Relato de Caso
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Ano 2021 -
Volume 11 -
Número
2
Astrocitoma intramedular na infância
Intramedullary astrocytoma in childhood
Caroline Paula Silva1; Carolina Rodrigues Ercolano2; Dayara Mussi Salomão2; Thaiza Helena Labre Abdalla2; Ana Paula Kuczynski3,4
RESUMO
Os tumores intramedulares são raros na infância, sendo os astrocitomas mais da metade dos casos, apresentando-se como uma doença crônica pelo comportamento indolente. O relato constitui-se de uma criança de 2 anos e 3 meses com torcicolo e déficit motor em membro superior direito, que revelou tumor intramedular extenso do tipo glioma de baixo grau. Após ressecção cirúrgica com tumor residual, houve efeitos adversos ao protocolo quimioterápico de primeira linha, carboplatina e vincristina, instituindo-se a vinblastina semanal como alternativa. Houve significativa melhora clínica, apesar do aumento radiológico da lesão.
Palavras-chave:
Astrocitoma, Neoplasias, Criança.
ABSTRACT
Intramedullary tumors are rare in childhood, with astrocytomas being more than half of the cases, presenting as a chronic disease due to indolent behavior. The report consists of a 2-year and 3-month-old child with torticollis and motor deficit in the right upper limb, which revealed an extensive low-grade glioma intramedullary tumor. After surgical resection with residual tumor, there were adverse effects to the first-line chemotherapy protocol, carboplatin and vincristine, with weekly vinblastine being instituted as an alternative. There was significant clinical improvement despite the radiological increase of the lesion.
Keywords:
Astrocytoma, Neoplasms, Child.
INTRODUÇÃO
Os tumores intramedulares na população pediátrica são raros. Estes representam aproximadamente 4% dos tumores de sistema nervoso central (SNC), sendo os astrocitomas de baixo grau responsáveis por mais da metade dos casos. Os locais mais acometidos são a coluna cervical e torácica, com raros casos de acometimento total da medula espinhal1-3.
O astrocitoma de baixo grau apresenta-se como uma doença crônica de comportamento indolente, com taxas de sobrevida descritas na literatura de 95% em cinco anos e 80% em dez anos2,4. Portanto, o prognóstico funcional do paciente torna-se um importante fator na determinação da qualidade de vida5.
Os sintomas iniciais dos tumores intramedulares são inespecíficos e dependem da localização3. A conduta é controversa4,6, resseca-se cirurgicamente na maioria dos casos, o que pode necessitar de quimioterapia e radioterapia a depender da localização e da presença de lesão residual2,3. O objetivo deste relato é alertar o médico para o diagnóstico precoce do astrocitoma intramedular em um caso com dissociação clínico-radiológica.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo feminino, 2 anos e 3 meses de idade, levada ao atendimento médico com o seguinte histórico: dificuldade de abdução e movimento de membro superior direito (MSD), somada a dor em região cervical posterior, notados há um mês.
Realizado tratamento para torcicolo, sem melhora clínica. Durante a investigação, evidenciou-se lesão intramedular na região do bulbo cervical com extensão até quinta vértebra torácica e componente cístico na transição bulbomedular (Figura 1). A paciente foi submetida à cirurgia com ressecção parcial da tumoração. O exame anatomopatológico e a revisão identificaram glioma de baixo grau, tipo I pilocítico. No pós-operatório, a paciente evoluiu com melhora parcial dos movimentos de MSD e ausência de torcicolo.
Figura 1. RM ponderada em T2 realizada ao diagnóstico, mostrando imagem hiperintensa de bulbo até T5.
A ressonância magnética (RM) de controle, após 6 meses da cirurgia, evidenciou lesão residual com aumento de volume, o que fez obliterar parcialmente o canal vertebral no segmento cervical. Desse modo, a paciente foi encaminhada ao serviço especializado de oncopediatria com queixas de permanência de déficit em MSD e astenia. O exame físico evidenciou hipotrofia da musculatura e limitação da abdução de MSD, força grau III.
Devido à extensão e localização da lesão, a equipe de neurocirurgia excluiu a possibilidade de abordagem cirúrgica, indicando-se, assim, tratamento quimioterápico. Iniciou-se o esquema de primeira linha com vincristina 1,5mg/m2 e carboplatina 175mg/m2.
Após 3 meses do início da quimioterapia, a paciente permanecia em bom estado geral e sem intercorrências. Durante o sexto ciclo da quimioterapia de manutenção, esta apresentou reação anafilática à carboplatina, o que levou a substituição por vinblastina 6mg/m2 semanal. Ao término deste estudo, a paciente encontrava-se em bom estado geral, com melhora da sintomatologia inicial, tendo apresentado limitação moderada da abdução em MSD e força grau IV.
COMENTÁRIOS
Ao comparar com a literatura, foram descritos por Lowis et al. (1998)2 dois casos de astrocitoma intramedular em que os principais sintomas citados foram a limitação de movimento e dor cervical, assim como no caso aqui descrito.
Esses casos de Lowis et al. (1998)2 apresentaram tumorações vertebrais extensas em RM, um deles com diagnóstico anatomopatológico de astrocitoma anaplásico grau III e o outro com astrocitoma fibrilar de baixo grau. A evolução do tumor anaplásico foi de remissão completa com 15 meses de quimioterapia, pelo protocolo do grupo de estudo do câncer infantil do Reino Unido. O paciente com tumor fibrilar, além de duas ressecções cirúrgicas e um início tardio de quimioterapia, segundo protocolo de quimioterapia da Sociedade Internacional de Oncologia Pediátrica para glioma de baixo grau, apresentou o mesmo desfecho.
A tomada de decisão e a ordem das condutas de todos os casos foram distintas. No entanto, foi possível observar a rápida progressão tumoral após ressecção parcial e uma boa resposta à quimioterapia2. Todos os casos resultaram em melhora clínica expressiva dos pacientes, ainda que o presente caso tenha evoluído com aumento do volume tumoral na RM.
O sintoma mais comum é a dor, geralmente relacionada à região medular acometida e com piora noturna; dor radicular pode estar presente. Os tumores de tronco, e na transição cervicomedular, podem apresentar alterações de pares cranianos na forma de estrabismo convergente ou até déficit ponderal por disfagia. Também podem estar presentes um atraso ou regressão no desenvolvimento neuropsicomotor, além de posições viciosas, fraqueza assimétrica, alterações sensoriais, sinais de lesão de neurônio motor superior e hipotrofia muscular no exame neurológico3.
O tratamento dos tumores intramedulares não é bem definido devido aos poucos estudos que existem na literatura. Atualmente, a base do tratamento é a ressecção cirúrgica. Não existe consenso se a ressecção agressiva é melhor do que um procedimento mais conservador em questões de sobrevida e prognóstico2. Dependente da localização e do grau de infiltração, ainda que sejam tumores de baixo grau, a cirurgia algumas vezes não é possível3. De modo geral, a tendência é não sacrificar função e preservar qualidade de vida6. Assim, as opções podem ser radioterapia e quimioterapia.
A maioria dos estudos demonstra tendência à utilização da quimioterapia em detrimento à radioterapia2,7. Ainda que a radioterapia resulte em controle temporário da doença2, devido à exposição de um tecido imaturo à radiação e altas chances de segunda neoplasia, radionecrose e déficit estatural4, não é recomendado para crianças pequenas8.
O protocolo de primeira linha atual é feito com carboplatina em associação à vincristina, com resposta em cerca de 50 a 60% dos casos. A reação alérgica à carboplatina pode ocorrer em 40% dos casos e inviabiliza o protocolo9. A vincristina pode estar relacionada à neuropatia periférica reversível. Outros protocolos utilizam quimioterápicos como etoposide e cisplatina que, apesar de mostrarem 70% de resposta em astrocitomas de baixo grau, estão associados a maiores taxas de leucemia e perda auditiva, respectivamente1.
No caso apresentado, a escolha terapêutica, diante da impossibilidade do uso do protocolo de primeira linha, foi o uso de vinblastina em esquemas semanais. Tal esquema apresentou, no estudo de Bouffet et al. (2012)9, resposta ligeiramente menor do que o esquema de primeira linha utilizado com carboplatina associado à vincristina e também à associação de etoposídeo com cisplatina. A vinblastina mostrou-se muito bem tolerada com baixa toxicidade, sem relação com o tipo histológico do glioma de baixo grau, idade ou resposta a quimioterapia prévia9. A resposta clínica do paciente nem sempre se associa à resposta com o exame de imagem7, o que deve ser levado em conta para não descontinuar o tratamento por inferir falha terapêutica frente à dissociação clínico-radiológica9. Nessas circunstâncias, o estado geral do paciente é o fator mais importante a ser pontuado.
A possibilidade de resposta à quimioterapia de segunda linha é essencial para evitar as possíveis consequências debilitantes da cirurgia e radioterapia. O caso apresentado até o momento da finalização deste artigo estava na 48ª semana de vinblastina (total de 52) com boa evolução clínica, apesar da persistência do déficit motor em membro superior em menor grau e do aumento do volume tumoral observado nos exames de imagem (Figura 2).
Figura 2. RM ponderada em T2, mostrando a lesão de mesmo aspecto, durante a 45ª semana de quimioterapia.
Ainda que o diagnóstico precoce seja o ideal, os sintomas inespecíficos dificultam o reconhecimento da doença nas fases iniciais. Diante do exposto, são necessários novos estudos que possam contribuir para uma maior eficácia de protocolos quimioterápicos em gliomas de baixo grau intramedulares.
Este trabalho foi aprovado pelo comitê de ética local no dia 30 de abril de 2019, sob o parecer de número 3.295.739.
REFERÊNCIAS
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1 Hospital Pequeno Príncipe, Residente de Cancerologia - Curitiba - Paraná - Brasil
2 Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Escola de Medicina - Curitiba - Paraná - Brasil
3 Hospital Pequeno Príncipe, Hemato-oncologia - Curitiba - Paraná - Brasil
4 Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Professora Titular do departamento de Pediatria - Curitiba - Paraná - Brasil
Endereço para correspondência:
Caroline Paula Silva
Hospital Pequeno Príncipe
Rua Desembargador Motta, nº 1070, Água Verde
Curitiba - PR. Brasil. CEP: 80250-060
E-mail: caroline_paula06@hotmail.com
Data de Submissão: 06/05/2019
Data de Aprovação: 10/12/2019