ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2021 - Volume 11 - Número 2

Síndrome de Stevens-Johnson em pré-escolar em tratamento de pneumonia: relato de caso

Stevens-Johnson Syndrome in Preschool in pneumonia treatment: Case report

RESUMO

INTRODUÇÃO: A síndrome de Stevens-Johnson (SSJ) é caracterizada por uma reação cutânea severa que pode ser desencadeada principalmente por reação alérgica a fármacos. É uma condição potencialmente ameaçadora a vida e possui uma incidência mundial de 0,36 em 100.000.
RELATO DE CASO: Paciente masculino, 5 anos, branco, apresentou lesão bolhosa em lábio superior e febre, após um quadro de amigdalite bacteriana seguido de pneumonia, em que foram administrados sequencialmente amoxicilina, amoxicilina-clavulanato e ceftriaxona. Houve disseminação das lesões na mucosa oral e internamento com suspeita de farmacodermia devido ao uso dos antibióticos. Mesmo após troca do antibiótico e prescrição de anti-histamínicos, o paciente evoluiu com aumento do número de bolhas nas mucosas labial, oral e nasal, na língua, aparecimento de edema palpebral, lesão cutânea em pavilhão auricular e enantema conjuntival, genital e perianal. O paciente foi admitido na UTI pediátrica e foi realizada a biópsia das lesões cutâneas, que demonstrou extensa necrose epidérmica inferior com infiltrado de células inflamatórias, o que confirmou a suspeita diagnóstica da síndrome de Stevens-Johnson. O tratamento foi realizado com o uso de corticoide oral, prednisolona na dose de 1mg/kg/dia por 10 dias, com desmame gradual por mais 12 dias e uso de curativos com membrana de celulose.
CONCLUSÃO: O caso aborda a provável correlação da síndrome de Stevens-Johnson com o uso de amoxicilina e apresenta as manifestações clínicas características da SSJ, evidenciando a importância da suspeita diagnóstica e do tratamento precoce dessa condição.

Palavras-chave: Síndrome de Stevens-Johnson, Amoxicilina, Hipersensibilidade a Drogas, Criança, Pré-escolar.

ABSTRACT

INTRODUCTION:Stevens-Johnson syndrome (SJS) is characterized by a severe skin reaction that can be triggered mainly by an allergic drug reaction. It is a potentially life threatening condition and has a worldwide incidence of 0.36 in 100.000.
CASE REPORT: A 5-year-old, white, male patient presented bullous lesion on the upper lip and high fever, after a bacterial tonsillitis followed by pneumonia in which amoxicillin, amoxicillin-clavulanate, and ceftriaxone were administered sequentially. Oral mucosa lesions were disseminated and the patient was hospitalized with suspected pharmacoderma due to the use of antibiotics. Even after antibiotic replacement and antihistamines prescription, the patient developed an increased number of blisters on the labial, oral, nasal mucosa and in the tongue, also, there was an appearance of eyelid edema, cutaneous lesion in the auricular pavilion, and conjunctival, genital and perianal enanthem. The patient was admitted to the pediatric ICU and a skin lesion biopsy was performed, which showed extensive lower epidermal necrosis with inflammatory cell infiltrate, which confirmed the diagnostic suspicion of Stevens-Johnson syndrome. The treatment was performed using oral corticosteroids, prednisolone at a dose of 1mg/kg/day for 10 days, with gradual removal in 12 days and the use of cellulose membrane curative.
CONCLUSION:The case addresses the probable correlation of Stevens-Johnson syndrome with amoxicillin use and presents the characteristic clinical manifestations of SJS, highlighting the importance of diagnostic suspicion and early treatment of this condition.

Keywords: Stevens-Johnson syndrome, Amoxicillin, Drug hypersensitivity, Child, Preschool.


INTRODUÇÃO

A síndrome de Stevens-Johnson (SSJ) e a necrólise epidérmica tóxica (NET) consistem em variantes de um distúrbio de hipersensibilidade. Elas diferem quanto ao grau de comprometimento de lesões cutâneas, de envolvimento sistêmico do paciente e de necrólise. A SSJ envolve menos de 10% da superfície corporal enquanto a NET acomete mais de 30%. Apresenta alta morbidade e mortalidade de 1-5%1.

A incidência mundial da SSJ é de 0,36 em 100.0002. É caracterizada por reação adversa cutânea severa e pode ser desencadeada por alergia a fármaco, nos pacientes pediátricos mais comumente alopurinol, anticonvulsivantes, antibióticos, principalmente sulfonamidas e penicilinas, e anti-inflamatórios não-hormonais (AINEs) e, mais raramente, por infecções, vacinas, distúrbios autoimunes, neoplasias e transplante de medula óssea. Em 25-30% dos casos a causa não é clara1,3. A patogênese envolve suscetibilidade genética, resposta alérgica inapropriada ao medicamento e apoptose maciça de células epiteliais da pele e membranas mucosas4.

A SSJ pode se manifestar como manchas eritematosas ou purpúricas, lesões atípicas em alvo, bolhas, erosões e úlceras5,6. A característica marcante de SSJ é o acometimento de no mínimo 2 mucosas (presente em 80% dos casos), e os sítios mais comumente envolvidos são mucosas: labial, oral, ocular, genital e anal6,7. Para o diagnóstico da SSJ, além do quadro clínico, a biópsia de pele pode ser útil para fazer a diferenciação de outros diagnósticos. A característica marcante do exame histopatológico é a presença de necrose de queratinócitos nas camadas basais epidérmicas com vacuolização da membrana basal, infiltrado inflamatório linfocitário mononuclear8.

Como diagnósticos diferenciais, o eritema multiforme, que muitos dizem ser um espectro da SSJ, a síndrome da pele escaldada, pênfigo paraneoplásico, doença do enxerto versus hospedeiro, bolhas por queimaduras e pustulose generalizada aguda são algumas hipóteses que devem ser levadas em consideração. A anamnese, o exame físico e exames complementares como a histopatologia e a imunohistoquímica devem ser utilizados para a diferenciação diagnóstica.

O rápido diagnóstico, a identificação da droga causadora e sua descontinuação imediata reduzem morbimortalidade e impedem progressão do quadro clínico. O tratamento é baseado, principalmente, na retirada da droga causadora e em medidas suportivas, como cuidados para promover a reepitelização mais precocemente possível, manejo de via aérea, evitar perdas hídricas e infecções9,10. Tratamentos adjuvantes com corticosteroides sistêmicos, imunoglobulina intravenosa, ciclosporina e inibidores do fator de necrose tumoral não estão bem estabelecidos e devem ser pesados caso a caso4.


RELATO DE CASO

Paciente masculino, 5 anos, branco, queixa de mal-estar e vômitos, com diagnóstico de amigdalite bacteriana e tratamento com amoxicilina por 7 dias. Manteve febre diária de 38ºC e iniciou quadro de dor abdominal, foi diagnosticado com pneumonia após radiografia de tórax, prescrito amoxicilina-clavulanato por 2 dias.

Todavia, devido aos episódios frequentes de vômitos após a administração do antibiótico, este foi trocado por ceftriaxona injetável por 2 dias, quando iniciou com lesões cutâneas: vesículas com conteúdo seroso no lábio superior e posterior aumento do volume e número, com formação de bolhas, manutenção do quadro febril e associação com estridor laríngeo. Foi internado com suspeita de alergia à ceftriaxona, a qual foi substituída por ampicilina-sulbactam por 2 dias e na sequência trocada por piperacilina + tazobactam e anti-histamínicos.

Após 14 dias do início do quadro clínico, as vesículas se confluíram com formação de bolhas em toda a mucosa labial e nasal e grande parte da oral e língua, seguidas por destacamento da mucosa com posterior rotura das bolhas. A Figura 1 evidencia as lesões em mucosa oral. Evoluiu no dia seguinte com edema conjuntival e palpebral, lesões bolhosas em pavilhão auricular esquerdo, mucosa anal e genital, nádegas, membros superiores e inferiores, linfonodomegalia cervical esquerda, culminando com quadro de insuficiência respiratória. Na UTI pediátrica, nova radiografia de tórax evidenciou infiltrado peri-hilar, sendo iniciado ampicilina + sulbactam. Foi administrada imunoglobulina por 3 dias. Ainda na UTI pediátrica, recebeu vancomicina, meropenem e anfotericina.


Figura 1. Lesões bolhosas com destacamento em mucosa oral.



A biópsia das lesões evidenciou pele com extensa necrose epidérmica, com focos de reepitelização na epiderme e edema na derme superficial adjacente com células inflamatórias, com pesquisa para fungos negativa, o que é compatível com o diagnóstico de síndrome de Stevens-Johnson (SSJ). Também foram realizadas sorologias para citomegalovírus, Epstein-Barr e herpes vírus, as quais foram não-reagentes. O paciente recebeu alta da UTI para a enfermaria no 9º dia de internamento.

A Figura 2 mostra a evolução das lesões nas mucosas oral e nasal periorbitais e em orelha esquerda, já em estágio de cicatrização, com crostas hemáticas e prurido intenso.


Figura 2. Lesões de mucosa oral e nasal, periorbitais e em orelha esquerda com crostas hemáticas.



Após a alta foi iniciado o tratamento adjuvante com corticoide oral, prednisolona por 10 dias, com desmame gradual por mais 12 dias, devido à farmacodermia.


COMENTÁRIOS

A síndrome de Stevens-Johnson (SSJ) é uma reação cutânea adversa grave conhecida (SCAR) pertencente à hipersensibilidade tipo IV, mediada pelo efeito imunológico3. São três mecanismos patogênicos relacionados: o primeiro envolve os mecanismos não imunes, representados pelos efeitos adversos de fármacos, seja por interação medicamentosa, seja por alteração em seu metabolismo11; o segundo, mecanismos imunes que geram uma resposta celular tardia que envolve a apoptose dos queratinócitos, através de células T citotóxicas (CD8) e células natural-killer (CD56)12; e, o terceiro, que permite uma combinação de componentes imunológico com fatores genéticos individuais13.

No caso relatado, a principal suspeita etiológica que abriu o quadro de SSJ foi o uso de amoxicilina para o tratamento da amigdalite/pneumonia, sendo que a literatura afirma que antibióticos, como penicilinas e sulfonamidas, podem estar relacionados à origem dos sintomas da farmacodermia9.

Para o correto diagnóstico, é importante o conhecimento detalhado dos dados clínicos e a utilização da avaliação histopatológica através da biópsia cutânea. Assim, como se pode observar na evolução do paciente relatado, a clínica tem início por meio de um quadro inespecífico, com febre, fadiga, dor de garganta, irritação e prurido. Em seguida, o aparecimento de máculas e manchas eritematosas, na face, tronco, região genital, anal e membros, e que se alastraram, principalmente, para as regiões distais. Essas lesões evoluíram para vesículas que se confluíram e formaram bolhas. Houve rompimento das bolhas e destacamento da epiderme necrótica, com dor nos locais de lesões e de exposição dérmica. Esse destacamento da mucosa pode envolver vários órgãos como: trato gastrointestinal, conjuntivas, córneas, pulmões, região genital e anal. Devido a essas lesões, o paciente teve desidratação, desnutrição e disfunção respiratória, o que corresponde com dados de complicações na literatura14.

É fundamental que os profissionais de saúde estejam atentos ao quadro e as correlações clínicas da síndrome com o uso dos medicamentos e entidades clínicas, de modo a retirar precocemente drogas que possam desencadear farmacodermias, ou se possível, retirar todas que estiverem em uso caso haja suspeita de SSJ, a fim de evitar as complicações e, principalmente, o óbito de pacientes com diagnósticos tardios, que não recebam suporte adequado.

No que se refere ao tratamento, diversos cuidados podem ser tomados para promover a reepitelização mais precoce possível, evitar perdas hídricas e infecções. Para isso, é unanimidade na literatura a recomendação de seguir um tratamento semelhante ao de queimaduras, e se possível, em um centro para queimados2-7.

Medicamentos e outras intervenções são geralmente utilizados para potencializar o tratamento. Por consenso, a terapia adjuvante mais utilizada em tratamento para pacientes graves é a imunoglobulina IV. Embora controverso, os corticosteroides sistêmicos também são amplamente empregados4. Ambos foram administrados sinergicamente no paciente em questão. Os inibidores do TNF e ciclosporina A são outros agentes que podem ter benefício por evitar a progressão das lesões e aumentar a sobrevida. Porém, todos os medicamentos citados apresentam divergências de prognóstico e redução de mortalidade na literatura. Por isso, é recomendável a ampliação de estudos para estabelecimento da terapêutica adjuvante eficaz1.


CONCLUSÃO

A síndrome de Stevens-Johnson é uma emergência dermatológica potencialmente fatal, que necessita da suspeita diagnóstica precoce, da retirada dos medicamentos possivelmente causadores da síndrome, de internamento e de tratamento de suporte, evitando infecções. O artigo buscou ressaltar a importância do diagnóstico precoce da síndrome, assim como apresentar a gravidade das manifestações clínicas e as medidas diagnósticas e terapêuticas realizadas nesse caso.


REFERÊNCIAS

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1. Universidade Federal do Paraná, Medicina - Curitiba - PR - Brasil
2. Universidade Federal do Paraná, Pediatria - Curitiba - PR - Brasil

Endereço para correspondência:
Caroline Arns-Neumann
Universidade Federal do Paraná
Rua XV de Novembro, nº 1299, Centro
Curitiba, PR, Brasil. CEP: 80060-000
E-mail: carolinearnsneumann@gmail.com

Data de Submissão: 18/07/2019
Data de Aprovação: 26/02/2020