ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2021 - Volume 11 - Número 2

Cuidados paliativos em neurologia pediátrica

Palliative care for pediatric neurology

RESUMO

OBJETIVOS: Mais de um terço das crianças e adolescentes que possuem indicação de acompanhamento por equipe de cuidados paliativos (CP) são portadores de doenças neurológicas graves. O objetivo deste estudo é levantar um panorama acerca da indicação de uma abordagem paliativa em pacientes com doenças neurológicas crônicas debilitantes.
MÉTODOS: Revisão de literatura nas bases de dados: PubMed, SciELO e LILACS, utilizando a combinação das palavras-chave na forma de pesquisa simples e avançada. Foram aplicados os filtros de pesquisa: seres humanos, idades de 0 a 18 anos, publicação nos últimos 10 anos, nas línguas: portuguesa, inglesa ou espanhola.
RESULTADOS: Aplicados os critérios de inclusão e exclusão, foram obtidos 24 artigos sobre o tema. A desnutrição é um problema importante entre pacientes com doenças neurológicas, em especial devido à disfagia. A nutrição enteral através de tubos é medida muito eficaz e pouco utilizada para melhora do estado nutricional. O excesso de secreção orotraqueal e a disfagia trazem grave risco aos pacientes e a indicação de procedimentos como a separação laringotraqueal podem diminuir drasticamente este risco. Transtornos de humor também devem ser devidamente diagnosticados e abordados, bem como deve haver discussão precoce com os cuidadores sobre terminalidade e luto.
CONCLUSÃO: A indicação de CP deve ser cada vez mais incentivada e realizada na neurologia pediátrica, conforme preconizada, ao diagnóstico de uma doença potencialmente fatal ou que ofereça graves restrições ao desenvolvimento, visando melhora na qualidade de vida dos pacientes.

Palavras-chave: Cuidados Paliativos, Pediatria, Criança, Doenças do Sistema Nervoso.

ABSTRACT

OBJECTIVES: More than a third of children and adolescents who are followed by a palliative care unit (PCU) have a severe neurologic condition. The aim of this study is to review the indication of palliative care for patients with chronic debilitating neurologic conditions.
METHODS: Databases literature review: PubMed, SciELO and LILACS, using the keywords combination for basic and advanced research. The following filters were applied: human beings, ages 0 through 18 years old, publication dated from the last 10 years, Portuguese, English or Spanish languages.
RESULTS: After exclusion of papers that did not meet the study criteria, 24 articles were obtained on the matter. malnutrition is a major issue among patients with neurologic conditions, especially as a result of dysphagia. The use of enteral nutrition through feeding tubes is a valuable and underused measure to improve nutritional status. Excess orothraqueal secretions and dysphagia pose great risks to these patients, thus, procedures such as the laryngo-thraqueal separation can minimize those risks. Humor disorders must also be duly diagnosed and treated, as well as there should be a prompt discussion with caregivers about end of life care and grief.
CONCLUSION: Palliative care indication should be encouraged more and more in pediatric neurology practice, as recommended, when faced upon the diagnosis of a potentially fatal condition or one that poses severe development impairment, aiming health quality improvements.

Keywords: Palliative Care, Pediatrics, Child, Nervous System Diseases.


INTRODUÇÃO

Cada vez mais as crianças têm sobrevivido em unidades de terapia intensiva pediátrica (UTIP) e unidades de terapia intensiva neonatais (UTIN). No entanto, apesar de todo o aparato tecnológico empregado, sua recuperação não é totalmente livre de sequelas, tais quais doenças neurológicas, cardíacas ou renais1. Essa realidade traz consigo a necessidade de se pensar em como cuidar de crianças fora da perspectiva de cura.

Os cuidados paliativos (CP) para crianças e adolescentes possuem a mesma essência daquele direcionado a adultos, uma abordagem multiprofissional visando o bem-estar físico e psicológico perante uma comorbidade que ameace a vida, ocorrendo, obviamente, algumas adaptações inerentes à faixa etária2,3.

Segundo a OMS, os CP devem sempre ser iniciados quando a doença crônica é diagnosticada, devendo caminhar concomitantemente e em parceria com o tratamento curativo1,4-9.

O diálogo franco com familiares em relação ao diagnóstico, prognóstico, terapêutica e CP deve ser estabelecido gradualmente, para definir a melhor estratégia que atenda às necessidades da criança durante todo o acompanhamento. O tratamento centrado no bem-estar da criança com pleno envolvimento da família é a base para o sucesso do tratamento paliativo em crianças e adolescentes4,10.

Crianças com doenças que limitam a vida requerem serviços específicos e exclusivos. É reiterado na literatura que crianças com diferentes condições de saúde além do câncer se beneficiam da estratégia dos CP. Mais de um terço (34%) das crianças que necessitam desse serviço apresentam algum tipo de doença neurológica grave, como prematuros extremos e/ou isquemia por hipóxia11.

O objetivo deste trabalho é levantar um panorama acerca da indicação de uma abordagem paliativa em pacientes com doenças neurológicas crônicas debilitantes, bem como quais procedimentos e abordagens se enquadrariam na definição de cuidados paliativos para estas crianças.


MÉTODOS

Revisão de literatura nas bases de dados: PubMed, SciELO e LILACS, utilizando a combinação das palavras-chave na forma de pesquisa simples e avançada: “children”, “palliative care”, “palliative medicine”, “pediatric”, “neurological disability” AND “palliative care”, “cerebral palsy” AND “palliative care”. Foram aplicados os filtros de pesquisa: seres humanos, idades de 0 a 18 anos, publicação nos últimos 10 anos, nas línguas portuguesa, inglesa ou espanhola.

Resultados e discussão

Pela leitura dos títulos e após aplicados manualmente os critérios de exclusão de faixa etária adulta e cuidados paliativos oncológicos, reumatológicos e de outras áreas da medicina, restaram 117 artigos no PubMed, 15 no SciELO e 18 no LILACS. Após leitura dos resumos, foram selecionados 24 artigos finais. Para este artigo também foi incluído outros capítulo de livro (“Manual de Cuidados Paliativos”) para embasamento teórico e para contextualizar o tema do ponto de vista teórico-conceitual, epidemiológico e diagnóstico3.

Cuidados paliativos pediátricos ambulatoriais

O acompanhamento de CP ambulatoriais visa o controle dos sintomas e fornecer informações sobre a evolução da doença em pacientes com doença crônica, melhorando assim a qualidade de vida12.

O planejamento de eventos intercorrentes potencialmente reversíveis é essencial, com base no que se sabe sobre as potenciais complicações da condição subjacente da criança associado a eventos prévios. A antecipação é um elemento vital, assim como a atenção aos detalhes, para possibilitar cuidados individualizados e melhores práticas. A seguir abordaremos alguns cenários frequentes amparados pelos CP pediátricos13.


CONTROLE DA DOR

Doenças crônicas avançadas geralmente andam de mãos dadas com a dor. Esse sintoma tão difícil de avaliar na prática clínica se torna ainda mais complicado na pediatria, onde os pacientes nem sempre conseguem expressar o que estão sentindo.

Sempre que possível, deve-se identificar e tratar a causa da dor. Para a dor crônica pode se tentar o tratamento não farmacológico, inicialmente como medida única ou associada a medidas farmacológicas. Crianças respondem bem a medidas lúdicas de tratamento e acompanhamento3.

Alguns exemplos de medidas não farmacológicas: técnicas de relaxamento; distração e imaginação dirigida; terapia física por aplicação de calor em casos de espasmos musculares e artralgias; terapia física por aplicação de frio em casos de dor musculoesquelética, contusão e torção; acupuntura em casos de dor devida a espasmos musculares, disestesias e nevralgias; massoterapia nos casos em que se desejam relaxamento muscular e sensação de conforto; neuroestimulação elétrica transcutânea em casos de dor por compressões3.

O tratamento farmacológico se faz com analgésicos não-opioides, anti-inflamatórios não hormonais (AINES) e analgésicos opioides, sendo, entre estes, a morfina a droga de eleição. Podem também ser indicadas drogas adjuvantes ou co-analgésicos. Sempre que possível a via de eleição é a via oral, em horários fixos e não “se necessário”. Entre os analgésicos não-opioides, os mais usados são: dipirona, paracetamol e ibuprofeno3.

O opioide mais usado na prática médica é a morfina pelo fácil acesso e disponibilidade. Deve-se iniciar na dose de 0,05-0,1mg/kg14 e o aumento máximo de dose é de 50% a cada 24 horas em ambientes ambulatoriais. A dose apropriada é a dose que produz alívio da dor para a criança. O objetivo da titulação para alívio da dor é selecionar uma dose que impeça a criança de sentir dor entre duas doses usando a menor dose efetiva3,15,16, sendo necessário manter o acompanhamento ambulatorial rigoroso para a monitorização do controle da dor e de possíveis efeitos colaterais15.

Náusea e vômito

Os antieméticos devem ser selecionados de acordo com seu local de ação e a causa presumida do vômito. A superalimentação pode ser um fator precipitante, particularmente se a criança é alimentada através de uma sonda nasogástrica ou gastrostomia.

O vômito devido ao refluxo gastrointestinal pode responder à medicação antirrefluxo, inibidores da bomba de prótons e/ou a alterações no regime de alimentação, como a introdução de alimentos contínuos em vez de bolus naqueles que são alimentados por sonda nasogástrica ou gastrostomia. Em refluxo grave, a alimentação jejunal contínua ou o manejo cirúrgico podem ser indicados14.

Desnutrição e indicação de suporte nutricional

A nutrição é uma questão dotada de uma carga emocional muito forte em pediatria, pois é considerada pelos pais uma tarefa básica alimentar os filhos, um fardo emocional relacionado ao sustento básico da vida. É, por vezes, muito difícil para os pais aceitarem que não se trata de falha como provedores, mas de uma combinação de fatos associada à enfermidade da criança. Cabe à equipe médica salientar que não é uma questão de culpa ou falha dos pais14.

A determinação da necessidade de intervenção nutricional em crianças com doenças crônicas requer o uso de metodologias múltiplas. Os indicadores podem incluir dificuldade em ganho de peso ou crescimento, resultando em desvio de um “padrão” estabelecido; ou evidência de baixos depósitos de gordura corporal em combinação com baixo peso em relação à altura ou comprimento17.

Kim et al., em 201318, realizaram um estudo com pacientes que apresentavam paralisia cerebral e demostraram que a aspiração é uma causa importante de doença pulmonar aguda e crônica, e as complicações respiratórias associadas contribuem significativamente para o aumento da morbidade e mortalidade nesse grupo de pacientes. Os autores sugerem que a avaliação precoce da disfagia, incluindo o estudo da deglutição, se possível, é fundamental no manejo de problemas alimentares e pode prevenir a aspiração crônica, desnutrição e infecções.

Huysentruyt et al., em 201919, apontaram que o baixo peso foi detectado em quase três quartos dos pacientes com paralisia cerebral, enquanto os déficits de gordura subcutânea e reserva muscular foram observados em um quinto. A disfagia foi uma das condições que mais influenciaram a presença de baixos índices nutricionais.

No tratamento da desnutrição, sempre que possível, deve-se tentar suplementação oral e só indicar suporte nutricional invasivo se esta medida for melhorar a qualidade de vida da criança. O modo mais adequado de intervenção nutricional será determinado pela idade do paciente, condição clínica, função gastrointestinal (digestiva e absortiva), possibilidade de ingestão oral e viabilidade, hábitos alimentares e custos17,20.

Se, apesar do suporte nutricional oral, o ganho de peso continuar inadequado a alimentação por sonda enteral precisa ser considerada.

A nutrição enteral (NE) é indicada para pacientes com trato digestivo em funcionamento parcial; quando a ingestão oral é inadequada para atender às necessidades do paciente; para aqueles com desnutrição grave ou profunda; e para aqueles com disfunção significativa de alimentação e deglutição (resultando em risco de aspiração pulmonar ou alimentação oral prolongada e estressante)17,20.

A duração provável da NE e a integridade do trato gastrintestinal superior são os principais critérios que influenciam a escolha da via. Como regra geral, quando se espera uma duração da NE superior a 4 a 6 semanas indica-se uma gastrostomia ou enterostomia20.

Em crianças com deficiências neurológicas, a alimentação por gastrostomia foi superior em relação à eficácia nutricional, aceitabilidade e taxas reduzidas de refluxo gastroesofágico e pneumonia aspirativa, melhorando a qualidade de vida. Além de melhorar o estado nutricional, muitas vezes ela vem acompanhada por uma melhor percepção do bem-estar20.

A alimentação pós-pilórica (nasojejunal, gastrojejunostomia e jejunostomia) pode ser indicada em crianças com refluxo gastroesofágico grave e vômitos que resultam em falhas no crescimento além daqueles com risco aumentado de aspiração17.

Constipação

A constipação é um problema cotidiano em pacientes com doenças crônicas, e muitos fatores contribuem para ela: hipotonia, deformidades esqueléticas, imobilidade prolongada, polifarmácia, entre outros3,14.

Com frequência há um atraso no diagnóstico e tratamento adequado dessa comorbidade. Tal atraso é um inconveniente particular em crianças com deficiências neurológicas, seja porque é aceito como uma consequência inevitável do comprometimento neurológico ou porque uma prioridade maior é dada a outros aspectos do tratamento médico, como tratamento de convulsões ou deformidades posturais21.

O tratamento adequado da constipação proporciona alívio para a criança e pode ser observada uma melhora no apetite e no comportamento21.

Medidas preventivas são bem indicadas, visto que possível prever quais os pacientes que vão evoluir com constipação. Entre tais medidas, as dietéticas são muito importantes, tais quais a adição de fibras à dieta, incluindo aí o uso de formulações ricas em fibras, se necessário, na criança alimentada por sonda. Particular atenção deve ser dada à ingestão de líquidos, especialmente quando problemas como sialorreia e refluxo gastroesofágico estão presentes21.

A utilização de um amaciador de fezes (por exemplo, lactulose) pode ser suficiente, se a dose da medicação for sendo ajustada conforme a resposta do paciente. Uma melhor resposta está associada a um acompanhamento cuidadoso e uso de um diário de hábito intestinal, mostrando a frequência, consistência e tamanho das fezes, além das doses de medicações utilizadas21.

Outros aditivos, como o óleo mineral, são frequentemente usados em crianças com constipação crônica, mas a pneumonia por aspiração lipoide é um risco conhecido e, portanto, essa medicação deve ser evitada na criança com deficiência devido à possibilidade de aspiração21.

Para crianças com fecaloma e impossibilidade de defecação, o enema retal deve ser associado à lavagem intestinal com solução de polietilenoglicol administrada por sonda. Esse procedimento pode ser realizado sob sedação21.

Secreções no trato respiratório superior

O excesso de secreções pode tornar-se problemático para as crianças à medida que elas se tornam menos capazes de tossir e engolir. Brometo de glicopirrônio ou bromidrato de hioscina são úteis, mas a sucção intermitente também pode ser necessária. Em crianças com doenças terminais, o posicionamento cuidadoso e a drenagem postural podem evitar a necessidade de sucção14.

Desvio traqueoesofágico e separação laringotraqueal

Muitas crianças, especialmente as com paralisia cerebral grave, apesar de todos os cuidados e medidas preventivas acabam evoluindo com inúmeras aspirações e microaspirações, levando a infecções múltiplas do trato respiratório, aumentando o número de internamentos. Nesses casos, é necessário conversar bem com os pais, avaliar os riscos e os benefícios de indicar o desvio traqueoesofágico (DTE) e a separação laringotraqueal (SLT).

O DTE e a SLT podem prevenir a pneumonia por aspiração de pacientes com deficiência motora e intelectual grave. Ao diminuir as taxas de hospitalização e as necessidades de cuidados, a qualidade de vida pode ser melhorada para os pacientes e seus pais22.

Takano et al., em 201522, realizaram um estudo com quarenta pacientes que foram indicados para o procedimento de DTE e SLT. Após a cirurgia, houve reduções significativas na frequência de aspiração de secreção (de 165 vezes/dia para 33 vezes/dia) e no número de internações devido à pneumonia por aspiração (de 5,4 vezes/ano para 0,2 vezes/ano).

Ventilação mecânica

A aplicação de suporte ventilatório sem possibilidade de reverter a doença ou melhorar a qualidade de vida do doente pode estar apenas acarretando distanásia, pois a instituição de ventilação mecânica por si só, já é um sofrimento, um motivo para associar o uso de sedativos e analgésicos, e também acarreta um prolongamento desnecessário do tempo de vida sem qualidade23.

Devemos estar em alerta contra os excessos terapêuticos, sempre considerar os princípios culturais, morais e religiosos. Em pacientes com indicações de CP, devemos considerar caso a caso, fazer discussões abertas com a equipe multiprofissional e os familiares para tomar decisões equilibradas e evitar as chamadas “obstinações terapêuticas”23.

Ansiedade e depressão em crianças sob cuidados paliativos

As doenças crônicas são sabidamente associadas a um maior risco de ocorrência de quadros depressivos3. Os pacientes portadores de doenças crônico-degenerativas já convivem com comprometimentos social e afetivo, diminuição da qualidade de vida e numerosos dias de internamento hospitalar.

Por isso, assim que diagnosticada a depressão ou o transtorno de ansiedade generalizada, eles devem ser tratados. Inicialmente com medidas ambientais e de mudança de estilo de vida, como orientar os pais a deixar o ambiente em casa mais iluminado, estimular o apetite e a crença espiritual. Estimular a prática de atividade física diária se o paciente tiver condições físicas adequadas. Caso não tenha, pode ser indicada a fisioterapia de conforto. Iniciar acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Podem também ser indicadas acupuntura, massoterapia, musicoterapia, terapia ocupacional e terapia cognitivo comportamental3.

A terapia farmacológica fundamenta-se no uso de antidepressivos e ansiolíticos, sozinhos ou combinados3.

Resiliência familiar: cuidar dos cuidadores

Resiliência, na física, significa a habilidade que alguns corpos apresentam de retornar à forma original após terem sido submetidos a uma deformação elástica. Pode ser também a capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar a coisas não desejáveis ou às mudanças.

A deficiência de uma criança é uma condição da vida que produz um estresse emocional constante e influencia a interação familiar, gerando mudanças e crises no funcionamento familiar. Cuidar de crianças com condições crônicas de saúde está associado a estressores que podem prejudicar a saúde mental. Pais de crianças com condições crônicas mostraram elevações de sintomas depressivos em comparação com pais de crianças saudáveis/não deficientes. As maiores elevações foram encontradas entre pais de jovens com distúrbios neuromusculares, câncer e paralisia cerebral24.

A equipe de CP que conte com o suporte da psicologia pode ajudar na criação de programas de intervenção para fortalecer o apoio familiar, incentivar a participação e o envolvimento de diferentes membros da família, com o objetivo de reduzir a tensão estressante, física ou emocional, que tende a ficar somente sobre um cuidador. Esses pais devem ser constantemente avaliados para depressão e ter disponíveis serviços psicossociais que visem reduzir esses sintomas, se necessário24.

Além de todo esse suporte, muitas famílias e o próprio paciente necessitam de um amparo espiritual. A atenção à espiritualidade se torna cada vez mais necessária na prática de assistência à saúde, e é reconhecida como fonte de bem-estar e de qualidade de vida ao se aproximar a morte. Para tanto, é fundamental que a equipe de saúde esteja apta a acolher esse movimento de transcendência, nesse momento da existência humana25.

Todo esse apoio e amparo deve ser estendido aos irmãos, que geralmente se sentem isolados e excluídos, pois a vida familiar é interrompida e os pais podem ter pouco tempo para eles com menos oportunidades de atividades sociais. Eles podem desenvolver sentimentos de baixa autoestima, ansiedade e depressão, e podem começar a se ressentir com a criança doente. O apoio deve ser fornecido individualmente, na unidade familiar e/ou com outros irmãos em situação semelhante. Eles podem se beneficiar do envolvimento no dia a dia da criança doente, tendo responsabilidade e participando ativamente do cuidado14.

Terminalidade e luto

Quando os CP são bem abordados e instituídos desde o início do diagnóstico, o momento final da vida de uma criança pode se tornar mais leve, acontecer em casa ou onde for da preferência da criança e da família, ser melhor aceito e o luto ser melhor enfrentado.

Independentemente de como tenha sido o manejo do paciente até então, quando ele está em ambiente hospitalar nos últimos momentos de vida, a família precisa ser abordada, receber o apoio necessário e os esclarecimentos tão aguardados.

Os CP não se encerram com o falecimento da criança, eles se estendem ao período de luto. O luto após a morte de uma criança é doloroso e duradouro, com uma profundidade e persistência frequentemente subestimadas. Os pais perdem não apenas seu filho, mas também suas esperanças para o futuro. Altera toda a estrutura familiar e coloca mais estresse nos relacionamentos. Irmãos de luto podem continuar se sentindo isolados e negligenciados14.

Os pais valorizam o apoio contínuo de profissionais que conheceram seus filhos, com a oportunidade de falar sobre a criança e seu pesar. O apoio fornecido, inicialmente mais frequente e diminuindo gradualmente, ajudará a facilitar as tarefas normais de luto14.


CONCLUSÃO

É fundamental que na prática da neurologia pediátrica o médico passe a atuar mais no sentido do cuidado integral do doente, indicando precocemente o acompanhamento das crianças por equipe de CP, a fim de implementar um sistema que traga melhorias na vida das crianças e suas famílias. A indicação de CP deve ser cada vez mais incentivada e realizada, conforme preconizada, ao diagnóstico da doença visando melhora na qualidade de vida dos pacientes.

A terapêutica integral, através da abordagem de crianças com neuropáticas crônicas incuráveis, tem sido cada vez mais preconizada através da indicação de CP precocemente. Uma série de medidas específicas para melhoria na qualidade de vida das crianças tem sido elencada, mudando o paradigma de que os CP são uma abordagem restrita ao luto, passando a ser uma ferramenta eficaz e fundamental no tratamento de crianças com condições crônicas complexas.


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Universidade Federal do Paraná, Departamento de Pediatria - Curitiba - Paraná - Brasil

Endereço para correspondência:

André Luis Santos do Carmo
Universidade Federal do Paraná
Rua XV de Novembro, nº 1299, Centro
Curitiba - PR. Brasil. CEP: 80060-000
E-mail: andrelsc@gmail.com

Data de Submissão: 23/06/2019
Data de Aprovação: 21/01/2020