ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2021 - Volume 11 - Número 2

Síndrome de Pfeiffer tipo 2: relato de um caso

Pfeiffer syndrome type 2: a case report

RESUMO

OBJETIVO: Descrever um caso raro de Síndrome de Pfeiffer tipo 2 em um recém-nascido do sexo masculino.
RELATO DE CASO: Recém-nascido do sexo masculino, pré-termo de 33 semanas e 2 dias, ultrassonografia seriada sugerindo no segundo trimestre presença de craniossinostose e outras anomalias como vértebras irregulares e estreitas, paquigiria e ventriculomegalia, sendo confirmada posteriormente com ressonância magnética. Não foram necessárias medicações e manobras obstétricas para o nascimento. Apgar de 4, frequência cardíaca menor que 100bpm, evolução respiratória precária, havendo necessidade de intubação orotraqueal, cateterismo venoso umbilical e sonda orogástrica. Com 2 horas de vida, apresentou bradicardia juntamente com instabilidade hemodinâmica, evoluindo para uma parada cardiorrespiratória sem sucesso na reanimação cardiopulmonar. Foi à óbito 3 horas após nascido.
COMENTÁRIOS: A síndrome de Pfeiffer é rara, sendo a tipo 2 a mais letal por possuir crânio em forma de trevo. É associada a mutações genéticas em receptores de crescimento de fibroblastos FGFR1, FGFR2 e FGFR3. A fusão prematura das suturas cranianas impede o crescimento normal do crânio interferindo no formato da face e cabeça. O prognóstico está associado à gravidade das anomalias e ao diagnóstico precoce através da história gestacional e familiar, por exames físicos detalhados e de imagens (ultrassonografia tridimensional e ressonância magnética). O paciente deve possuir tratamento multidisciplinar logo ao nascimento.

Palavras-chave: Acrocefalossindactilia, Criança, Craniossinostoses.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Report a rare case of Pfeiffer’s syndrome type 2 in a male newborn.
CASE REPORT: Newborn male, preterm term of 33 weeks and 2 days, serial ultrasound suggesting presence of craniosynostosis and other abnormalities such as irregular and narrow vertebrae, pachygium, and ventriculomegaly in the second trimester, being confirmed later with magnetic resonance imaging. There was no need for obstetrical medications and maneuvers for the birth. Apgar score 4, heart rate less than 100bpm, precarious respiratory evolution, orotracheal intubation, umbilical venous catheterization and orogastric tube were required. With 2 hours of life presented bradycardia along with hemodynamic instability evolved to a cardiorespiratory arrest with no success in cardiopulmonary resuscitation. He passed away 3 hours after birth.
COMMENTS: Pfeiffer’s syndrome is rare, being type 2 the most lethal because it has a clover-shaped skull. It is associated with the genetic mutations in fibroblast growth receptors FGFR1, FGFR2, and FGFR3. Premature fusion of the cranial sutures prevents normal skull growth by interfering with the shape of the face and head. The prognosis is associated with the severity of the anomalies and the early diagnosis through the gestational and family history, through detailed physical examinations and images (three-dimensional ultrasonography and MRI). The patient should have multidisciplinary treatment at birth.

Keywords: Acrocephalosyndactylia, Child, Craniosynostoses.


INTRODUÇÃO

Classificada como uma craniossinostose sindrômica de caráter autossômico dominante com penetrância completa de origem hereditária ou esporádica, relacionada com idade paterna avançada, a síndrome de Pfeiffer é rara e afeta uma em cada 100.000 pessoas1,2. Foi descrita por Rudolf Arthur Pfeiffer, em 19643, materializada pela presença de polegares desviados e hálux grandes e largos associados a malformações craniofaciais3,4.

Na maioria dos casos, está relacionada a mutações genéticas em três dos quatro receptores do fator de crescimento de fibroblastos FGFR1 lócus 8p11.2-p11.1 e FGFR2 lócus 10q26. Estudos demonstram que, entre as craniossinostoses, uma proporção maior de casos é causada por mutações no gene FGFR2, seguida por FGFR3 e por fim FGFR15. Define-se a variabilidade genética como “diferenças na expressão do gene mutante (diferenças na gravidade clínica, por exemplo) que podem resultar da mesma mutação em dois indivíduos devido a diferenças no background genético ou na experiência ambiental”6,7.

Existem três subtipos para a síndrome de acordo com a gravidade de suas manifestações8. A chamada síndrome de Pfeiffer “clássica” ou tipo 1, se manifesta de forma mais leve, de maneira que é possível observar quadros de braquicefalia, hipoplasia da face mediana, dedos largos dos pés e das mãos, e desenvolvimento neurológico e intelectual normais, sendo esse o subtipo mais comum. No tipo 2, de pior prognóstico, há malformações das vias aéreas superiores, atraso no desenvolvimento, proptose extrema, anormalidades nos dedos dos pés e das mãos, anquilose de cotovelo, crânio com formato de trevo - trigonocefalia - e hidrocefalia, com grave comprometimento neurológico. Por fim, o tipo 3 apresenta anormalidades semelhantes ao tipo 2, excetuando o crânio em formato de trevo9.


RELATO DE CASO

Recém-nascido do sexo masculino, filho de pais saudáveis, não consanguíneos, sem antecedentes de malformações congênitas ou doenças heredofamiliares. Gestação assistida em outro serviço, com ultrassonografias seriadas, sugerindo no segundo trimestre, presença de craniossinostose, vértebras irregulares e estreitas, paquigiria e ventriculomegalia, confirmadas posteriormente com ressonância magnética gestacional. Sorologias maternas negativas.

Mãe admitida em trabalho de parto expulsivo, com 33 semanas e dois dias de gestação, não sendo necessário uso de medicações ou manobras obstétricas para o nascimento. Tratava-se de segunda gestação precedida por aborto de gemelares, pesando 2.325 gramas, 40 centímetros, com Apgar de quatro no primeiro minuto.

Recepcionado em campos estéreis, levado ao berço aquecido, secado, realizada troca de campos, aspiradas as vias aéreas e monitorizado (saturação e ritmo cardíaco). A frequência cardíaca era menor que 100 batimentos por minuto. Iniciado ventilação com pressão positiva, com concentração inicial de oxigênio de 21%, numa frequência de aproximadamente 40 respirações por minuto. Após 15 segundos, não atingiu a frequência desejada mesmo com movimentos torácicos adequados. Manteve-se a pressão positiva com aumento da oferta de oxigênio para 100%, e, em seguida, optou-se por intubação orotraqueal, cateterismo venoso umbilical e sondagem orogástrica. Foi encaminhado para unidade de terapia intensiva neonatal, acoplado à ventilação mecânica, colhidos exames laboratoriais e feito radiografia de tórax e abdome.

No exame físico notou-se a presença de múltiplas malformações: alteração da configuração craniofacial, com trigonocefalia - “crânio em trevo” (figura 1) hipertelorismo, proptose ocular, implantação baixa das orelhas, escoliose torácica e lombar (figura 2), anquilose dos cotovelos, sinostose do úmero, rádio e ulna, e extremidades com polegares e haluxes varo e largos com sindactilia em mãos e pés.


Figura 1. Craniossinostose em aspecto de trevo.


Figura 2. Aspectos radiológico das alterações ósseas.



Com duas horas de vida apresentou bradicardia com instabilidade hemodinâmica. Excluído hipotermia, distúrbios hidroeletrolíticos, ácido-básicos, de coagulação e anemia. Recebeu expansão volêmica com cristaloides e foi iniciado dopamina. Evoluiu com parada cardiorrespiratória, instituída reanimação cardiopulmonar sem sucesso. Foi a óbito três horas após o nascimento.


DISCUSSÃO

A fusão prematura das suturas cranianas (craniossinostose), principalmente a coronal, sagital e lambdoide, acaba impedindo o crescimento normal do crânio podendo levar a um aumento da pressão intracraniana, gerando a ruptura do crescimento alométrico e tendo como consequência a interferência no formato de toda a face e cabeça10.

Pode haver perda auditiva devido à oclusão completa ou parcial do canal auditivo externo, anormalidade visual devido à proptose ocular, malformações no sistema nervoso central (síndrome de Arnold-Chiari), convulsões, consolidação de vértebras, fenda palatina e atresia coanal. A hipoplasia de maxila pode levar a danos na córnea e restrição da passagem de ar e alimentos. Com relação aos pés e às mãos, podemos encontrar desde polegares largos e radialmente desviados até dedos grandes e braquidactilia. Malformações cardíacas, apesar de raras, podem estar presentes8,9.

O curso natural do desenvolvimento neuropsicomotor desses pacientes é desconhecido, já que a compressão craniana limita o crescimento do cérebro, expõe os olhos sobre órbitas rasas e impede o desenvolvimento da face média11,12. Apesar de ainda existirem falhas na clínica e cirurgias corretivas limitadas, é possível obter um resultado próspero a partir do diagnóstico pré-natal4.

A avaliação das craniossinostoses se inicia pela história gestacional, familiar e pelo exame físico detalhado, porém, o diagnóstico definitivo requer confirmação por métodos de imagem realizados durante a gestação, imagens tridimensionais nos casos em que não são encontradas anomalias cranianas, e ressonância magnética a fim de quantificar os defeitos ósseos, malformações cerebrais, musculares e de vias aéreas (atresia/estenose das coanas e anomalias laringotraqueais), permitindo abordagem e tratamento precoces13. Como o paciente relatado era acompanhado em outro serviço, apenas durante a entrevista realizada na sala de parto é que se tomou conhecimento da síndrome.

No caso apresentado, a trigonocefalia foi diagnosticada na ultrassonografia gestacional, entretanto, isoladamente não preenche os critérios diagnósticos da síndrome de tipo dois. Portadores da forma grave da doença podem evoluir a óbito intrauterino ou nas primeiras horas de vida, impedindo a avaliação molecular, considerada um complemento para a confirmação diagnóstica, dado a alta variabilidade clínica da doença. Cerca de 67% dos indivíduos acometidos apresentam mutações no gene FGFR2, dos quais 5% dos portadores do tipo um da síndrome apresentam mutações no gene FGFR114.

O tratamento precoce (realizado nos três primeiros meses de vida), tem como objetivo a descompressão da massa cerebral e o remodelamento do crânio, expandindo as órbitas ósseas, reduzindo a exoftalmia e ampliando as vias aéreas11. Essas intervenções estão relacionadas à diminuição do risco de complicações secundárias, aumento da sobrevida e devem ser analisadas individualmente12.

A assistência multidisciplinar deve ser instituída ao nascimento, visando aperfeiçoar o desenvolvimento das funções fisiológicas, melhores resultados estéticos e funcionais pós-cirúrgicos. Em contrapartida, cirurgias durante o crescimento da região facial tendem a apresentar resultados ruins, necessitando de novas abordagens no futuro. Já para as malformações esqueléticas, as técnicas cirúrgicas são limitadas e, quando possível, reservadas para correção e melhora das limitações causadas pela doença12-14.

Complicações são frequentes em portadores do tipo dois da síndrome de Pfeiffer. Destacam-se entre elas: pneumonias aspirativas, perda auditiva, hipertensão intracraniana, convulsões, infecções e hipoventilação crônica, além de complicações advindas das cirurgias9. O prognóstico desses pacientes está diretamente relacionado à gravidade das anomalias cranianas, respiratórias, e ao diagnóstico e tratamento precoces. Aqueles que possuem o tipo 1 geralmente apresentam boa evolução, enquanto os com tipo 2 e 3 estão associados à morte precoce9.

Ao pediatra cabe a investigação e o acompanhamento adequado durante o pré-natal, a programação para um parto e nascimento seguros e, acima de tudo, o encaminhamento desses pacientes para centros de referência que possam oferecer um acompanhamento multiprofissional, tratamento cirúrgico precoce, resultando em aumento da sobrevivência e melhora da qualidade de vida do doente.


REFERÊNCIAS

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Data de Submissão: 31/07/2019
Data de Aprovação: 07/09/2019