ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2021 - Volume 11 - Número 1

Sedação intranasal para coleta de líquor em pediatria: relato de caso

Intranasal sedation for cerebrospinal fluid collection in pediatrics: case report

RESUMO

A sedação em pediatria tem apresentado uma demanda crescente nas últimas décadas, uma vez que os princípios éticos determinam que o alívio da dor e conforto ao paciente devem ser oferecidos sempre que necessário. A via de administração intranasal surge então como uma forma oportuna para a sedação em procedimentos de pacientes sem acesso venoso. Relatamos um caso de sedação intranasal realizada com sucesso de um paciente em investigação diagnóstica de paralisia de membro inferior esquerdo sem acesso venoso, e que se encontrava ansioso diante da necessidade de procedimentos diagnósticos invasivos. A sedação intranasal, quando realizada sob as devidas precauções de segurança, representa uma via não parenteral de administração de fármacos sedativos fora do centro cirúrgico para realização de procedimentos de curta duração em pacientes pediátricos.

Palavras-chave: Sedação Moderada, Pediatria, Administração Intranasal.

ABSTRACT

Sedation in pediatrics has grown in recent decades, as ethical principles point out that pain relief and patient comfort should be offered whenever necessary. Intranasal administration thus appears as a timely non-parenteral route of sedation in procedures for patients without venous access. We report a case of intranasal sedation successfully performed in a patient under diagnostic investigation of limb paralysis, who had no venous access and was anxious about the need for invasive diagnostic procedures. Intranasal sedation represents a route of administration of sedative drugs outside the operating room to perform minor procedures in pediatric patients when provided with appropriate safety precautions.

Keywords: Conscious Sedation, Pediatrics, Administration, Intranasal.


INTRODUÇÃO

Um aumento crescente do número de sedação e analgesia para realização de curtos procedimentos dolorosos em pediatria tem ocorrido nas duas últimas décadas. Tal fato é advindo do desenvolvimento de novos fármacos, bem como pelo papel emergente do pediatra atuando nas mais diversas subespecialidades1. Um estudo realizado no departamento de emergência do Hospital de Addenbrooke da Universidade de Cambridge demonstrou que uma sedação é realizada a cada 250 atendimentos neste serviço2, evidenciando um enorme potencial do uso de sedativos na emergência pediátrica.

Os princípios éticos, bem como as melhores evidências disponíveis, determinam que o conforto para o paciente e o alívio da dor devem ser fornecidos nas intervenções diagnósticas e terapêuticas realizadas em crianças de modo a minimizar o stress para pacientes, pais e equipe de saúde1.

O acesso venoso periférico (IV) frequentemente utilizado na administração de sedativos é uma das fontes mais comuns de dor em crianças hospitalizadas e está consistentemente associada ao sofrimento. Como uma possível alternativa aos medicamentos intravenosos, a via intranasal (IN) tornou-se cada vez mais popular devido à facilidade de administração, sofrimento reduzido, isenção de risco de ferimentos e complicações da punção venosa3. Além disso, o rico suprimento vascular da mucosa nasal promove absorção rápida das drogas, evitando o metabolismo de primeira passagem hepática observado na via oral, o que aumenta a biodisponibilidade do fármaco e diminui o tempo de início de ação4.

Nesse sentido, apresentamos um relato de caso de sedação intranasal bem-sucedida em um escolar ansioso e sem acesso venoso, com a finalidade de realizar punção lombar fora do ambiente de centro cirúrgico.


RELATO DE CASO

Um escolar de 10 anos, sexo masculino, foi internado na enfermaria de pediatria do nosso serviço para investigação de um quadro agudo de paralisia em membro inferior esquerdo. O mesmo se apresentava em bom estado geral, contactante, orientado, embora demonstrasse apreensão e ansiedade diante da internação e de potenciais procedimentos necessários na investigação do caso. Foram prescritos apenas sintomáticos por via oral. Devido ao quadro neurológico, foi indicada a punção liquórica, a qual agravou a ansiedade do paciente e de sua mãe. Visando proporcionar conforto e analgesia frente ao quadro apresentado, optou-se por realizar a sedação por via intranasal, utilizando-se atomizador específico (LMA MAD Nasal, Teleflex, Fort Worth, TX, USA - Figura 1).


Figura 1. Atomizador nasal (MAD - mucosal atomizer device) para sedação intranasal (A). Demonstração da atomização de uma fina nuvem de partículas de 30 a 100 micrômetros de tamanho (B).



Após jejum por 6 horas, foi instilado (Figura 2A) inicialmente ketamina na dose de 4mg/kg (solução injetável, concentração de 50.0mg/mL - Ketamin S, Cristalia, São Paulo, Brasil). Após 3 minutos, foi administrado midazolam na dose de 0,2mg/kg (solução injetável, concentração de 3mg/mL - Dormire, Cristalia, São Paulo, Brasil). Houve um efeito sedativo progressivo e em sete minutos o paciente apresentava-se em sedação moderada, sendo iniciado o procedimento. Foi monitorado continuamente por meio de oximetria de pulso. O paciente foi então posicionado em decúbito lateral horizontal com cabeça fletida e joelhos flexionados, sendo realizada antissepsia adequada, e punção entre os espaços intervertebrais L3 e L4 com a coleta de 2ml de líquor límpido e incolor em cada frasco (Figura 2B). O procedimento transcorreu sem intercorrências. A saturação de oxigênio do paciente se manteve acima de 95% em todo o período. Após um período de 42 minutos de observação o paciente já preenchia critérios para alta anestésica e pôde retornar ao seu leito de enfermaria.


Figura 2. Instilação da ketamina intranasal de forma confortável no paciente em decúbito dorsal (A). Punção liquórica lombar com coleta do líquor límpido e incolor (B).



DISCUSSÃO

Este relato de caso destacou a realização de sedação por via intranasal em pediatria, com segurança, conforto e efetividade para procedimento em ambiente hospitalar.

A ansiedade em crianças, inerente ao processo de internação e realização de procedimentos, é um evento comum em pediatria6, possivelmente associado a experiências dolorosas ou traumáticas vivenciadas anteriormente. Tal fato pode gerar comportamentos reativos que dificultam ou impossibilitam a realização das técnicas adequadas nos procedimentos invasivos em pediatria7.

Seguindo esta linha de raciocínio, frente ao caso descrito, optamos pelo uso da ketamina e midazolam, administrados via intranasal, uma vez que o paciente não possuía acesso venoso no momento do procedimento. De forma similar, um estudo prévio propôs a realização de procedimentos associados à dor leve e alto grau de ansiedade (punção lombar, sutura, punção venosa periférica, nasofibroscopia, procedimentos dentários, trocas de gastrostomia e traqueostomia) sob sedação e analgesia com ketamina e midazolam, em conjunto com medidas de conforto e anestesia local8. Bahetwar et al. (2011)4 demonstraram que o uso desta associação por via intranasal na dose de 4mg/kg (ketamina) e 0,2mg/kg (midazolam) apresentou uma taxa de sucesso total de 84,0% na sedação para realização de procedimentos. A administração de tais medicações em sequência (ketamina seguida do midazolam) se justifica pelo fato do efeito analgésico da ketamina ter início de ação em apenas 3 minutos, o que minimiza a dor classicamente associada ao midazolam na via intranasal9. Outras drogas sedativas, como a dexmedetomidina também podem ser utilizadas por esta via10.

A segurança da sedação em pediatria depende da checagem sistemática de vários aspectos fundamentais, destacando-se: avaliação pré-sedação (classificação ASA, avaliação de vias aéreas), jejum apropriado para procedimentos eletivos (líquidos claros/água: 2 horas; leite materno: 4 horas; mamadeiras e refeições leves: 6 horas), amplo conhecimento da farmacologia, farmacocinética e preparo dos medicamentos e de seus antagonistas e material para atendimento adequado nas eventuais intercorrências5.

Em casos de sedação profunda ou depressão respiratória, o uso do flumazenil por via intranasal é preconizado para antagonismo de benzodiazepínicos. É um agente lipofílico com biodisponibilidade de aproximadamente 50%. Um estudo farmacocinético evidenciou que a concentração plasmática adequada do flumazenil foi atingida em 2 minutos após instilação intranasal, com meia-vida de aproximadamente 75 minutos11.

A sedação intranasal, quando realizada sob as devidas precauções de segurança, representa uma via não parenteral de administração de fármacos sedativos fora do centro cirúrgico para realização de procedimentos de curta duração em pacientes pediátricos.


REFERÊNCIAS

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4. Bahetwar SK, Pandey RK, Saksena AK, Chandra G. A comparative evaluation of intranasal midazolam, ketamine and their combination for sedation of young uncooperative pediatric dental patients: a triple blind randomized crossover trial. J Clin Pediatr Dent. 2011;35(4):415-20.

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7. Rosenberg M. Oral ketamine for deep sedation of difficult-to-manage children who are mentally handicapped: case report. Pediatr Dent. 1991 Jul/Ago;13(4):221-3.

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11. Corrigan M, Wilson SS, Hampton J. Safety and efficacy of intranasally administered medications in the emergency department and prehospital settings. Am J Health Syst Pharm. 2015 Sep;72(18):1544-54.










1. Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, Residente (R3) de Pediatria - Goiânia - Goiás - Brasil
2. Doutor e Preceptor da Residência do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, Pediatria - Goiânia - Goiás - Brasil
3. Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás, Professor Associado do Departamento de Pediatria - Goiânia - Goiás - Brasil

Endereço para correspondência:
Paulo Sucasas Costa
Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás
1ª Avenida, s/nº, Setor Leste Universitário
Goiânia, GO. Brasil. CEP: 74605-020
E-mail: paulosucasas@ufg.br

Data de Submissão: 28/03/2019
Data de Aprovação: 17/09/2019