2 anos25. O Ministério da Saúde, através do Programa de Suplementação de Vitamina A, recomenda que crianças de 6 a 11 meses recebam 100.000UI vitamina A por via oral uma dose e que crianças de 12 a 59 meses recebam 200.000UI a cada 6 meses em municípios prioritários em todo o país, pois considera-se que nestas regiões a vitamina não consiga ser ingerida de forma suficiente através da alimentação27.
O aleitamento materno é a estratégia mais adequada para o desenvolvimento das funções estomatognáticas, mas se houver contraindicação ou impossibilidade materno-infantil, o uso de mamadeiras é permitido. As mães devem ser orientadas a não aumentarem o furo do bico, pois é justamente o esforço de sucção que ajuda o desenvolvimento dos músculos orofaciais. Antes da erupção dos dentes decíduos, a gengiva e língua do bebê podem ser limpos com gaze ou pano com água. Após a erupção dos primeiros dentes pode-se utilizar uma escova com cerdas pequenas e muito macias, com creme dental apropriado para a idade em quantidade mínima (0,01g = 1 grão de arroz), e regularmente (pela manhã, à noite e depois das refeições). Dentes decíduos e dentes permanentes28.
História escolar, esportes, lazer e a higiene do sono
A aprendizagem é um processo complexo e do qual participam diversas funções corticais de modo interdependente e integrado. Habilidades sensoriais (visão, audição, paladar, olfato, tato e propriocepção), de linguagem (recepção e expressão), sociais, afetivo-emocionais e cognitivas (atenção, memória e raciocínio abstrato) concorrem sinergicamente para que um novo conhecimento seja incorporado e possa contribuir para a resolução de um determinado problema do dia-a-dia. Portanto, cabe ao pediatra a identificação de fatores de risco para o baixo rendimento acadêmico, tais como: 1) doenças orgânicas: anemia ferropriva e carências vitamínicas, hipotireoidismo, déficit sensorial (visual e auditivo), apneia do sono e doenças crônicas; 2) doenças psiquiátricas: depressão, ansiedade, mutismo seletivo, transtorno do espectro autista, transtorno opositor-desafiador e transtorno de conduta; 3) doenças do neurodesenvolvimento: deficiência intelectual, transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, transtorno de linguagem e transtornos específicos da aprendizagem da leitura, escrita e matemática; 4) problemas relacionados ao ambiente socioeconômico e cultural; 5) inadequações no ambiente escolar e pedagógico29.
Os exercícios físicos na infância e adolescência possuem múltiplos benefícios, como a promoção de saúde e bem-estar, redução da gordura corporal, aumento da autoestima, responsabilidade individual e de grupo, e diminuição do estresse e ansiedade. Atualmente, preconiza-se de 20 a 30 minutos de atividade física por dia. De 2 a 5 anos, as atividades devem estar ligadas à descontração e à liberdade, pois nesta fase a criança ainda está desenvolvendo a coordenação/equilíbrio, orientação no tempo e espaço, socialização e ritmo. De 6 a 12 anos, as atividades podem ser mais organizadas, com regras pré-definidas (ex.: natação, futebol, artes marciais, ginástica), pois a atenção e as habilidades motoras (força, resistência, velocidade, flexibilidade, coordenação) melhoram bastante. A partir da adolescência o interesse por esportes coletivos e de competição aumenta, sendo permitido maior trabalho aeróbico e de força30.
Recomenda-se que todas as crianças e adolescentes adotem fotoproteção solar devido aos riscos cutâneos (câncer de pele, fotoenvelhecimento e nevos melanocíticos) e oculares (fotoceratite) da exposição ao sol. A proteção pode ser obtida a partir de medidas comportamentais e do uso de filtros solares com FPS acima de 30. As medidas comportamentais são: horário de “sol amigo” (antes das 10h e depois das 16h), uso de roupas, bonés/chapéus e óculos e preferência por locais à sombra. Os filtros solares físicos (inorgânicos), à base de dióxido de titânio e óxido de zinco, são usados preferencialmente entre 6 e 24 meses, com função protetora imediata contra raios UVA e UVB. Os filtros solares químicos (orgânicos) podem ser usados a partir de 2 anos, e requerem 20 minutos após a aplicação para uma proteção eficaz contra raios UVB e UVA. Lactentes abaixo de 6 meses devem evitar a exposição solar direta, e quando necessário utilizar sombrinhas, bonés, guarda-sóis e roupas de proteção31.
A fim de minimizar transtornos associados ao sono, os pais e cuidadores devem seguir recomendações para uma boa higiene do sono, tais como: evitar cochilos ao final da tarde; colocar a criança para dormir sempre em sua cama, quando ainda estiver acordada; o ambiente deve ser tranquilo, com temperatura adequada e sem barulhos ou estímulos visuais; colocar a criança para dormir sempre no mesmo horário; criar rotina próxima ao horário de sono, como ceia leve (ex.: leite, biscoito, bolo simples e queijo branco), banho, higiene oral, colocação de roupa confortável e leitura de livros; evitar bebidas estimulantes (chocolate, cafeinados, refrigerantes e chá mate); evitar esportes 3 horas antes do horário de dormir; quando a criança acordar à noite, ir até o quarto dela, falar em voz baixa e com luz fraca, acalmando-a, mas avisando-a de que retornará ao quarto assim que ela adormecer32.
A tecnologia digital também deve ser um tópico de abordagem durante a consulta pediátrica, especialmente relacionada aos malefícios à saúde infantojuvenil e ao seu uso criterioso. A utilização precoce e por tempo prolongado de jogos on-line, mídias sociais, filmes, vídeos e diversos aplicativos está associada a problemas de socialização, atraso de linguagem, dificuldades escolares, aumento da ansiedade, exposição à violência, cyberbullying, transtornos de sono, alimentação, problemas auditivos por uso de headphones, problemas visuais, problemas posturais, lesões por esforço repetitivo, facilitação da violência sexual, compra e uso de drogas e “brincadeiras e desafios” que podem culminar com o coma e a morte. Sendo assim, algumas ponderações devem ser feitas junto às famílias e escolas: evitar filmes e vídeos inadequados, principalmente na hora das refeições e 2 horas antes de dormir em menores de 2 anos; limitar o uso de telas digitais a no máximo 1 hora/dia para crianças entre 2 e 5 anos; evitar televisores e computadores no quarto de crianças menores de 10 anos; estabelecer limites de tempo para utilização da tecnologia digital, proporcional à idade e desenvolvimento da criança e, preferencialmente, com a mediação dos pais para explicação do conteúdo e das imagens; monitorar sites, programas, aplicativos, filmes e vídeos que as crianças e adolescentes estão acessando, explicando sobre os riscos, uso individual e intransferível das senhas, riscos de carregar fotos e filmes pessoais. Dialogar sempre com as famílias, enfatizando que o comportamento dos pais é o modelo de maior impacto na educação, e que as rotinas e a cultura do lar se perpetuam no futuro33.
História de violência e acidentes contra a criança e o adolescente
As causas externas (acidentes e todos os tipos de violência) constituem um grupo importante de morbidade e mortalidade na infância e adolescência. Define-se por “acidente” qualquer evento não-intencional, evitável, causador de lesão física e/ou emocional no âmbito doméstico, trabalho, trânsito ou lazer, e por “violência” qualquer evento intencional provocado por indivíduos, grupos ou nações que causa dano físico, moral, emocional ou espiritual a si próprio ou a outrem. De acordo com o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, em 2015, metade de todos os óbitos entre crianças e adolescentes ocorreu em menores de 1 ano e quase 30% ocorreu entre adolescentes de 14 a 19 anos. Em relação às causas de óbito, à exceção do grupo de menores de um ano, em todas as demais faixas etárias existe um predomínio das causas externas, com destaque para os acidentes de transporte relacionados a 60% das mortes em menores de 9 anos e a 50% das mortes entre 10 e 19 anos. Existem diversos indicadores pré-natais e perinatais de risco para ocorrência de violência contra a criança, tais como: gravidez não planejada, não desejada, abandono paterno, tentativa de aborto, conflitos familiares, abuso de substâncias lícitas e ilícitas, histórico de doença mental, sinais de apatia ou tristeza materna, evitar segurar e acariciar o bebê, indiferença ou recusa do aleitamento. Identificar estes comportamentos de risco é uma importante estratégia para prevenção dos maus-tratos na infância34.
A prevenção de acidentes, especialmente aqueles que ocorrem em domicílio e no trânsito, também pertence ao escopo de atuação do pediatra. A proteção passiva, conjunto de medidas que visam eliminar os riscos dentro de casa e áreas externas, são as mais eficazes e devem ser repassadas com a família, especialmente àquelas relacionadas a ambientes como cozinha, banheiro e escadas.
CONCLUSÃO
Ao longo dos anos, as condições clínicas que afetam a saúde das crianças têm se modificado, com predomínio de questões de natureza crônica. Além disso, causas externas de morbimortalidade e condições relacionadas à vida moderna têm afetado cada vez mais a qualidade de vida das crianças. Neste cenário de transformações, o único elemento que se mantém constante é o cuidado que o pediatra deve ter ao colher a história de seus pacientes visando promover a saúde e proporcionar as melhores condições de desenvolvimento das crianças.
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Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) - UFRJ, Departamento de Pediatria - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro – Brasilja
Endereço para correspondência:
Flavia Nardes
Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG)
R. Bruno Lobo, 50 - Cidade Universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro, RJ, Brasil. CEP: 21941-912
E-mail: flavianardes@me.com
Data de Submissão: 11/03/2019
Data de Aprovação: 02/04/2019