ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2021 - Volume 11 - Número 2

Associação do peso ao nascer no desenvolvimento de sobrepeso/obesidade em escolares com idade entre 5-9 anos em Fortaleza, Ceará, Brasil

Association of weight at birth in the development of overweight/obesity in schools aged from 5-9 years in Fortaleza, Ceara, Brazil

RESUMO

INTRODUÇÃO: As alterações no perfil nutricional da população têm acarretado um aumento da obesidade em adultos e crianças. O peso ao nascer pode ser um determinante de risco de sobrepeso/obesidade e é considerado um indicador de saúde, podendo influenciar o crescimento e desenvolvimento da criança, afetando também na idade adulta.
OBJETIVO: Este trabalho pretende verificar a associação entre o peso ao nascimento e sobrepeso/obesidade em crianças de 5 a 9 anos.
MÉTODOS: Estudo observacional e descritivo, transversal, com dados primários de amostra de 500 escolares de 5 a 9 anos de instituições públicas da cidade de Fortaleza/CE. Utilizaram-se dados coletados por formulário estruturado, de relato da história familiar pelos responsáveis, e medidas de peso e estatura aferidas durante entrevista. Variáveis contínuas foram comparadas por testes não-paramétricos e variáveis independentes por qui-quadrado e do teste exato de Fisher, significativas com valor p<0,05.
RESULTADOS: Baixo peso (<2.500g) e peso superior a 3.500g correlacionaram-se positivamente com sobrepeso/obesidade. Quarenta por cento dos que nasceram com baixo peso e 52,9% dos que nasceram com peso superior a 3.500g tinham sobrepeso/obesidade na idade escolar (p=0,001). Observou-se também associação estatisticamente significante com a classe social mais baixa (OR=3,51; IC95%: 1,60-7,69), com a renda per capita maior (OR=1,59; IC95%: 1,08-2,33) e com o peso ao nascer >3.500g (OR=2,55; IC95%: 1,67-3,90).
CONCLUSÃO: Este estudo demonstrou associação estatisticamente significativa entre o peso ao nascer com sobrepeso e obesidade, corroborado por outros estudos que também investigaram essa associação.

Palavras-chave: Peso ao Nascer, Doenças Cardiovasculares, Obesidade Pediátrica.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Changes in the nutritional profile of the population in recent decades have led to an increase in obesity in adults and children. Birth weight may be a determinant of overweight/obesity risk and is considered a health indicator, which may influence the childs growth and development, also affecting health in adulthood.
OBJECTIVE: This study aims to check the association between birth weight and overweight/obesity in children aged 5 to 9 years.
METHODS: Observational and descriptive cross-sectional study with primary data on a sample of 500 schoolchildren aged 5 to 9 years, enrolled in public institutions in Fortaleza, CE. Primary data was collected with a structured form, family history and measures of weight and height at the time of the interview. Continuous variables were compared using non-parametric tests and categories of independent variables using chi-square and Fishers exact test, with a p-value<0.05.
RESULTS: Both low weight (<2.500g) and weight over 3.500g were positively correlated with the presence of overweight/obesity, with 40.54% of those born with low weight and 52.9% of those born with weight over 3.500g were overweight/obese at school age (p=0.001). A statistically significant association was found with the lowest social class (OR=3.51, 95%CI: 1.60-7.69), with the highest per capita income (OR=1.59, 95%CI: 1.08-2.33) and with birth weight over 3.500g (OR=2.55, 95%CI: 1.67-3.90).
CONCLUSION: This study demonstrated a statistically significant correlation between overweight/obesity and birth weight, corroborated by other studies that investigate the same association.

Keywords: Birth Weight, Cardiovascular Diseases, Pediatric Obesity.


INTRODUÇÃO

As alterações no perfil nutricional da população, nas últimas décadas, têm acarretado um aumento da obesidade e uma redução da desnutrição entre adultos e crianças. O peso ao nascer pode ser um determinante de risco de sobrepeso/obesidade, estando relacionado, entre outros fatores, ao crescimento intrauterino e ao estado nutricional do recém-nascido1.

A avaliação do estado nutricional tem se tornado aspecto cada vez mais importante no estabelecimento de situações de risco, no diagnóstico nutricional e no planejamento de ações de promoção à saúde e prevenção de doenças. Sua importância é reconhecida tanto na atenção primária, para acompanhar o crescimento e a saúde da criança e do adolescente, quanto na detecção precoce de distúrbios nutricionais, seja desnutrição, seja obesidade2.

Entre os diversos fatores associados a sobrepeso/obesidade na infância, o peso ao nascer aparece com grande frequência. Ademais, o índice de massa corporal (IMC), incluindo-se também o de ambos os pais, a renda familiar e o tipo de escola que a criança frequenta podem contribuir para sobrepeso/obesidade na infância3,4. Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 1 a cada 3 crianças no Brasil está acima do peso e cerca de 9,5% das que se encontram na faixa etária dos 5 aos 10 anos são obesas5.

O peso ao nascer apresenta ainda relação com riscos biológicos maternos, tais como ganho ponderal gestacional, IMC da mãe prévio a gestação e a presença de diabetes mellitus prévio, igualando achados de estudos brasileiros com o de outros países6.

A partir de 1986, em uma série de estudos pioneiros de David Barker e colaboradores, observou-se associação entre o baixo peso ao nascer, caracterizado pelo peso de nascimento abaixo de 2.500g, e a presença de sobrepeso/obesidade na infância, na adolescência e na vida adulta, além de maior risco de outras doenças cardiovasculares no futuro. As crianças com baixo peso ao nascer são descritas como apresentando tecido muscular reduzido e número elevado de adipócitos. Este fenótipo persiste além do período pré-natal e pode associar-se ao aumento da adiposidade central na infância, propiciando maior risco de hipertensão arterial e doenças cardiovasculares no adulto. Além desses fatores, foi evidenciada relação do baixo peso ao nascer com idade gestacional, idade materna, renda per capita, escolaridade materna e internação durante o período gestacional. O elevado peso ao nascer, entretanto, caracterizado pelo peso de nascimento igual ou superior a 4.000g, também tem sido associado ao desenvolvimento de excesso de peso corporal na infância e adolescência6,7,8,9.

Resultados que se opõem às evidências da associação significativa com elevado peso ao nascer, contudo, também têm sido descritos, especialmente em estudos realizados em países em progressão econômica. Sabendo-se que o baixo peso ao nascer é mais prevalente em populações empobrecidas e em desenvolvimento, enquanto o elevado peso ao nascer apresenta números aumentados em alguns países desenvolvidos, o nível socioeconômico das amostras avaliadas tem sido apontado como um importante viés de confundimento na associação do peso ao nascer com sobrepeso/obesidade. No município de Diamantina/MG, um estudo evidenciou que o padrão socioeconômico familiar influencia no IMC por idade, ao passo que a faixa etária interfere em índices de peso/estatura por idade. Por esse motivo, a associação parece ainda inconsistente em estudos feitos com crianças de países em ascensão6,9,10.

Existem poucos estudos baseados na população pediátrica brasileira, realizados nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. A região Nordeste, a qual possui elevado número de crianças com baixo peso ao nascer e marcantes diferenças socioeconômicas comparada às outras regiões, não apresenta estudos relevantes. Devido à transição nutricional, o Nordeste cursa com aumento crescente da prevalência de sobrepeso e obesidade, o que pode expandir a importância do elevado peso ao nascer na saúde da população futura11,13,14.

A obesidade apresenta impactos negativos na infância e, posteriormente, na vida adulta, levando à hipertensão, marcadores precoces de doença cardiovascular, resistência à insulina e efeitos psicológicos adversos. Mediante o exposto, torna-se importante consolidar a relação do baixo peso ao nascer e do elevado peso ao nascer com sobrepeso/obesidade na infância, com foco em desenvolver medidas preventivas no âmbito da saúde materna e infanto-juvenil15.

Dessa maneira, o objetivo deste estudo foi correlacionar o peso ao nascimento de um grupo de crianças de um município do Ceará, assim como suas condições socioeconômicas, com a ocorrência de sobrepeso/obesidade, buscando avaliar essa associação como fator de risco para sobrepeso/obesidade na infância.


MÉTODOS

Trata-se de estudo observacional e descritivo, do tipo transversal, realizado no período de março/2016 a março/2017. Foi conduzido na cidade de Fortaleza - Ceará, a qual é dividida em seis regionais, sendo cada regional administrada por uma secretaria executiva regional (SER). A amostra do estudo foi constituída por 500 crianças escolares, de ambos os sexos, com idade de 5 a 9 anos, 11 meses e 29 dias das escolas públicas selecionadas da Regional IV, que os responsáveis concordaram em incluir no estudo, assinando o termo de consentimento livre e esclarecido.

A Regional IV corresponde à região central da cidade, sendo a única das regionais que faz divisa com todas as outras da cidade, abrangendo 19 bairros. Os estudantes da rede pública da Regional IV estão distribuídos em uma escola federal, 26 escolas estaduais, 28 escolas municipais e 103 escolas privadas. Foram delineadas escolas públicas no município de Fortaleza por meio dos registros de escolas da secretaria municipal e estadual de educação. Por meio de sorteio, selecionaram-se as escolas públicas vinculadas a SER IV. Nessas escolas, de forma aleatória, por sorteio, as crianças foram convidadas para o estudo.

Composta por 11 unidades básicas de saúde (UBS), possui um hospital municipal, que é a segunda maior emergência do Ceará e o maior hospital de referência pediátrica do Ceará, o Hospital Infantil Albert Sabin (HIAS). O Hospital Infantil Albert Sabin foi o local de referência para o qual foram encaminhadas as crianças após o sorteio nas escolas, para serem realizados os procedimentos necessários durante a pesquisa.

Para o cálculo do tamanho da amostra, foi considerado o número de crianças das escolas públicas da Região IV de Fortaleza e a incidência de dislipidemias na infância, baseando-se na I Diretriz de Prevenção da Aterosclerose na Infância e Adolescência, na V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose. Foi estimada a prevalência de dislipidemia em 35%. Foi calculada a proporção segmentar por faixa etária, para que fosse representativa de todas as idades. O tamanho da amostra final supôs uma margem de erro máximo de 3% e nível de confiança de 95%. Foram excluídas todas as crianças que tinham doenças crônicas de base, que estivessem em uso de qualquer medicação que interferisse nas variáveis analisadas e que estivessem na escala de maturação sexual de Tanner em estágio 2 ou acima.

Com a aprovação da secretaria municipal de educação de Fortaleza, as escolas sorteadas foram visitadas para serem dadas informações a respeito da pesquisa. Foram obtidos dados primários por um entrevistador previamente treinado, coletados através de formulário aplicado, de relato da história familiar pelos responsáveis e através de medidas de peso e estatura aferidas no momento da entrevista. O formulário estruturado aplicado reuniu as seguintes variáveis: identificação (nome, sexo, escola, ano de ensino, data de nascimento, idade, em anos completos e meses, número de habitantes no domicílio, quantos irmãos possui e a cor da pele; avaliação do nível econômico segundo o critério de classificação econômica Brasil; escolaridade dos pais, com classificação de forma categórica em ensino fundamental, médio, superior, completo ou incompleto); condições de parto e nascimento (peso de nascimento, capurro/idade gestacional, perímetro cefálico, comprimento); antecedentes pessoais e familiares (história familiar para risco de aterosclerose, hipertensão, dislipidemia, diabetes e obesidade; avaliação alimentar (análise quantitativa e qualitativa da dieta por meio de inquérito alimentar e da avaliação dos hábitos alimentares) e avaliação física (avaliação do nível de atividade física das crianças pela mensuração do tempo de inatividade recreacional com a medida do número de horas de lazer utilizadas com televisão, jogos eletrônicos e/ou computador, por dia, e questionário de atividades físicas de lazer).

Em relação às variáveis antropométricas, foram realizados os seguintes procedimentos: pesagem da criança (medido peso em kg, mensurado em balança antropométrica digital Filizola tipo adulto, de pé, com precisão de 100g. A criança foi pesada com roupas leves, sem calçados e pés justapostos, de acordo com as normas preconizadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS), 200712) e verificação de estatura (verificada a altura da criança em centímetros, medida em estadiômetro, de acordo com as normas preconizadas pela OMS, 200712). Para o cálculo do IMC, foi realizado o cálculo do peso em kg sobre peso ao quadrado (kg/m2) e a partir das medidas obtidas classificado pelas tabelas de z escore da OMS, 200712, com os seguintes critérios por idade e sexo: escore-z <2 = magreza; escore-z ≥-2 e <+1 = eutrofia; escore-z ≥+1 e <+2 = sobrepeso e escore-z ≥+2 = obesidade.

Para caracterizar a população do estudo, foi realizada análise bivariada com testes paramétricos e não paramétricos dependendo das especificidades das distribuições e unidades de medida das variáveis. As distribuições de variáveis contínuas foram descritas por meio da média e do desvio padrão. E das variáveis categóricas pela frequência relativa das categorias. As análises univariadas foram desenvolvidas pela comparação de proporções pelo teste do qui-quadrado, quando o menor valor esperado das células da tabela de contingência foi maior do que cinco. Nas demais situações, o teste exato de Fisher foi aplicado. Houve a seleção de variáveis independentes, compondo os modelos de regressão logística múltipla.

Para o processamento e análise dos dados, foi utilizado o software STATA 13.0. Os formulários foram revisados, depois digitados, sendo realizados a validação e os relatórios de consistência para detecção de erros e correção. O protocolo de pesquisa foi submetido à apreciação para aprovação do comitê de ética para análise de projetos de pesquisa - CAPPesq - da diretoria clínica do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, sendo aprovado em sessão de 08/08/2012 sob protocolo de pesquisa com registro no 194/12.


RESULTADOS

Participaram do estudo 500 crianças de 5 a 9 anos, 11 meses e 29 dias, que foram categorizadas por faixas etárias de 5, 6, 7, 8 e 9 anos, sendo, respectivamente, 117 crianças com 5 anos (23,4%); 66 crianças de 6 anos (13,2%); 129 crianças de 7 anos (25,8%); 100 crianças de 8 anos (20%); e 88 crianças de 9 anos (17,6%). Eram do sexo feminino 260 crianças (52%) e do sexo masculino 240 crianças (48%) (Tabela 1).




Com relação à raça, observou-se que a grande maioria era parda (72,8%), seguida da raça branca (19,6%), e uma minoria negra (6,6%) e indígena (1,0%).

A escolaridade das crianças está apresentada na Tabela 1. Quanto à avaliação do grau de escolaridade materna, 38,4% tinham ensino fundamental incompleto, 30,2% tinham fundamental completo ou médio incompleto e 26,8% tinham até ensino superior incompleto.

De acordo com o Critério Brasil de divisão por classes sociais, observou-se que a grande maioria dos participantes se encontrava nas classes C1 e C2 (classe média e média baixa), em torno de 74,8% da amostra14.

Com relação ao tipo de habitação, 63,8% tinham casa própria. A média do número de irmãos foi de 1,9 (±1,4) irmão por criança. A média de pessoas morando no mesmo domicílio da criança que participou do estudo foi de 4,4 (±1,3) pessoas/domicílio. Durante a entrevista, 15 participantes não quiseram informar sua renda por motivos diversos, ficando ausente essa informação para eles. A renda mensal média foi de R$1.136,30 (±617,63), variando entre o mínimo de R$100,00 a R$4.990,00 reais. A renda per capta média foi de R$267,69 (±146,64). Na divisão da renda per capta por quartil, observou-se que 50,52% tinham renda per capta no 1o e 2o quartil, e 49,48% tinham renda per capta no 3o e 4o quartil.

Em relação aos dados do nascimento, a idade gestacional média foi de 38,5 (±1,6) semanas, sendo que 25 crianças (5,0%) nasceram com menos de 37 semanas, 466 crianças (91,36%) nasceram entre 37 e 41 semanas e 9 crianças (1,8%) nasceram com 42 semanas ou mais. Em relação ao peso de nascimento, a média foi de 3.240,7g (±0.526); e as faixas de peso tiveram a seguinte distribuição: 37 crianças (7,4%) tiveram peso ao nascer de menos de 2.500g, 325 crianças (65%) nasceram com peso entre 2.500g e 3.500g e 138 (27,6%) nasceram com peso superior a 3.500g (Tabela 2).




Foi observado no estudo que 295 (59%) crianças eram eutróficas, 134 (26,8%) tinham sobrepeso, 60 (12%) tinham obesidade e 5 (1%) crianças tinham obesidade grave, segundo a classificação do IMC pelo escore-z. Sobrepeso, obesidade e obesidade grave somados chegaram ao valor 199 crianças (39,8% dos participantes) (Tabela 3).




Evidenciou-se que tanto o baixo peso (<2.500g) quanto o peso elevado (>3.500g) correlacionaram-se positivamente com a presença de sobrepeso/obesidade nas crianças do estudo, sendo que 40,54% daqueles que nasceram com baixo peso e 52,9% daqueles que nasceram com peso elevado tinham sobrepeso/obesidade na idade escolar (p=0,001), como observado na Tabela 3.

Em análise multivariada para sobrepeso/obesidade, na Tabela 4, observa-se que houve associação estatisticamente significante com a classe social mais baixa (OR=3,51; IC95%: 1,60-7,69), com a renda per capita maior (OR=1,59; IC95%: 1,08-2,33) e com o peso ao nascer elevado (>3.500g) (OR=2,55; IC95%: 1,67-3,90).




DISCUSSÃO

Este estudo foi o primeiro do Estado do Ceará realizado em escolares com idade entre de 5 a 9 anos provenientes de instituições públicas da Regional IV da cidade de Fortaleza, totalizando 500 participantes, representando 0,57% do total da faixa etária do local de estudo de acordo com IBGE. A distribuição por sexo, por faixa etária e por raça estava equivalente aos dados do IBGE, demonstrando equilíbrio da amostra17.

Com relação à escolaridade das crianças, observou-se adequação ao nível escolar esperado para cada faixa etária, sem atrasos consideráveis. O nível de instrução materna mostrou que a maioria tinha algum grau de escolaridade, sendo que 30,2% tinham até ensino médio incompleto e 27,2% tinham de ensino médio completo a superior. Somente 3,8% das mães das crianças não eram alfabetizadas.

Foi demonstrado que a maioria dos participantes se inseria nos níveis sociais C1 e C2 de acordo com o Critério Brasil, correspondendo às classes média e média baixa. De acordo com ABEP, no ano de 2016, Fortaleza apresentava 15% da população inserida na classe C1 e 26,1% na classe C2, correspondendo a 41,1% da população classificada como média e média baixa, assim como observado no estudo16.

A renda média mensal foi R$1.136,30 (±617,63), aproximando-se dos dados divulgados pelo Critério Brasil para o estrato socioeconômico C2, estimado em R$1.625,00 mensais16.

A associação entre condições socioeconômicas e suas consequências para o peso em crianças é controversa. Renda e educação estão associados à escolha e à disponibilidade de alimentos. Famílias economicamente menos favorecidas são mais suscetíveis à falta de determinados insumos, o que leva a práticas compensatórias, como o aumento do consumo de produtos de baixo custo, geralmente muito calóricos e com baixo teor de nutrientes. Embora vários estudos associem tal suscetibilidade com excesso de peso18,19, outros estudos não demonstraram tal associação20,21,22.

Um estudo transversal publicado no ano de 2016, que demonstrou os fatores associados ao índice de massa corporal (IMC) em crianças brasileiras baseado nos dados de Pesquisa Demográfica e de Saúde de Crianças e Mulheres (PNDS) entre 2006 e 2007, evidenciou que as condições socioeconômicas influenciaram positivamente o aumento de IMC em crianças em 82,9% da amostra estudada. Observou-se ainda que 14,6% foi mediado pela ingestão de alimentos obesogênicos, indicando que, à medida que o nível socioeconômico aumenta, as escolhas alimentares podem levar ao aumento na ingestão de produtos não saudáveis preditores do aumento do IMC infantil22,23.

A avaliação dos dados de nascimento dos participantes do estudo mostrou que a idade gestacional média foi 38,5 (±1,6) semanas e que a maioria das crianças nasceu com idade gestacional adequada (91,36%), com frequência de partos nascidos com menos de 37 semanas de apenas 5%. O peso ao nascer teve média de 3.240,7g (±0.526); com uma frequência de baixo peso ao nascer de 7,4% e de peso acima de 3.500 de 27,6%. No Brasil, estudos populacionais mostram que a média de peso ao nascer é de 3.168g e o baixo peso foi constatado em 8,5% dos nascimentos do país, com variações regionais, sendo no Sudeste de 9,2% e no Norte de 7,6%24.

Foi demonstrado que o peso ao nascer correlacionou-se positivamente com a presença de sobrepeso/obesidade na criança. Dentre as nascidas com baixo peso, 40,54% apresentaram sobrepeso/obesidade na idade atual; e, dentre as crianças nascidas com peso superior a 3.500g, houve 52,9% de excesso de peso na idade escolar atual (p=0,001). Na na análise multivariada para avaliar a magnitude de associação entre sobrepeso/obesidade e variáveis independentes, evidenciou-se uma forte associação do sobrepeso/obesidade com o peso acima de 3.500g (p=0,000), com 2,55 mais chance de ter excesso de peso (IC95%: 1,67-3,90).

Tal constatação também foi evidenciada em metanálise que envolveu estudos provenientes de países em desenvolvimento na América do Norte e do Sul, Europa, Ásia e Austrália, demonstrando com alta consistência que um aumento do peso ao nascer (>4.000g) pode levar a uma duplicação do risco de excesso de peso a longo prazo, independentemente da situação geográfica/étnica, origem, sexo, status socioeconômico, status de peso parental, etc.25.

Dados semelhantes foram demonstrados por Yu et al. (2011)26 em metanálise de 15 estudos provenientes principalmente da China, com resultados similares, identificando-se elevado peso ao nascer associado com aumento do risco de obesidade, além de baixo peso ao nascer associado com diminuição desse risco.

Segundo Parsons et al., em metanálise que incluiu estudos predominantemente longitudinais, foram encontradas evidências de uma associação positiva entre o peso ao nascer e a obesidade em crianças menores de sete anos, porém poucos artigos abordaram potenciais variáveis de confusão como idade gestacional, obesidade dos pais e situação socioeconômica. Um dos estudos revisados pelo autor mostrou um efeito não linear do peso ao nascer sobre a obesidade.

Nos países desenvolvidos, o elevado peso ao nascer é o principal fator de risco associado à obesidade entre crianças e adolescentes cujas mães apresentaram diabetes mellitus gestacional. O mesmo estudo concluiu que pesquisas sobre o assunto devem ser realizadas com rigor metodológico, buscando identificar fatores que possam reduzir o efeito do peso ao nascer sobre o sobrepeso/obesidade entre crianças e adolescentes1,3.

Apesar de um grande número de publicações evidenciar uma associação predominantemente positiva entre o peso ao nascer e o excesso de peso na infância, em revisão sistemática de Martins e Carvalho, não foi possível estimar, em uma única medida, o quanto o peso ao nascer contribui para o surgimento do sobrepeso e/ou obesidade, seja pelas várias definições atribuídas ao excesso de peso pelos diferentes desenhos utilizados ou às limitações relacionadas aos métodos de análise empregados. Além disso, outros fatores, como a obesidade dos pais, principalmente a materna, seria um preditor importante para a obesidade infantil, independente do peso ao nascer, idade gestacional e da situação socioeconômica28.

Outro aspecto a ser enfatizado e que é objeto de estudo de revisões de literatura, é o papel da velocidade de ganho de peso no desenvolvimento de sobrepeso/obesidade. Uma revisão sistemática29, cita a influência do rápido crescimento durante os quatro primeiros meses de vida no desenvolvimento de obesidade aos sete anos, independente do peso ao nascer, da idade gestacional, do peso à idade de um ano, do IMC e do nível educacional materno. A definição de crescimento rápido adotada foi uma variação igual ou maior a +1 escore-z de peso para idade. A análise final apontou uma associação independente entre a taxa de ganho de peso nos quatro primeiros meses de vida e o sobrepeso aos sete anos, ajustando por “peso ao nascer” e diversas variáveis. Ainda que o estudo priorizasse verificar a influência de fatores genéticos, não foi possível confirmar essa hipótese30.

Outros estudos verificaram o efeito do crescimento rápido decorrente da restrição do crescimento intrauterino no risco da obesidade (catch-up). Segundo Eriksson et al. (2001)31, o risco de obesidade em adultos foi maior quando, em crianças, tiveram um incremento no IMC ainda que nascidas com baixo peso28,31.

Ainda segundo a revisão de Parsons et al. (1999)27, crianças que nasceram com baixo peso também tiveram um maior risco de adquirir obesidade na infância, ainda que esse risco fosse maior para as crianças que nasceram com peso elevado25. Tal fato pode ser explicado por uma corrente teórica que enfatiza aspectos predominantemente biológicos, relacionados à hipótese da programação fetal, na qual o baixo peso ao nascer, resultado de condições intrauterinas adversas, promoveria uma reprogramação compensatória durante a infância, levando a um maior risco de doenças crônicas nos adultos9,32.

Em contraponto, de acordo com revisão de Martorell et al. (2001)31, que investigou a influência de fatores nutricionais durante a gestação e nos três primeiros anos de vida no desenvolvimento da obesidade em adultos e adolescentes, as evidências de risco para o baixo peso ao nascer e para a restrição do crescimento intrauterino no desenvolvimento de obesidade em adolescentes ou adultos foram inconsistentes28.

Recentemente, a teoria sobre as origens desenvolvimentistas da saúde e da doença (DOHaD) sobre causas precoces de doenças futuras tornou-se uma das mais promissoras na medicina. O DOHaD agrega informações advindas de várias áreas do conhecimento, propondo novas metodologias de investigação no sentido de esclarecer a influência de eventos adversos ocorridos em fases precoces do desenvolvimento humano sobre o padrão de saúde e doença ao longo da vida. Esse novo campo da ciência propõe novos modelos de causalidade e mecanismos envolvidos no surgimento e desenvolvimento de doenças crônicas. Os resultados dessas investigações poderão resultar em impacto significativo na prevenção de doenças crônicas, bem como na promoção de saúde em diferentes fases da vida.

O peso ao nascer, especialmente, tem sido sugerido e usado como indicador básico para estabelecer essa influência, uma vez que uma vez que é decisivamente determinado pelas condições de desenvolvimento pré-natal25.


CONCLUSÃO

O excesso de peso está entre os principais fatores desafiadores à saúde atualmente. Tem sido evidenciado que o peso ao nascer, sendo um indicador crítico das condições de desenvolvimento pré-natal, está relacionado ao risco de excesso de peso a longo prazo. O presente estudo demonstrou associação estatisticamente significativa entre o peso ao nascer com sobrepeso e obesidade, corroborado por outros estudos que se propõem a investigar a mesma associação. O estudo tem como fragilidade não analisar estatisticamente todos os fatores que podem levar à obesidade, de modo que comprove completamente a associação referida. Mais estudos, no entanto, são necessários para consolidar essa relação, objetivando-se a médio e longo prazo o desenvolvimento de medidas preventivas no âmbito da saúde materna e infanto-juvenil.


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1. Hospital Infantil Albert Sabin, Residência em Pediatria - Fortaleza - Ceará - Brasil
2. Universidade de Fortaleza, Médica - Fortaleza - Ceará - Brasil
3. Universidade de São Paulo, Doutora em Pediatria - São Paulo - São Paulo - Brasil
4. Hospital Infantil Albert Sabin, Coordenadora da Residência de Pediatria - Fortaleza - Ceará - Brasil

Endereço para correspondência:
Ellen Mourão Soares Lopes
Hospital Infantil Albert Sabin
Rua Tertuliano Sales, nº 544, Vila União
Fortaleza - CE. Brasil. CEP: 60410-794
E-mail: ellenmourao@hotmail.com

Data de Submissão: 26/07/2019
Data de Aprovação: 06/09/2020