ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2021 - Volume 11 - Número 2

Revisão de literatura: a lei do acompanhante - sua importância e descumprimento

Literature review: the companion law - its importance and noncompliance

RESUMO

OBJETIVOS: No Brasil, em 2005 foi promulgada a Lei Federal no 11.108, que determina que os serviços de saúde são obrigados a permitir à gestante o direito a acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto. Este trabalho tem como objetivo avaliar, através de revisão de literatura, a importância da Lei no 11.108/2005 e se essa tem sido cumprida de forma adequada.
MÉTODOS: Foram realizadas buscas nas bases de dados PubMed e SciELO para localizar estudos abordando relatos sobre o cumprimento e importância da Lei no 11.108/2005 em hospitais brasileiros.
RESULTADOS: Dos 27 resultados, foram selecionados 4 estudos para compor esta revisão. A Lei Federal que garante a mulher o direito de estar acompanhada por alguém de sua escolha na rede pública de saúde é muitas vezes descumprida, levando a parturiente e o bebê a não desfrutarem dos inúmeros benefícios do acompanhamento durante todo o período de trabalho de parto. Esse descumprimento ocorre, principalmente, pelo não conhecimento da mãe de seus direitos e pelo autoritarismo de instituições públicas e de seus colaboradores que não permitem à mãe ter o seu direito cumprido.
CONCLUSÃO: É de suma importância que os líderes de maternidades públicas estejam atentos a esse descumprimento para mudar este cenário.

Palavras-chave: Parto Obstétrico, Sistema Único de Saúde, Jurisprudência.

ABSTRACT

OBJECTIVE: In Brazil, in 2005, Federal Law No. 11.108 was promulgated, which establishes that health services are obliged to allow the pregnant woman the right to accompany her during the whole period of labor, delivery, and postpartum. This work aims to evaluate, through a literature review, the importance of Law No. 11.108/2005 and whether this has been adequately fulfilled.
METHODS: Of the 27 results, 4 studies were selected to compose this review. Were searched the databases PubMed and SciELO, to locate studies addressing reports on the compliance and importance of Law No. 11.108/05 in Brazilian hospitals.
RESULTS: The Federal Law that guarantees women the right to be accompanied by someone of their choice in the public health network is often disregarded, causing the woman and the baby do not enjoy the numerous benefits of follow-up throughout period. This non-compliance occurs mainly due to the lack of knowledge of mother about her rights and the authoritarianism of public institutions and their collaborators that do not allow the mother to have her rights fulfilled.
CONCLUSION: It is of the utmost importance that leaders of public maternity hospitals are attentive to this disallowance to change this scenario.

Keywords: Delivery, Obstetric, Unified Health System, Jurisprudence.


INTRODUÇÃO

A maternidade é um período que é iniciado muito antes da concepção, a partir das primeiras relações da mulher, passando pelo desejo de ter um filho e, finalmente, pela gravidez propriamente dita. A fase de gravidez confere inúmeras reestruturações na vida da mulher e nos papéis que esta exerce. As mudanças incluem alterações biológicas, somáticas, psicológicas e sociais1.

Ao longo de toda a gestação a mãe se preocupa com o feto e sua saúde. As preocupações maternas com a saúde do bebê só terminam no momento do parto2, este que pode ser considerado como uma situação irreversível e imprevista. A impossibilidade de controlar e saber como será esse evento pode gerar grande ansiedade para a gestante3. Diversos médicos, jurídicos, sanitaristas e acadêmicos reconhecem a importância da presença de um acompanhante nesse importante momento da mulher e do bebê4.

Na Conferência sobre Tecnologia Apropriada para Nascimento e Parto, realizada em Fortaleza no Ceará, em 1985, foi concluído que, no parto, o bem-estar da mulher deve ser assegurado pelo livre acesso de um membro da família, durante o nascimento e período pós-natal5. A Organização Mundial da Saúde (OMS) passou a recomendar que a parturiente deve ser acompanhada por pessoas que confia e com quem se sinta à vontade, destacando que essa prática contribui para humanização da assistência e redução das intervenções obstétricas6.

Nesse sentido, no Brasil, em 2005 foi promulgada a Lei Federal nº 11.108, de 07 de abril, mais conhecida como a Lei do Acompanhante. Essa lei determina que os serviços de saúde do SUS (Sistema Único de Saúde), da rede própria ou conveniada, são obrigados a permitir a gestante o direito a acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto. A lei determina que este acompanhante será indicado pela gestante, podendo ser uma pessoa de sua escolha7.

No entanto, existem inúmeras reclamações de pacientes, que utilizaram os serviços do SUS, de que não tiveram a possibilidade de terem um acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto. Neste contexto, este trabalho tem como objetivo avaliar, através de revisão de literatura, com dados obtidos de puérperas atendidas na rede pública e privada de saúde ou profissionais de saúde, a importância da Lei nº 11.108/2005 e se essa tem sido cumprida de forma adequada.


MÉTODOS

No que concerne a metodologia utilizada, em junho de 2019, foram realizadas buscas nas bases de dados PubMed e SciELO para localizar estudos abordando relatos sobre o descumprimento e/ou importância da Lei nº 11.108/05 em hospitais brasileiros. O pesquisador realizou toda a avaliação dos resultados obtidos.

Na base de dados PubMed foram utilizadas as estratégias de busca “escort law AND Brazil”, “Companion law AND Brazil” e “lei do acompanhante”, sem filtros. Foram localizados 21 estudos. Na base SciELO foi utilizada a estratégia de busca “lei do acompanhante”, que resultou em 6 trabalhos.

Como os trabalhos escolhidos são bastante heterogêneos, não foram realizadas análises estatísticas adicionais como de risco relativo, diferença média ou metanálise.


RESULTADOS

Dos 27 resultados, foram selecionados 4 estudos, todos em português, para compor esta revisão, cujos desfechos foram considerados relevantes. A Figura 1 resume o motivo de exclusão dos estudos localizados e a Tabela 1 sumariza o resultado dos estudos selecionados nessa revisão.


Figura 1. Fluxograma de estudos incluídos na revisão sistemática.




Como os trabalhos selecionados são, em geral, estudos observacionais, foi conduzida revisão utilizando como base a ferramenta MOOSE (meta-analysis of observational studies in epidemiology)8.

Dos quatro estudos selecionados, o primeiro trabalho foi publicado em 2013 e trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva, com abordagem qualitativa, realizada em uma maternidade pública de Santa Catarina, que atende apenas usuárias do SUS. Foram utilizados dados de 16 acompanhantes que permaneceram com a parturiente durante todo o parto. A análise dos dados indicou pouco conhecimento sobre a lei, os acompanhantes consideraram a experiência positiva, avaliaram como satisfatório o atendimento prestado à mulher. Apesar das adversidades do centro obstétrico e das situações de estresse inerentes ao processo de parturição, os autores concluíram ser possível que o acompanhante tenha uma experiência positiva e atue como provedor de apoio à mulher9.

O segundo estudo avaliou dados da pesquisa “Nascer no Brasil” (um estudo de base hospitalar realizado com puérperas e seus recém-nascidos, conduzido durante os anos de 2011 e 2012). Os dados foram obtidos do SUS, atendimentos privados ou particulares. Foi avaliado que, 24,5% das mulheres não tiveram acompanhante algum, 18,8% tinham companhia contínua, 56,7% tiveram acompanhamento parcial. Preditores independentes de não ter algum, ou parcial, foram: menor renda e escolaridade, cor parda da pele, usar o setor público, multiparidade e parto vaginal. A implementação do acompanhante foi associada com ambiência adequada e regras institucionais claras sobre os direitos das mulheres ao acompanhante10.

Já o trabalho de Brüggemann et al. (2014)11 tratou-se de pesquisa qualitativa, com objetivo de compreender os motivos que levam os serviços de saúde, vinculados ao SUS, de Santa Catarina a não permitirem a presença do acompanhante durante o parto. Foram entrevistados 12 enfermeiros responsáveis pelos centros obstétricos dos serviços que não permitiam ou permitiam às vezes o acompanhante. Os discursos demonstram que o impedimento da presença do acompanhante está relacionado, principalmente, à decisão dos profissionais e com a inadequação da estrutura organizacional, requerendo mudanças na atitude da equipe, apoio institucional e estratégias de gestão que valorizem o apoio pelo acompanhante de escolha da parturiente.

Um trabalho recente, de 2017, analisou a percepção das mulheres acerca do descumprimento da lei. Os dados foram obtidos no Estado do Rio de Janeiro, onde foram entrevistadas 56 mulheres que receberam os serviços da rede pública de saúde. As entrevistadas relataram o descumprimento da lei, tanto pelas instituições de saúde quanto pelos profissionais, tornando o momento do parto permeado por sentimentos negativos resultantes de estresses, desgastes e tensões caracterizando desrespeito aos direitos do casal. Ao final do estudo, os pesquisadores concluíram que a Lei do Acompanhante precisa ser mais divulgada como direito do casal, garantindo a segurança do processo parturitivo e inibindo atos de violação em seus direitos12.


DISCUSSÃO

Mulheres em trabalho de parto sentem necessidade de uma companhia amiga e calorosa12. Com base em recomendações da OMS, desde 2005, no Brasil, há a Lei Federal nº 11.108, que garante a parturiente direito à acompanhante, de sua escolha, durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto.

De acordo com dados obtidos em literatura técnico científica nacional, pode-se avaliar que, o acompanhante pode ter uma experiência positiva atuando como apoiador da mulher9.

Muitas vezes o acompanhamento durante o parto não ocorre por decisão dos profissionais e com a inadequação da estrutura organizacional11. O não acompanhamento durante o parto e o nascimento, torna esse momento permeado por sentimentos negativos resultantes de estresses, desgastes e tensões12.

Não foram localizados estudos realizados exclusivamente na rede privada de atendimento. No entanto, ficou demonstrado que, em parturientes atendidas pelo SUS, ainda há descumprimento da Lei nº 11.108/2005 em maternidades públicas. Conforme apontado por Rodrigues et al. (2017)12 esse descumprimento ocorre pelo desconhecimento da mulher a respeito do seu direito de ter um acompanhante de sua livre escolha durante o parto e o nascimento, além da privação do direito ao acompanhante também ser efetivada pela desigualdade nas relações de poder dos profissionais de saúde, e por estruturas tradicionais das instituições, além de características do modelo de gestão vigente.

Esses dados confirmam a hipótese apontada por Diniz et al. (2014)10, de que embora a Lei nº 11.108/2005 exista, mulheres com baixa renda, menos escolarizadas, não-brancas, são as mais frequentemente privadas dos benefícios da presença de acompanhante durante o parto.

Conforme apontado em estudo, foi identificado que mulheres que receberam apoio e acompanhamento emocional durante o parto manifestaram sua satisfação e reconheceram esse cuidado como importante. O suporte emocional foi identificado como importante para diminuir o percentual de anestesia/analgesia e o uso de ocitócicos. Outros benefícios do suporte constatados foram o menor traumatismo perineal e a redução da probabilidade de dificuldade na maternagem e de interrupção precoce da amamentação13.

Tais dados são corroborados por revisão sistemática nacional publicada antes da promulgação da Lei nº 11.108/2005, de acordo com a análise, os resultados do apoio durante o trabalho de parto e parto foram favoráveis, destacando-se a redução da taxa de cesárea, analgesia/medicação para alívio da dor, tempo de trabalho, utilização de ocitocina e aumento da satisfação materna com a experiência. Os benefícios foram maiores quando o provedor do apoio não era um profissional de saúde6.

Adicionalmente, revisão sistemática publicada em 2017, concluiu que o apoio contínuo durante o trabalho de parto pode melhorar os resultados para mulheres e bebês, incluindo aumento do parto vaginal espontâneo, menor duração do trabalho de parto, diminuição do parto cesariana, parto vaginal instrumental, uso de analgesia e sentimentos sobre a experiência do parto14.

Assim, os dados desse trabalho apontam que, embora haja inúmeros benefícios da parturiente estar acompanhada e, que haja uma Lei Federal que lhe garante esse direito, na rede pública de saúde, ainda há descumprimento dessa lei, fazendo com o que o momento do parto se torne estressante e desgastante emocional e fisicamente.

Os quatro trabalhos utilizados nessa revisão foram localizados na base de dados SciELO, isso ocorreu, possivelmente, pela base SciELO conter uma maior quantidade de estudos nacionais indexados. No entanto, dois dos quatro trabalhos selecionados para compor essa revisão se repetem na base PubMed.

Um limitante desta revisão de literatura é a não localização de número substancial de estudos clínicos avaliando se esse cenário se estende em todo o país ou em regiões específicas. Complementarmente, a quantidade de dados é bastante limitada, carecendo de mais estudos complementares, especificamente na rede privada de saúde.

Outra possível fragilidade desse trabalho é de que os estudos selecionados são observação de dados ou pesquisas retrospectivas, desta forma, não é possível classificá-los como melhor nível de evidência em literatura.


CONCLUSÃO

A Lei Federal nº 11.108/2005, ou Lei do Acompanhante, que garante à mulher o direito de estar acompanhada por alguém de sua escolha na rede pública de saúde é muitas vezes descumprida, levando a parturiente e o bebê a não desfrutarem dos inúmeros benefícios do acompanhamento durante todo o período de trabalho de parto. Esse descumprimento ocorre, principalmente, pelo não conhecimento da mãe de seus direitos e pelo autoritarismo de instituições públicas e de seus colaboradores que não permitem à mãe ter o seu direito cumprido. É de suma importância que os líderes de maternidades públicas estejam atentos a esse descumprimento para mudar este cenário, garantindo que a mãe tenha seu direito cumprido.


AGRADECIMENTO

Agradeço a Alcides Lins Fernandes Junior por tornar de meu conhecimento a Lei do Acompanhante e seu descumprimento no SUS.


REFERÊNCIAS

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Data de Submissão: 26/07/2019
Data de Aprovação: 06/09/2019