ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2021 - Volume 11 - Número 2

Dermatoses na infância: perfil dos pacientes atendidos no mutirão de dermatologia pediátrica

Skin disorders in childhood: pattern of dermatoses in a pediatric dermatology task force effort

RESUMO

OBJETIVOS: Traçar um perfil dos pacientes encaminhados aos centros especializados de dermatologia pediátrica e atendidos no mutirão realizado em 2016.
MÉTODOS: Trata-se de um estudo retrospectivo, transversal, observacional e analítico. Os dados foram coletados a partir das fichas dos pacientes atendidos, sendo incluídas as crianças e adolescentes de zero a dezesseis anos atendidas no mutirão. Os dados avaliados foram: idade, sexo, tempo de evolução da doença, tratamentos prévios, comorbidades, hipóteses diagnósticas, condutas e desfechos.
RESULTADOS: Dos 261 pacientes, 59% eram do sexo feminino, 13,8% lactentes, 31,4% pré-escolares, 31,8% escolares e 22,9% adolescentes. 62,5% não apresentava comorbidades, e entre as que apresentavam, observou-se um predomínio de doenças atópicas: rinite em 22,6% dos casos e asma em 15%. A maioria, 63,2%, já havia recebido algum tipo de tratamento. O grupo das doenças eczematosas foi o mais prevalente (37,2%), seguido pelas infecciosas (21%) e hiperplasias e neoplasmas benignos (15,7%). Dermatite atópica ocorreu em 19,9% dos pacientes. Entre as infecções, as virais ocorreram em maior número (11,8%), principalmente nos grupos pré-escolar e escolar. Dentro das desordens glandulares a acne foi a mais frequente (11,5%), tendo sua maior prevalência no grupo de adolescentes. Mais da metade dos pacientes recebeu alta, 32,6% foram encaminhados para a dermatologia pediátrica e 9,6% orientados a manter o acompanhamento na unidade de saúde.
CONCLUSÃO: As doenças eczematosas foram as mais frequentes, seguidas pelas infecciosas e pelo grupo das hiperplasias e neoplasmas benignos. A dermatite atópica foi a doença mais prevalente entre os pacientes atendidos.

Palavras-chave: Dermatopatias, Pediatria, Saúde da Criança, Saúde do Adolescente.

ABSTRACT

OBJECTIVES: The present study aims to trace a pattern of patients referred to the specialized centers of pediatric dermatology, which were attended in a workforce on 2016.
METHODS: It is a retrospective, cross-sectioned, observational and analytical study. Data were collected from the medical records. Children and adolescents from zero to sixteen years of age were included. Provided data were: age, sex, time of disease progression, previous treatments, comorbidities, diagnostic hypotheses, performed conducts, and outcomes.
RESULTS: Of the 261 patients, 59% female, 13.8% infants, 31.4% preschoolers, 31.8% school, and 22.9% teenagers. The majority (62.5%) had no comorbidities, and among the 98 who presented some, a predominance of atopic diseases was observed: rhinitis in 22.6% and asthma in 15%. The majority, 63.2%, had already received some type of treatment. Eczematous disorders were the most prevalent (37.2%), followed by infectious ones (21%), benign hyperplasias and neoplasms (15.7%). Atopic dermatitis occurred in 19.9% of patients. Among the infections, viral infections occurred in a greater number (11.8%), mainly in the preschool and school groups. Among the glandular disorders, acne was the most frequent (11.5%), and its highest prevalence was in adolescents. More than a half, 52.5% of the patients were discharged, 32.6% were referred to pediatric dermatology and 9.6% were directed to maintain the follow-up in primary care.
CONCLUSION: Eczematous disorders were the most frequent skin diseases, followed by infectious ones and by the group of benign hyperplasias and neoplasms. Among eczemas, atopic dermatitis was the most prevalent.

Keywords: Skin Diseases, Pediatrics, Child Health, Adolescent Health.


INTRODUÇÃO

Alterações cutâneas nas crianças são muito comuns, e perfazem cerca de 30% das queixas em consultas pediátricas. Dentre as consultas com dermatologistas, 30% envolvem crianças1,2.

A prevalência das doenças de pele na infância sofre influência de diversos fatores como a idade, sexo, aspectos climáticos, geográficos e socioeconômicos2,3. Muitas doenças de pele surgem apenas durante o período da infância, algumas se iniciam nos primeiros anos de vida e outras apresentam-se com características clínicas bem diferentes na criança, quando comparadas com os adultos. Além disso, existem sinais cutâneos presentes em síndromes (alterações neurocutâneas) e outros que indicam doenças sistêmicas e que nem sempre são semelhantes aos encontrados em adultos.

A maioria das afecções de pele na criança são agudas, porém, doenças como psoríase, vitiligo ou dermatite atópica podem ser crônicas e afetar os pacientes por toda a vida, podendo influenciar sua aparência e causar problemas de relacionamento interpessoal e na sua qualidade de vida4.

Estudos sobre o impacto das dermatoses nos Estados Unidos da América mostram que devido à alta prevalência, o custo e os gastos públicos com essas doenças são altos, incluindo os inerentes a serviços e produtos de saúde e à perda de produtividade, por faltas no trabalho e na escola5.

Portanto, avaliar o impacto das dermatoses na população pediátrica é fundamental para a prática da atenção primária, da pediatria e de especialistas na área6. Estudos epidemiológicos são importantes para a compreensão do espectro das doenças de pele em determinada região e formam a base para o planejamento do cuidado, da educação em saúde e atividades de pesquisa4,7.

A demanda de pacientes que busca a atenção primária com queixas cutâneas varia de 10 a 36,5% dependendo da região, e 4 a 10% dos pacientes precisam ser encaminhados ao especialista8.

Existe uma grande variedade de doenças cutâneas que chegam às unidades de saúde e dos médicos da atenção primária, espera-se que tenham a capacidade de reconhecer, tratar e acompanhar as lesões mais comuns, e reconhecer aquelas que necessitam ser encaminhadas para os serviços secundários e terciários8.

O presente estudo visa traçar um perfil clínico-epidemiológico dos pacientes e das principais dermatoses atendidos em um mutirão de dermatologia pediátrica realizado pelo hospital de referência do estado em parceria com a secretaria municipal de saúde.


MÉTODOS

Trata-se de um estudo retrospectivo, transversal, observacional e analítico. Os dados foram coletados a partir das fichas de atendimento elaboradas pelo serviço de dermatologia pediátrica do hospital de referência do estado e preenchidas pelos médicos que trabalharam durante o mutirão do dia 05 de novembro de 2016 que ocorreu nas dependências de uma das unidades básicas de saúde do município.

Por um levantamento da secretaria municipal de saúde, existiam aproximadamente 2.000 crianças e adolescentes na fila de espera para atendimento com a dermatologia pediátrica no ano de 2016. Todas as unidades de saúde foram orientadas a entrar em contato com as famílias desses pacientes e verificar se ainda havia necessidade do atendimento especializado e agendar os que confirmaram interesse e disponibilidade.

Foram incluídas todas as crianças e adolescentes de zero a dezesseis anos atendidas no mutirão. O projeto de pesquisa foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da instituição (nº 64806817.0.0000.0096).

Os dados avaliados foram: idade, sexo, tempo de evolução da doença, tratamentos prévios, presença de comorbidades, hipóteses diagnósticas, conduta realizada e desfecho do atendimento: se o paciente recebeu alta, foi encaminhado a unidade básica de saúde ou a serviço terciário.

A distribuição dos pacientes por faixa etária foi a seguinte: lactente (0 a 2 anos incompletos), pré-escolar (2 a 6 anos incompletos), escolar (6 a 12 anos incompletos) e adolescentes (12 a 16 anos e 11 meses). As dermatoses encontradas foram divididas nos seguintes grupos, de acordo com a classificação de Hurwitz9: eczematosas, papuloescamosas, infecciosas, hiperplasias e neoplasmas benignos, desordens das glândulas sebáceas e sudoríparas, desordens de cabelo e unha, desordens pigmentares, desordens vasculares, reações de hipersensibilidades e outros. Todos os diagnósticos recebidos pelos pacientes durante o mutirão foram contabilizados para determinar a frequência das dermatoses por categorias e individualmente. Se o paciente apresentava mais de uma lesão de pele, cada uma foi contabilizada separadamente, exceto se havia dúvida diagnóstica ou se eram a mesma doença. Os pacientes com dúvidas diagnósticas foram excluídos.

Os dados foram tabulados em planilha eletrônica (Microsoft Excel®) e analisados pelo programa JMP®.


RESULTADOS

O número de pacientes atendidos no mutirão foi 261, destes, 154 (59%) eram do sexo feminino. A idade variou de 2 meses a 198 meses (16,5 anos), sendo a mediana de 92 meses (7,6 anos). A distribuição por faixa etária foi a seguinte: 13,8% eram lactentes, 31,4% pré-escolares, 31,8% escolares e 22,9% adolescentes. Quanto às comorbidades, a maioria (62,5%) não apresentava doenças associadas, e entre as 98 pessoas (37,5%) que apresentavam, observou-se um predomínio de doenças atópicas, sendo a rinite presente em 22,6% dos casos, a asma em 15% e a dermatite atópica em 2,7%. O tempo de evolução das doenças de pele variou de 2 meses a 12 anos, sendo a mediana de 12 meses. A maioria, 63,2%, já havia recebido algum tipo de tratamento (Tabela 1).




Um pouco mais da metade dos pacientes (53,3%) recebeu apenas 1 diagnóstico, 29,5% recebeu dois diagnósticos, 11,1% três diagnósticos, 1,2% teve quatro diagnósticos e 1 paciente apresentou 5 diagnósticos. Em 10 pacientes houve dúvida diagnóstica e um paciente não apresentava lesão de pele no momento da consulta.

A divisão por grupo de doenças e suas prevalências está demonstrada na Tabela 2. O grupo das desordens eczematosas foi o mais prevalente, ocorrendo em 97 pacientes (37,2%), seguido pelas infecciosas (21%), hiperplasias e neoplasmas benignos (15,7%) e desordens glandulares (13,4%).




A dermatite atópica foi a dermatose mais frequente, diagnosticada em 19,9% dos pacientes. Ainda dentro do grupo das desordens eczematosas, a pitiríase alba foi encontrada em 9,5% e a dermatite de contato, em 6,1%.

O segundo grupo de maior prevalência foi o das infecções, observado em 21% dos pacientes. As infecções virais ocorreram em 11,8%, as bacterianas em 6,1%, as fúngicas em 3,5% e as parasitárias em 1,1%. Entre as infecções virais, as verrugas foram encontradas em 6,1% da amostra e o molusco contagioso em 5,3%; das infecções bacterianas, 6 casos (2,3%) eram infecções secundárias, 4 casos (1,5%) foliculite, 4 casos (1,5%) impetigo e 2 casos, furúnculo. Das infecções fúngicas, a tinea foi a mais prevalente, com 5 casos. E das infecções por parasitas e insetos, os 3 casos diagnosticados eram de pediculose (1,1%).

O terceiro grupo, classificado como neoplasmas e hiperplasias benignas, ocorreu em 15,7% dos pacientes, tendo como principal representante, os nevos (10,7%), dentre eles, os nevos melanocíticos e os nevos hipocrômicos tiveram maior prevalência, ocorrendo em 4,2% e 3,8%, respectivamente. As desordens glandulares ocorreram em 13,4% dos pacientes atendidos. Deste grupo, a acne foi a mais frequente, diagnosticada em 11,5%, tendo sua maior prevalência no grupo de adolescentes. As desordens pigmentares tiveram uma prevalência de 8,8%, com o vitiligo ocorrendo em 3,5% dos pacientes. Já as desordens de cabelo e unha tiveram uma prevalência de 3,5%, sendo a alopecia areata observada em metade dos casos deste grupo. As desordens papuloescamosas e as malformações vasculares foram os grupos com menor prevalência. O hemangioma ocorreu em quatro casos, e todos os pacientes com esta desordem pertenciam ao sexo feminino.

As reações de hipersensibilidade foram diagnosticadas em 8,8% dos pacientes. O prurigo estrófulo ocorreu em maior número (7,3%).

Dentre as desordens não classificadas em nenhum grupo, a xerose foi a mais frequente (13,8%), seguida da ceratose pilar (6,9%). A Tabela 3 apresenta em ordem de frequência as principais desordens encontradas no estudo.




A Tabela 4 mostra as dermatoses mais frequentes por faixa etária. Observa-se que a dermatite atópica teve uma distribuição homogênea entre as faixas etárias de 2 meses a 12 anos. Houve um maior predomínio de acne nos adolescentes e o hemangioma ocorreu predominantemente no grupo de lactentes. Percebe-se também uma maior frequência de infecções virais entre os grupos pré-escolar e escolar.




Com relação à conduta, 218 pacientes (83,5%) receberam tratamento, sendo 21 pessoas submetidas a algum procedimento no dia do mutirão (curetagem, crioterapia, biópsia ou cauterização química). Para 14 pessoas (5,3%) foram solicitados exames de investigação, como por exemplo, micológico direto e cultura, hemograma, glicemia, função tireoidiana, sorologias e exame de urina.

Com relação aos desfechos, mais da metade dos pacientes (52,5%) recebeu alta, 85 pacientes (32,6%) foram encaminhados para a dermatologia pediátrica e 25 (9,6%) orientados a manter o acompanhamento da dermatose em unidade de saúde. Catorze pacientes (5,3%) foram encaminhados para outras especialidades, sendo 8 deles para a pneumologia/alergologia pediátrica.

A Tabela 5 apresenta as dermatoses encaminhadas para dermatologia pediátrica pela equipe de dermatologistas do mutirão. Observa-se 18 casos de dermatite atópica, que representa 36,4% de dermatite atópica do total. Das papuloescamosas, todos os casos de psoríase foram encaminhados, incluindo os que tinham como hipótese diagnóstica a psoríase e que não foram contabilizadas devido à dúvida diagnóstica. Dentre os casos de vitiligo, 77,7% foram encaminhados, e todos os pacientes com neurofibromatose, urticária crônica, mancha acrômica e tumor. Dez pacientes com nevo foram encaminhados e um com mastocitose.




Dos 23 pacientes encaminhados com doença infecciosa, 9 apresentavam verruga, 4 molusco contagioso, 4 tinea, 1 foliculite e 5 infecção secundária de dermatite. Das desordens glandulares, 7 pacientes com acne necessitavam acompanhamento e 1 caso de displasia ectodérmica hipohidrótica. Quase a totalidade dos pacientes com alopecia areata (80%) foram encaminhados e 1 caso de síndrome do anágeno frouxo.


DISCUSSÃO

As dermatoses na infância são prevalentes e necessitam ser compreendidas para que medidas preventivas e políticas de saúde pública possam ser implementadas de acordo com a epidemiologia local. Além disso, o conhecimento das principais doenças de pele é fundamental para a formação acadêmica do médico generalista e do pediatra.

No presente estudo, a dermatite atópica foi a doença de pele mais frequente, resultado muito similar a vários estudos, que demonstram que a incidência dessa dermatose vem aumentando mundialmente10,11. Uma das hipóteses encontradas na literatura seria a melhoria das condições socioeconômicas, de higiene e de pobreza da população, diminuindo a prevalência das doenças infecciosas e dando lugar às doenças crônicas e inflamatórias. A dermatite atópica tem importância para a saúde pública e profissionais de saúde, pois além de trazer altos custos para a família, traz consigo uma alta carga emocional e social tanto para o doente quanto para a sua família. Portanto, o diagnóstico e manejo dessa condição possui relevância para os profissionais de saúde, dada sua alta prevalência e influência na qualidade de vida dos pacientes e familiares. Exemplo do que pode auxiliar no tratamento desses pacientes são os programas educacionais e grupos de apoio, como o “Clube da Dermatite”, um grupo de apoio realizado pelo Hospital de Clínicas em parceria com a Sociedade Paranaense de Pediatria, que atende, em média, 20 a 30 crianças (e suas famílias) por mês.

As doenças atópicas, como rinite e asma, foram as condições de saúde associadas mais frequentes, assim como os sinais menores de atopia (xerose, pitiríase alba e ceratose pilar)12,13. Isso demonstra a alta prevalência de atopia e/ou de seus estigmas entre os casos, fato este que pode estar relacionado com a característica da população e do clima local14.

A acne esteve presente em 11,5% dos casos e, como esperado, devido à característica própria da puberdade, a maioria pertencia ao grupo dos adolescentes15,16. Alguns estudos mostram que a acne é uma das queixas mais comuns em consultórios dermatológicos15,16, não devendo ser negligenciada pelos médicos e pediatrias.

Os resultados do mutirão foram similares a alguns estudos sobre epidemiologia de doenças de pele na população pediátrica. No Brasil, um estudo realizado em um Hospital Universitário de Taubaté, também obteve maior prevalência de doenças alérgicas (28%), em especial a dermatite atópica, seguido pelas desordens pigmentares (15,9%), infecciosas (14,4%) e tumores benignos (9,5%)17.

Um centro de referência de dermatologia na Suíça encontrou maior prevalência de doenças alérgicas e inflamatórias (45,73%) quando comparada com outras dermatoses18. Já outro centro de referência de pediatria dermatológica do Sul da Índia, demonstrou maior prevalência de doenças infecciosas (54,5%), sendo que as doenças classificadas como eczema/dermatites ocorreram em 8%19. Estudo realizado no México, em um centro especializado, as dermatoses mais frequentes foram: dermatite atópica (14,6%), verrugas (6,6%) e acne (5,5%). Esse mesmo estudo comparou a prevalência das doenças em diferentes períodos e concluiu que houve mudança na frequência das dermatoses ao longo das décadas20, mostrando a influência do contexto ambiental nas condições de pele.

A comparação entre estudos epidemiológicos não é simples, pois foram realizados em outros locais, com contextos ambientais e socioeconômicos diferentes, e ainda, com diversas metodologias e classificações das doenças de pele. Entretanto, nota-se que em países desenvolvidos há uma maior prevalência de doenças alérgicas, como a dermatite atópica e, em países em desenvolvimento, ainda há maior frequência das doenças infecciosas1,3,7,18,21.

No mutirão, as doenças infecciosas (quando agrupadas) foram a segunda condição de pele mais encontrada, e as infecções virais (verrugas e molusco contagioso) foram as mais prevalentes, principalmente entre os grupos pré-escolar e escolar. As verrugas e o molusco contagioso são frequentemente encontrados como as principais dermatoses infecciosas em escolares, o que pode ser atribuído ao fato de serem doenças contagiosas, principalmente em aglomerações, como ocorre em creches e escolas4,10,20.

No presente estudo, houve predomínio do sexo feminino (59%) e maior prevalência de pré-escolares e escolares, representando 63,2% dos pacientes encaminhados pelas unidades de saúde. A prevalência de dermatoses em escolares é bastante variável na literatura. Em estudo realizado nas escolas da Turquia, 79,9% dos escolares apresentavam alguma lesão de pele4. Já no Norte da Índia, 38,8% tinham alguma desordem cutânea3 e, na Suíça, 30,9% dos pacientes atendidos eram escolares, correspondendo ao maior grupo18. Neste mesmo estudo, houve maior predomínio do sexo feminino, assim como na publicação de Ferreira et al. (2011)17 e Mohammedamin et al. (2006)11.

As infecções bacterianas e fúngicas não foram tão prevalentes, isso pode ser compreendido pela menor prevalência destas doenças entre os pacientes atendidos ou pelo não encaminhamento dos profissionais das unidades de saúde, que estão manejando essas condições na atenção primária. Estudos mostram que há diferença de prevalência das desordens cutâneas quando se compara a população atendida na atenção primária ou em escolas e a população de crianças vistas na atenção especializada3,22.

Além de doenças crônicas, como a dermatite atópica, vitiligo e psoríase, que precisam de acompanhamento pelo especialista, muitas condições que necessitam de procedimento e/ou investigação são encaminhadas aos centros terciários. No mutirão, percebeu-se que o grupo das hiperplasias e tumores benignos também é prevalente, demonstrando a preocupação dos familiares e médicos da atenção primária com relação a este problema, que muitas vezes necessitam de maior investigação. O vitiligo esteve presente em 3,5% dos casos do mutirão, uma prevalência alta quando comparada com outros estudos, os quais encontraram uma incidência entre 0,8% a 2,16%. Já a psoríase esteve presente em poucos casos (0,7%), sendo mais prevalente em outros estudos, entre 2 a 3%3,10,18.

As desordens papuloescamosas e as lesões vasculares surgiram em poucos casos. Nota-se que o hemangioma ocorreu somente em meninas e em lactentes, confirmando o comportamento da doença encontrado na literatura9.

No mutirão, mais da metade dos pacientes atendidos (52,5%) recebeu alta e 25 (9,6%) foram orientados a manter o acompanhamento em unidade de saúde, demonstrando que a maioria das dermatoses pode ser tratada na atenção primária. Oitenta e cinco pacientes (32,6%) foram encaminhados para acompanhamento na dermatologia pediátrica e 14 pacientes (5,3%) para outras especialidades.

As razões pelas quais os pacientes do mutirão foram encaminhados pela equipe de dermatologia pediátrica, foram a necessidade de investigação, realização de exames e biópsias, tratamentos ou procedimentos, e necessidade de acompanhamento devido à doença crônica, recidivante e de difícil controle.

É importante compreender as principais razões de encaminhamento para a especialidade de dermatologia pediátrica. A publicação de Lowell et al. (2001)23 demonstrou que mais de 40% dos encaminhamentos para dermatologia ocorrem pela necessidade de biópsia, excisão de lesão e avaliação de lesão suspeita. Outras razões são a necessidade de confirmar um diagnóstico suspeito, a falha de resposta a tratamento e acompanhamento devido à doença crônica.

Pelo levantamento realizado pela secretaria municipal de saúde, existiam aproximadamente 2000 crianças e adolescentes na fila de espera para atendimento com a dermatologia pediátrica no ano de 2016, uma demanda bem elevada, não sendo compatível com a disponibilidade das equipes de dermatologistas pediátricas da rede pública. Várias ações têm sido realizadas para amenizar a fila de espera, dentre elas, os mutirões e as telecomunicações entre os profissionais da atenção básica e o especialista.

Entretanto, os resultados do mutirão e a literatura indicam que as lesões de pele são muito comuns na população pediátrica e que, em algum momento, o médico da atenção primária, o pediatra geral ou de outras especialidades irão se deparar com alguma dermatose. Muitas vezes a lesão de pele é a queixa principal, mas em outras situações, são achados de exame físico, portanto, aos médicos da atenção primária cabe o reconhecimento, manejo e tratamento das lesões mais comuns, assim como identificar as situações que necessitam de encaminhamento precoce ao especialista.


CONCLUSÃO

No mutirão de dermatologia pediátrica realizado em novembro de 2016, as doenças eczematosas foram as mais prevalentes, seguidas pelas infecciosas e hiperplasias e neoplasmas benignos. A dermatite atópica foi a doença de pele mais encontrada na população atendida. Dentre as infecciosas, as virais ocorreram em maior número, principalmente nos grupos pré-escolar e escolar. Entre os adolescentes, a acne foi a desordem cutânea mais frequente. No grupo das hiperplasias e neoplasmas benignos, os nevos foram os mais observados.

Conclui-se que a demanda para o atendimento das crianças com queixas de pele é alta. Isso enfatiza a necessidade de formação de profissionais nessa área e a abertura de maior número de vagas nos centros que disponibilizam este tipo de atendimento. Entretanto, mais da metade dos casos avaliados poderiam ser tratados pelo médico da atenção primária, desde que conhecedor das dermatoses mais prevalentes, o que salienta a importância do ensino da dermatologia pediátrica nos programas de medicina, medicina da família e pediatria.


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UFPR, Departamento de Pediatria - Curitiba - PR - Brasil

Endereço para correspondência:

Renata Rolim Sakiyama
Universidade Federal do Paraná
Rua XV de Novembro, nº 1299, Centro
Curitiba - PR. Brasil. CEP: 80060-000
E-mail: re_sakiyama@hotmail.com

Data de Submissão: 18/06/2019
Data de Aprovação: 26/09/2019