Relato de Caso
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Ano 2021 -
Volume 11 -
Número
1
Urbanorum spp.: first case report in pediatrics in Brazil
Urbanorum spp.: first case report in pediatrics in Brazil
Allydson Döhl Simes1; Vanessa Borges Platt2
RESUMO
Relato do primeiro caso de Urbanorum spp. em pediatria no Brasil, parasita raro, pouco descrito na literatura. Encontrado em um exame parasitológico de fezes realizado pelo método Ritchie/Hoffmann, solicitado na rotina laboratorial de um menino de 2 anos de idade, em atendimento ambulatorial em 2018, tratado com Albendazol 400mg por 5 dias. O presente estudo revela a importância de novos estudos sobre o parasita recém-descrito na literatura brasileira, a fim de elucidar sua possível patogenicidade e consequente erradicação medicamentosa.
Palavras-chave:
Parasitologia, Brasil, Pediatria.
ABSTRACT
Report of the first case of Urbanorum spp. in pediatrics in Brazil, a rare parasite, little described in the literature. It was found in a parasitological examination of feces performed by the method Ritchie/Hoffmann requested in the laboratory routine of a 2 years old male child, in an outpatient care attendance in 2018, treated with Albendazol 400mg for 5 days. This present study reveals the importance of further investigations on the parasite just described in the Brazilian literature, in order to study its possible pathogenicity and consequent drug eradication.
Keywords:
Parasitology, Brazil, Pediatrics.
INTRODUÇÃO
O primeiro caso de infecção pelo parasita Urbanorum spp. foi descrito em 1991. No entanto, o primeiro registro científico ocorreu em 19941. O parasita apresenta estrutura arredondada com vários pseudópodes e coloração amarelada quando fixado com Lugol. Caracteriza-se pela presença de um exoesqueleto com dupla membrana e poros por onde saem as estruturas hialinas que auxiliam sua locomoção2,3.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, dois anos de idade, trazido pelo pai em maio de 2018 para acompanhamento na pediatria do ambulatório de Pediatria de um Hospital Universitário no Brasil.
Nasceu com 40 semanas e três dias, de parto vaginal na maternidade, com peso ao nascer de 3.775g, comprimento de 51,5 centímetros e APGAR de 9/9. Os exames de triagem realizados na sala de parto foram Ortolani, reflexo vermelho, triagem auditiva e oximetria, todos sem alterações. A criança recebeu aleitamento materno exclusivo até 6 meses e aleitamento materno complementar até 1 ano de idade. O calendário vacinal atual atendeu ao calendário vacinal do Ministério da Saúde do Brasil.
A mãe é uma colombiana de 32 anos e o pai um brasileiro de 35 anos. A criança tem uma irmã brasileira de 3 anos. A família mora em uma casa de madeira, com água potável e esgoto. Os pais estão desempregados e contam com um benefício em dinheiro do programa de assistência social chamado “Bolsa Família”, fornecido pelo Governo Federal. Não há relatos de doença conhecida.
A última consulta de puericultura foi realizada em janeiro de 2018, quando foram solicitados os seguintes exames laboratoriais de rotina: hemograma completo, urina rotina e parasitológico de fezes. Paciente retorna após quatro meses para mostrar os resultados. Durante esta visita, foi acompanhado pelo pai, que não referiu queixas e alterações de evacuações desde a última visita do paciente.
O exame físico revelou que o paciente estava em bom estado geral, anictérico, acianótico, normocorado, hidratado, afebril e eupnéico. Não havia linfadenopatia palpável e a ausculta cardíaca e pulmonar não retornaram alterações. O exame abdominal mostrou abdome plano, depressível, com ruídos hidroaéreos, sem dor à palpação, sem sinais de peritonite e sem massas ou visceromegalias. Antropometria: Peso de 13,8kg (escore Z: 0), altura de 90cm (escore Z: 0), IMC de 16,8 e perímetro cefálico de 48 cm.
Exames complementares realizados no laboratório clínico do Hospital Universitário: Hemograma (15/05/18): Hemoglobina de 11,4g/dl, Hematócrito 34,4%, VCM (volume corpuscular médio) 75fl; HCM (hemoglobina corpuscular média) 24,8pg, MCHC (concentração média de hemoglobina corpuscular) 33,3g/dl, RDW 14,4, Policromasia + Leucócitos: 10.380p/mm3 (Segmentado 28,3%, linfócitos 60,2%, monócitos 7,4%, eosinófilos 1,6%, basófilos 0,5%), Plaquetas: 285.000. Urina rotina (15/05/18): sem alterações significativas. O resultado do exame parasitológico de fezes realizado pelo método Ritchie/Hoffmann (15/05/18) e foi positivo para Urbanorum spp.
As amostras fecais foram processadas de acordo com o protocolo de Ritchie/Hoffmann, coradas com Lugol e observadas em microscopia óptica. As amostras analisadas continham uma estrutura de formato arredondado e vários filamentos semelhantes a pseudópodes (Figura 1).
Figure 1. Urbanorum spp. visto no Hospital Universitário em 2018.
O paciente descrito era um lactente sem comorbidades prévias, com crescimento e desenvolvimento neuropsicomotor adequado para a idade, com vulnerabilidade social, sem alterações no exame físico e com verminose detectada nas fezes.
Recebeu prescrição de Albendazol 400mg/10ml/dia por cinco dias e ainda não retornou ao ambulatório para acompanhamento médico.
DISCUSSÃO
Poucos estudos são encontrados sobre Urbanorum spp., sendo que o primeiro foi publicado em 1994 na Colômbia e analisou, em 1991, 283 amostras de fezes, das quais 16,6% continham este protozoário. Dois anos depois, novas análises foram realizadas com 143 amostras, das quais aproximadamente 14,0% continham Urbanorum spp.1. O pesquisador que publicou o primeiro estudo realizou outro estudo no período 1997-1998, relatando uma incidência de 10,0% em 14.000 amostras fecais1. Em 2006, outro estudo realizado na Colômbia mostrou a mesma incidência de 10,0% nas amostras fecais estudadas2.
Um estudo realizado no Peru em 2016 mostrou, por meio do teste de Graham e Hoffman, Pons e Janer (HPJ) que 20,8% de um total de 96 crianças de 3 a 14 anos estavam infectadas pelo Urbanorum spp.4. Condições sanitárias, ambientais, econômicas e socioculturais foram levadas em consideração em um dos estudos, que mostrou que esses fatores afetam diretamente a epidemiologia desse parasita4.
O primeiro caso de Urbanorum spp. foi identificado no estado do Maranhão, Brasil, em abril de 2018 em uma paciente adulta com histórico de diarréia. O parasita foi identificado no exame parasitológico de fezes, processado conforme protocolo HPJ ou Lutz, o qual foi solicitado para elucidação diagnóstica5. Este estudo auxiliou no diagnóstico e tratamento realizado no caso relatado neste estudo.
Assim, o parasita pode ser encontrado em diversos ambientes, encontrando nas crianças o hospedeiro mais comum4. No entanto, esta é a primeira vez que o parasita é descrito em lactentes no Brasil, denotando a relevância médica de estudos mais extensos. Portanto, os primeiros relatos de Urbanorum spp. no Brasil são recentes. Este estudo relata o primeiro caso do parasita em uma criança assintomática evidenciado durante um exame de puericultura de rotina. Revela a importância de novas investigações sobre o parasita, recentemente descrito na literatura brasileira, para analisar sua possível patogenicidade e tratamento subsequente. A identificação do Urbanorum spp. também reabre a discussão sobre a prevenção de doenças parasitárias, a efetividade dos esforços para melhorar o saneamento básico, o tratamento adequado da água, o sistema de esgotamento sanitário e o ensino de hábitos de higiene para a população em geral.
REFERÊNCIAS
1. Santamaria FT: Urbanorum spp. Santander: Catedra Libre UIS [serial online] 2013 [cited 2018 Sept 27]; Available from: URL: https://doi.org/10.17843/rpmesp.2016.333.2351
2. Villafuerte RI, Collado LA, Velarde CN. Urbanorum spp. in Peru. Rev Peru Med Exp Salud Publica. 2016 Jul-Sep;33 (3): 593-595. doi:10.17843/rpmesp.2016.333.2351.
3. Iglesias-Osores S, Arriaga-Deza E. Urbanorum spp. in regional hospital in Lambayeque. Revista Experiencia en Medicina, 2016; 2: 156–57 [in Spanish] Available from: URL: http://rem.hrlamb.gob.pe/index.php/REM/ article/view/63/59
4. Morales del Pino JR. Intestinal parasitosis in preschools and schools at- tended at the medical center. Horiz Med, 2016; 16: 35–42 [in Spanish] Available from: URL: http://www.horizontemedicina.usmp.edu.pe/index.php/horizontemed/article/view/468
5. de Aguiar RPS, Alves LL. Urbanorum spp.: First Report in Brazil. Am J Case Rep.2018 Apr 25;19:486-490. PubMed PMID: 29693648; PubMed Central PMCID: PMC5937210
1. Universidade Federal de Santa Catarina, Medicina - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil
2. Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Tiago, Pediatria - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil
Endereço para correspondência:
Allydson Döhl Simes
Universidade Federal de Santa Catarina
Rua R. Eng. Agronômico Andrei Cristian Ferreira, s/n
Trindade, Florianópolis, SC, Brasil. CEP: 88040-900
E-mail: allydson1@gmail.com
Data de Submissão: 16/04/2019
Data de Aprovação: 14/05/2019