ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2021 - Volume 11 - Número 3

Malformação adenomatoide cística congênita: relato de caso

Congenital cystic adenomatoid malformation: case report

RESUMO

OBJETIVOS: Relatar o caso de um paciente com apresentação clínica de malformação adenomatoide cística congênita (MACC) durante o período neonatal e discutir a dificuldade diagnóstica da MACC, diante da grande variedade e inespecificidade de sintomas que podem estar presentes no início do quadro.
MÉTODOS: Análise do prontuário e revisão da literatura.
RELATO DE CASO: Paciente que, nos primeiros dias de vida, evoluiu com sintomatologia de desconforto respiratório progressivo, dependente de ventilação pulmonar mecânica, sem ter apresentado na evolução imagens radiológicas sugestivas de MACC, dificultando o diagnóstico da doença.
RESULTADOS: Na maioria dos relatos de casos, vemos que o diagnóstico foi realizado após o período neonatal, baseado nas complicações da doença, durante a primeira infância ou na idade adulta, prejudicando a cura do paciente.
CONCLUSÃO: Apesar da doença ser rara e com alto potencial para evoluir com complicações, o paciente foi diagnosticado em tempo hábil para ser submetido ao procedimento cirúrgico e evoluir sem intercorrências.

Palavras-chave: Malformação Adenomatoide Cística Congênita do Pulmão, Neonatologia, Recém-Nascido.

ABSTRACT

OBJECTIVES: To report the case of a patient with clinical presentation of congenital cystic adenomatoid malformation (MACC) during the neonatal period and discuss the diagnostic difficulty of MACC, given the wide variety and nonspecificity of symptoms that may be present at the onset of the condition.
METHODS: Analysis of medical records and literature review.
CASE REPORT: Patient who, in the first days of life, evolved with symptoms of progressive respiratory distress, dependent on mechanical pulmonary ventilation, without radiographic images suggestive of MACC in the evolution, making the diagnosis of the disease difficult.
CONCLUSION: Although the disease is rare and has a high potential to evolve with complications, the patient was diagnosed in a timely manner to undergo the surgical procedure and to progress uneventfully.

Keywords: Cystic Adenomatoid Malformation of Lung, Congenital, Neonatology, Newborn, Diseases.


INTRODUÇÃO

A malformação adenomatoide cística congênita (MACC) foi descrita pela primeira vez em 1949. Ela é caracterizada por tumores pulmonares displásicos benignos e apresentam crescimento excessivo de bronquíolos terminais, com redução do número de alvéolos. A descoberta de MACC é um evento raro, com uma incidência de 1 em 25 mil, para 1 em 35 mil nascidos-vivos e predomina no sexo masculino. No total dos casos, 80-85% são reconhecidos nos primeiros 2 anos de idade1-3.

A maioria dos diagnósticos é realizada intraútero, no segundo trimestre de gestação ou numa investigação etiológica de polidrâmnios ou hidropsia. Quando não diagnosticada intraútero, a MACC normalmente é detectada no período neonatal ou no início da infância. Nos países em desenvolvimento, um grande número de crianças com lesões pulmonares congênitas é, inicialmente, atendido e tratado em hospitais periféricos antes de serem encaminhadas a centros de nível terciário.

Em crianças, a apresentação clínica pode variar de dificuldade respiratória aguda à infecção pulmonar crônica localizada em uma área definida, sendo que algumas podem até permanecer assintomáticas durante toda a vida. A apresentação mais comum de MACC é a insuficiência respiratória progressiva, incluindo taquipneia, gemido, retrações e cianose. Casos assintomáticos causam pneumonias de repetição na mesma localização do hemitórax, na infância3-5.

Os diagnósticos diferenciais incluem: fibrose cística, enfisema lobar congênito, hérnia diafragmática e sequestro pulmonar2,3,5.

O diagnóstico definitivo é feito pela tomografia computadorizada (TC) de tórax com contraste, nas primeiras seis semanas de vida, pois uma radiografia normal não exclui o diagnóstico de MACC. Com avanços no diagnóstico, o tratamento da MACC pode iniciar até no período pré-natal, quando o cariótipo é normal e não há nenhuma anormalidade.

O tratamento cirúrgico precoce, nos primeiros meses de vida, é realizado para evitar complicações. Nos pacientes assintomáticos, é recomendado programar uma lobectomia dentro dos primeiros 6 meses de vida e os pacientes sintomáticos necessitam de cirurgia urgente. A lobectomia é o melhor procedimento cirúrgico, pois é impossível determinar o limite entre a MACC e o parênquima normal por observação direta.

O prognóstico piora quando há envolvimento bilateral do pulmão, associação com malformação congênita ou hidropsia. A maior complicação é a compressão do mediastino ocasionando alterações cardiovasculares importantes4,6.


MÉTODOS

Análise do prontuário, descrevendo a evolução, diagnóstico, tratamento e intervenção terapêutica. Também foi realizado uma revisão de literatura, sendo que os artigos científicos sobre a temática foram pesquisados nas bases de dados PubMed (Public Medical Literature Analysis and Retrieval System Online). Os descritores utilizados foram: recém-nascido, neonatologia e malformação adenomatoide cística congênita do pulmão. Foram escolhidos artigos entre os anos 2009 e 2016.


RELATO DE CASO

Paciente prematuro (idade gestacional 30 4/7) nascido de parto cesárea, Apgar 7/8 sem necessidade de manobras de reanimação, peso de nascimento 1.370g. Evoluiu com desconforto respiratório precoce com necessidade de uso de CPAP nasal. No 2º dia de internação, apresentou piora do desconforto respiratório, com necessidade de intubação orotraqueal (IOT) e surfactante.

No 5º dia de internação foi diagnosticado pneumotórax laminar à esquerda, sendo optado inicialmente por conduta expectante. Porém, após 3 dias houve necessidade de punção torácica de alívio com sistema em selo d’água. Apresentou melhora da expansibilidade torácica e da saturação de O2.

No 10º dia de internação, após nova piora do desconforto respiratório em CPAP foi necessária a 2ª IOT. Observou-se a presença de pneumatocele à esquerda em radiografia de tórax de rotina. Foi possível transicioná-lo ao CPAP e posteriormente ao Halo 02, que se manteve até o 23º dia de internação, quando o paciente apresentou nova queda de saturação e taquidispneia importante, necessitando mais uma vez de CPAP. Neste momento, a radiografia de tórax evidenciou aumento da pneumatocele à esquerda.

No 31º dia de internação, após nova piora clínica e devido à presença de 3 imagens de pneumatocele incistada (Figura 1), foi realizada drenagem de tórax à esquerda. No 34º dia de internação o raio-X de tórax evidenciou grande bolha de ar, ocupando todo o hemitórax à esquerda com desvio do mediastino (Figura 2). Paciente no 3º dia pós-operatório (DPO) de dreno de tórax à esquerda, não borbulhante, sem melhora. Após decisão da equipe da cirurgia torácica e cirurgia pediátrica, realizado toracotomia, evidenciando no intraoperatório a MACC e evoluindo com lobectomia inferior à esquerda e lingulotomia, sem intercorrências.


Figura 1. Raio-X de tórax com raios horizontais evidenciando três imagens de pneumatocele incistada. Fonte: Radiografia de prontuário do paciente - Hospital Universitário São Francisco na Providência de Deus (2018).


Figura 2. Raio-X de incidência posteroanterior evidenciando grande bolha de ar, ocupando todo hemitórax à esquerda, com desvio do mediastino. Fonte: Radiografia de prontuário de paciente - Hospital Universitário São Francisco na Providência de Deus (2018).



O paciente apresentou boa evolução após a lobectomia, sendo suspensa a oxigenoterapia após 4º DPO, recebendo alta hospitalar com 1 mês e 3 semanas de vida, em aleitamento materno e acompanhamento ambulatorial favorável.


RESULTADOS

Nos diversos relatos de caso encontrados, podemos constatar que MACC é uma doença rara, de difícil diagnóstico, com sintomatologia inespecífica e muitas vezes a imagem do cisto não aparece em exame radiológico de rotina, assim como aconteceu com nosso paciente. Na maioria dos artigos, vemos que o diagnóstico foi realizado após o período neonatal, baseado nas complicações da doença, durante a primeira infância ou na idade adulta, prejudicando a cura do paciente.


CONCLUSÃO

O presente trabalho demonstrou um caso de MACC que foi diagnosticado no período neonatal, após o paciente apresentar sintomas inespecíficos de um desconforto respiratório persistente. No caso apresentado a cirurgia foi essencial pois, além de elucidar o diagnóstico, promoveu a melhora e a cura do paciente. O referido procedimento foi realizado sem intercorrências e o tempo para a retirada do oxigênio foi curto no período pós-operatório culminando, assim, no sucesso da cirurgia.

Este caso serve de alerta para todos os pediatras e neonatologistas, que quando se depararem com um paciente que não apresenta uma causa específica de um desconforto respiratório persistente ou apresentarem um histórico de internações devido a quadros pulmonares, deve-se sempre pensar em MACC para evitar futuras complicações.


REFERÊNCIAS

1. Selimovic A, Hasanbegovic E, Mujicic E, Milisic S, Haxhija E, Karavdic K, et al. Video-assisted thoracospic tobectomy for congenital cystic adenomatoid malformations. Med Glas (Zenica). 2016 Dec;14(1):111-6.

2. Giubergia V, Barrenechea M, Siminovich M, Pena HG, Murtagh P. Congenital cystic adenomatoid malformation: clinical features, pathological concepts and management in 172 cases. J Pediatr (Rio J). 2012 Mar/Apr;88(2):143-8.

3. Cabeza B, Oñoro G, Extremera VC, Santiago VS, Sequeiros A. Malformación adenomatoidea quística pulmonar. Importância del diagnóstico prenatal. Arch Argent Pediatr. 2011 Oct;109(2):e30-e2.

4. Chikkannaiah P, Kangle R, Hawal M. Congenital cystic adenomatoid malformation of lung: report of two cases with review of literature. Lung India. 2013 Sep;30(3):215-8.

5. Fan D, Wu S, Wang R, Huang Y, Fu Y, Ai W, et al. Successfully treated congenital cystic adenomatoid malformation by open fetal surgery: a care-compliant case report of a 5-year follow-up and review of the literature. Medicine (Baltimore). 2017 Jan;96(2):e5865.

6. Chen HW, Hsu WM, Lu FL, Chen PC, Jeng SF, Peng SSF, et al. Management of congenital cystic adenomatoid malformation and bronchopulmonary sequestration in newborns. Pediatr Neonatal. 2010 Jun;51(3):172-7.










Hospital Universitário São Francisco na Providência de Deus, UTI Neonatal - Bragança Paulista - São Paulo - Brasil

Endereço para correspondência:
Tatiana Respondovesk
HUSF - Hospital Universitário São Francisco de Assis - Bragança Paulista
Av. São Francisco de Assis, nº 260, Cidade Universitária
Bragança Paulista, SP, Brasil. CEP: 12916-542
E-mail: ativesk@gmail.com

Data de Submissão: 04/08/2019
Data de Aprovação: 29/10/2019