ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2014 - Volume 4 - Número 1

Abscesso orbitário intraconal secundário a foco odontogênico: Relato de Caso

Intraconal abscess secondary to a odontogenic focus: A Case Report
Absceso orbital intraconal secundario a foco odontogénico: Reporte de Caso

RESUMO

OBJETIVO: Destacar a importância da saúde bucal na infância e do diagnóstico e tratamento precoces das sinusopatias e suas complicações.
DESCRIÇÃO: Relatamos o caso de uma adolescente de 11 anos de idade que apresentou quadro inicial de odontalgia, evoluindo com edema de região mandibular, dor em toda a hemiface direita e, posteriormente, proptose do globo ocular direito com sinais flogísticos periorbitários. O exame clínico odontológico confirmou a presença de foco odontogênico com coleção purulenta periapical e a tomografia computadorizada de órbitas e seios da face revelou pansinusite em hemiface direita e abscesso retro-orbitário de localização intraconal. A criança foi submetida à drenagem cirúrgica do abscesso orbitário e antibioticoterapia venosa com boa resposta clínica, não apresentando qualquer sequela identificada até o momento.
COMENTÁRIOS: As infecções dentárias podem desenvolver sinusopatias e a celulite orbitária é uma complicação aguda das doenças dos seios paranasais decorrente da propagação de bactérias para o interior da órbita, podendo determinar sérias complicações como perda de acuidade visual e acometimento do sistema nervoso central.

Palavras-chave: abscesso, celulite orbitária, saúde bucal, sinusite.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To emphasize the importance of oral health in childhood and the early diagnosis and treatment of sinusitis and their complications.
DESCRIPTION: We have reported the case of an 11 year old teenage girl with a complaint of tooth pain, progressing to swelling in relation to the jaw, pain on right side of the face and then right proptosis with periorbital inflammatory signs. The dental examination confirmed the presence of odontogenic infection spot with purulent periapical secretion and the CT scan of the orbits and facial sinus cavities revealed right facial pansinusites and intraconal space retro orbital abscess. The child went to operation room to a surgical drainage of orbital abscess and was treated with intravenous antibiotic with good clinical response. No sequels were identified until the moment.
COMMENTS: Dental infections can develop sinusitis and orbital cellulitis, that is an acute complication resulting from bacteria growth through the interior of orbit. It may lead to serious complications such as visual acuity loss and central nervous system involvement.

Keywords: abscess, oral health, orbital cellulitis, sinusitis.

RESUMEN

OBJECTIVE: Destacar la importancia de la salud oral en la infancia y del diagnóstico y tratamiento precoces de las sinusopatias y sus complicaciones.
DESCRIPCIÓN: Relatamos el caso de una adolescente de once años de edad que presentó cuadro inicial de odontalgia, evolucionando con edema de región mandibular, dolor en toda la hemicara derecha y posteriormente proptosis del globo ocular derecho con señales flogísticas periorbitales. El examen clínico odontológico ha confirmado la presencia de foco odontogénico con colección purulenta periapical y la tomografía computadorizada de órbitas y senos de la cara reveló pansinusitis en hemicara derecha y absceso retro-orbital de localización intraconal. El niño fue sometido a un drenaje quirúrgico del absceso orbital y antibioticoterapia venosa con buena respuesta clínica, sin mostrar ninguna secuela identificada hasta entonces.
COMENTARIOS: Las infecciones dentarias pueden desarrollar sinusopatias y la celulitis orbital las cuales se consideran complicaciones agudas de las enfermedades de los senos paranasales secundarias a la propagación de bacterias de la órbita, pudiendo terminar en serias complicaciones como la pérdida de agudeza visual y compromiso del sistema nervioso central.

Palabras-clave: absceso, celulitis orbital, salud oral, sinusitis.


INTRODUÇÃO

Apesar de todo o avanço no diagnóstico e tratamento, as complicações das doenças agudas e crônicas dos seios paranasais se apresentam ainda hoje como um importante fator de morbimortalidade, sendo as complicações orbitárias as mais comuns, segundo a experiência da maioria dos autores1. Estima-se que as complicações da sinusite na era pré-antibiótica ocorriam em um a cada cinco pacientes, e as taxas tanto de morbidade quanto de mortalidade relacionadas à celulite orbitária eram bastante altas, com 17% a 20% destes pacientes indo a óbito por meningite ou apresentando perda visual permanente do olho afetado2,3. Nos dias de hoje, acredita-se que 60% a 80% das doenças inflamatórias da órbita originam-se das cavidades sinusais, porém, as taxas de óbito ou sequelas não chegam a 5% dos casos2. A origem odontogênica das infecções dos seios paranasais é na maioria das vezes subestimada, e como nem todos os pacientes apresentarão queixa dentária ou história de procedimento odontológico recente, a origem dentária pode permanecer insuspeita4. É importante para o médico assistente considerar esta fonte para infecções orbitárias, levando-se em conta a frequente associação com a formação de abscessos, com mau prognóstico e necessidade de intervenção cirúrgica.


DESCRIÇÃO DO CASO

Paciente do sexo feminino, 11 anos de idade, deu entrada em nosso serviço em outubro de 2012 com queixa de odontalgia havia cerca de uma semana, medicada com analgésico (ibuprofeno) prescrito em serviço de urgência com melhora momentânea da dor. Evoluiu após quatro dias com edema em região mandibular e dor difusa em hemiface direita, apresentando, posteriormente, área de eritema em região periorbitária associada à proptose do globo ocular direito. Apresentava, ainda, intensa fotofobia, dor à movimentação do globo ocular e limitação do movimento de abdução, além de secreção ocular purulenta, sem queixa de perda da acuidade visual. O exame clínico odontológico confirmou a presença de foco infeccioso odontogênico com coleção purulenta periapical.

A tomografia computadorizada (TC) de órbitas e seios da face (Figura 1), realizada no terceiro dia de internamento, revelou velamento por sinusopatia inflamatória acometendo seio maxilar direito e células etmoidais ipsilaterais; formação hipodensa com caráter expansivo de localização intraconal, apresentando captação periférica do meio de contraste iodado e determinando proptose do globo ocular direito com leve erosão óssea adjacente; espessamento homogêneo do nervo óptico; coleção infraorbitária com centro hipodenso estendendo-se para região malar; espessamento de partes moles. TC de crânio apresentou espessamento de partes moles intra e extraconal à direita, sem mais alterações. Os exames laboratoriais evidenciaram discreta leucocitose: 12.100/mm3 (63% segmentados, 2% bastões, 24% linfócitos, 5% eosinófilos e 6% monócitos); hemoglobina: 11,4mg/dL; plaquetas: 419.000/mm3 e proteína C reativa elevada: 96 mg/L (referência até 6 mg/L).


Figura 1. Imagem de TC que mostra formação intraconal determinando proptose do globo ocular direito.



Na admissão, foi iniciada terapia endovenosa antimicrobiana (ceftriaxona e oxacilina), além de tratamento tópico ocular com colírio à base de gatifloxacino e prednisolona. O cirurgião bucomaxilofacial optou por manter tratamento conservador com antibióticos para avaliar necessidade de intervenção cirúrgica posteriormente. No quarto dia de internamento, a adolescente evoluía sem melhora dos sintomas oculares, sendo associada uma terceira droga ao esquema antimicrobiano endovenoso (metronidazol) e indicada drenagem cirúrgica do abscesso orbitário. Foi submetida a procedimento cirúrgico convencional com incisão em pálpebra inferior direita e drenagem de abundante secreção purulenta, evoluindo com melhora dos sintomas e regressão da proptose. Mantida terapia intravenosa durante 21 dias. A paciente recebeu alta hospitalar no 22º dia de internamento, sem sequelas, com acuidade visual e mobilidade ocular normais. Exérese do foco dentário foi realizada ambulatorialmente 15 dias após a alta.


DISCUSSÃO

Infecções dentárias apicais podem desenvolver sinusopatias predominantemente maxilares, devido à estreita relação entre os ápices dos dentes superiores posteriores e o seio maxilar e ao grande número de vasos situados entre a mucosa antral e o tecido periodontal5. A sinusite odontogênica é mais frequente em adultos do que em crianças, principalmente nos pacientes com lesões orais, dentes sépticos e sequelas de radioterapia, e os dentes mais envolvidos são o primeiro e o segundo molar, além do segundo pré-molar, provavelmente devido à distância entre esses e o seio maxilar6. O diagnóstico correto não é simples, pois há situações em que as estruturas afetadas, os sinais e os sintomas do paciente são comuns às sinusites sem causa dentária, portanto, é necessária uma anamnese detalhada, exame clínico completo, e exames auxiliares como a TC de seios da face5. Na anamnese, os principais sintomas são odontalgias, cefaleias, congestão e secreção nasal, sensibilidade na zona anterior da maxila e dores durante os esforços7.

A sinusite odontogênica, muitas vezes, é manejada inicialmente como uma rinossinusite, entretanto, como sua causa não é tratada, ocorrem recidivas, até que o diagnóstico correto seja obtido6. É necessário atuar sobre a causa dentária e sobre a sinusite, erradicando a infecção existente e prevenindo recidivas e complicações. Apesar do tratamento odontológico e da drenagem cirúrgica ser de primordial importância, a terapia com antimicrobianos é parte essencial do tratamento e, na maioria das vezes, a conjugação da terapêutica medicamentosa e cirúrgica é necessária5,7.

Dentre as complicações das infecções sinusais odontogênicas ou não, as orbitárias são as mais comuns, sendo mais frequentes em crianças e geralmente associadas ao comprometimento dos seios etmoidais devido à proximidade entre a cavidade orbitária e o seio etmoidal e à fragilidade da parede etmoido-orbitária nessa fase da vida1,2. Outras complicações podem ocorrer com menos frequência como meningite, osteomielite e abscesso intracraniano2.

A celulite orbital é uma infecção bacteriana invasiva do tecido ocular pós-septal cuja microbiologia tende a refletir a afecção subjacente do seio paranasal envolvido, e os micro-organismos mais comumente envolvidos são Streptococcus pneumoniae, Moraxella catarrhalis, espécies de Haemophilus, Staphylococcus aureus, estreptococos do grupo A e anaeróbios do trato respiratório superior e cavidade oral8. Hemoculturas raramente são positivas, sendo a microbiologia definida por cultura de material líquido drenado de abscessos8. Os sintomas variam desde sinais flogísticos periorbitários até proptose do globo ocular, oftalmoplegia e amaurose3. O tratamento clínico consiste na administração de altas doses de antibióticos endovenosos capazes de cruzar a barreira hematoencefálica e monitorização da resposta por meio de sintomas e sinais sistêmicos e visuais. Se houver progressão do edema, diminuição da acuidade visual e/ou declínio no estado clínico, a TC deve ser realizada2. Exames de imagem também são úteis para verificar a etiologia dental da celulite orbitária, e a TC tem se mostrado o exame de escolha, sendo a hiperlucência periapical o achado mais associado (36,4%) com infecções orbitárias. Outros achados incluem o alargamento do espaço do ligamento periodontal, opacificação do seio, e edema de tecidos moles pré-malares4. Comprovada a presença de um abscesso, imediata intervenção cirúrgica deve ser instituída, por método convencional ou endoscópico funcional2. O atraso no diagnóstico e tratamento da celulite orbitária com ou sem abscesso eleva seu potencial para complicações graves que incluem a perda da visão, a trombose, a meningite e as infecções intracranianas8.


CONCLUSÃO

Embora atualmente as complicações orbitárias pós-sinusite e odontogênicas sejam menos frequentes, principalmente pela facilidade dos estudos por imagem, que permitem um diagnóstico mais preciso e precoce, assim como pelo uso de antibióticos de amplo espectro que auxiliam no tratamento adequado do processo infeccioso, estes quadros continuam ocorrendo e apresentando-se com a mesma gravidade se não diagnosticados e tratados adequadamente. O tratamento destas complicações requer um time de especialistas, como o otorrinolaringologista manejando a infecção sinusal, o oftalmologista cuidando das complicações visuais, o cirurgião bucomaxilofacial identificando e intervindo no foco dentário e o pediatra cuidando da parte clínica. Uma abordagem multidisciplinar rápida é necessária, pois a demora no diagnóstico pode levar à morte do paciente.


REFERÊNCIAS

1. Anselmo-Lima WT, Cruz AAV. Complicações das rinossinusites. In: Costa SS, Cruz OLM, Oliveira JAA. Otorrinolaringologia Princípios e Prática. 2ª. ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. p.673-9.

2. Mekhitarian Neto L, Pignatari S, Mitsuda S, Fava AS, Stamm A. Acute Sinusitis in Children - A retrospective study of orbital complications. Braz J Otorhinolaryngol. 2007;73(1):81-5.

3. Cruz AAV, Demarco RC, Valera FCP, Santos AC, Anselmo-Lima WT, Marquezini RMS. Orbital complications of acute rhinosinusitis: a new classification. Braz J Otorhinolaryngol. 2007;73(5):684-8.

4. DeCroos FC, Liao JC, Ramey NA, Li I. Management of odontogenic orbital cellulitis. J Med Life. 2011;4(3):314-7.

5. Vale DS, Araújo MM, Cavalieri I, Santos MBP, Canellas JVS. Sinusite maxilar de origem odontogênica: relato de caso. Rev Port Estomatol Cir Maxilofac. 2010;51(2):141-6.

6. Franche GL, Krumenauer RCP, Böhme ES, Mezarri A, Wiebbeling AMD. Sinusite odondogénica. Rev Gauch Odontol. 2006;54(2):175-7.

7. Brook I. Sinusitis of odontogenic origin. Otolaryngol Head Neck Surg. 2006;135(3):349-55. PMID: 16949963 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.otohns.2005.10.059

8. Fanella S, Singer A, Embree J. Presentation and management of pediatric orbital cellulitis. Can J Infect Dis Med Microbiol. 2011;22(3):97-100.










1. Residente - Residente de Pediatria pela Universidade Federal do Cariri/UFCA
2. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela Universidade Estadual do Ceará - Coordenadora da Residência Médica em Pediatria da Universidade Federal do Cariri/UFCA
3. Doutorando em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina do ABC/FMABC - Preceptor da Residência Médica e Internato de Pediatria da Universidade Federal do Cariri/UFCA
4. Mestre em Saúde da Criança e do Adolescente pela Universidade Estadual do Ceará/UECE - Coordenadora do Internato de Pediatria e Preceptora da Residência Médica da Universidade Federal do Cariri/UFCA

Endereço para correspondência:
Aline Oliveira Brito
Universidade Federal do Cariri. Faculdade de Medicina
Rua Divino Salvador, nº 284. Bairro do Rosário
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