ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Ética Médica - Ano 2021 - Volume 11 - Número 3

O que são comissões de ética médica, de ética em pesquisa e de bioética clínica?

What are medical ethics, research ethics and clinical bioethics committees?'

RESUMO

INTRODUÇÃO: Os profissionais de saúde, em sua prática diária, vez ou outra, encontram-se frente-a-frente com dilemas éticos e dúvidas acerca das funções dos comitês e comissões regidas pela ética e bioética. Torna-se imperioso o esclarecimento sobre as atribuições destas instâncias, com o propósito de contribuir com a prática assistencial e de investigação médica.
OBJETIVOS: Este documento tem como objetivo abordar de forma prática as características e particularidades das Comissões de Ética Médica, Comitês de Ética em Pesquisa e de Bioética Clínica, esclarecendo o funcionamento, as atribuições, os objetivos e as responsabilidades de cada com destes.
DISCUSSÃO: As Comissões de Ética Médica acompanham os problemas éticos da instituição hospitalar, a partir da verificação de fatos médicos ocorridos e promovendo atitudes preventivas. Os Comitês de Ética em Pesquisa asseguram dignidade, direito, segurança e bem-estar dos participantes de pesquisas científicas, e apoiam as necessidades dos pesquisadores, promovendo a discussão dos aspectos éticos e legais das pesquisas que envolvem seres humanos. As Comissões ou Comitês de Bioética Clínica discutem e deliberam sobre os diversos aspectos conflitivos que envolvem as atividades relacionadas à vida do homem.
CONCLUSÃO: A ética, considerada uma construção humana, é cuidada nos âmbitos destas comissões, garantindo adequada condução dos processos, com proteção e confiança entre os indivíduos envolvidos.

Palavras-chave: Ética Médica, Bioética, Comitê de Ética em Pesquisa, Educação em Saúde, Pediatria.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Health professionals, in their daily practice, from time to time, face ethical dilemmas and doubts about the functions of committees and commissions governed by ethics and bioethics. It is imperative to clarify the attributions of these instances, in order to contribute to the practice of care and medical research.
OBJECTIVES: This document aims to address in a practical way the characteristics and peculiarities of the Medical Ethics Committees, Research Ethics Committees and Clinical Bioethics, clarifying the functioning, the attributions, the objectives and the responsibilities of each of them.
DISCUSSION: The Medical Ethics Committees monitor the ethical problems of the hospital, based on the verification of medical facts that have occurred and promoting preventive attitudes. Research Ethics Committees ensure the dignity, rights, safety and well-being of scientific research participants, and support the needs of researchers, promoting the discussion of ethical and legal aspects of research involving human beings. The Clinical Bioethics Commissions or Committees discuss and deliberate on the various conflicting aspects that involve activities related to mans life.
CONCLUSION: Ethics, considered a human construction, is taken care of in the scope of these commissions, guaranteeing the proper conduct of the processes, with protection and trust between the individuals involved.

Keywords: Ethics, Medical, Bioethics, Ethics Committees, Research, Health Education, Pediatrics.



“A vida é breve,
a ciência é duradoura,
a oportunidade é ardilosa,
a experimentação é perigosa,
o julgamento é difícil.”
Hipócrates (Aforisma I.1)




INTRODUÇÃO

Muitos profissionais de saúde, mesmo aqueles com anos de experiência, perguntam “Para que serve um comitê de ética em pesquisa?”, “Comitê de bioética clínica, discute o quê?”, “Já temos uma comissão de ética médica, para que outras?”. Mesmo sendo todos estes comitês e comissões regidas pela ética e bioética, cada um tem suas atribuições, objetivos e responsabilidades.

Este documento tem como propósito abordar de forma prática as características e particularidades de cada um destes comitês/comissões, sob o olhar da ética e da bioética.


COMISSÃO DE ÉTICA MÉDICA

A comissão de ética médica de um hospital representa o Conselho Regional de Medicina (CRM) nesta instituição, sendo subordinada e vinculada a este. É composta por médicos do corpo clínico eleitos para tal fim. Acompanha os problemas éticos da instituição, propiciando a verificação de fatos médicos ocorridos, ou mesmo suspeitos, como também se estendendo a atitudes preventivas em áreas de maior risco de ocorrência. Possui, portanto, funções investigatórias, educativas e fiscalizadoras do desempenho ético da medicina. As comissões de ética médica incorporam em seus regimentos a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) no 1.481/1997, que estabelece diretrizes para os regimentos internos dos corpos clínicos e as resoluções subsequentes com modificações textuais1-4.

Suas atribuições são: fiscalizar o exercício da atividade médica, atentando para que as condições de trabalho do médico, bem como sua liberdade, iniciativa e qualidade do atendimento oferecido aos pacientes, estejam de acordo com os preceitos éticos e legais que norteiam a profissão; instaurar procedimentos preliminares internos mediante denúncia formal ou de ofício; colaborar com o Conselho Regional de Medicina na tarefa de educar, discutir, divulgar e orientar os profissionais sobre temas relativos à ética médica; atuar preventivamente, conscientizando o corpo clínico da instituição onde funciona quanto às normas legais que disciplinam o seu comportamento ético; orientar o paciente da instituição de saúde sobre questões referentes à ética médica; atuar de forma efetiva no combate ao exercício ilegal da medicina; promover debates sobre temas da ética médica, inserindo-os na atividade regular do corpo clínico da instituição de saúde4.

De acordo com a Resolução CFM no 2152/2016, as comissões de ética médica devem possuir autonomia em relação à atividade administrativa e diretiva da instituição onde atua, cabendo ao diretor técnico prover as condições de seu funcionamento, tempo suficiente e materialidade necessárias ao desenvolvimento dos trabalhos. Seus atos são restritos ao corpo clínico da instituição a qual está vinculado o seu registro. Os médicos envolvidos nos fatos a serem apurados, convocados nas apurações internas que deliberadamente se recusarem a prestar esclarecimentos à comissão de ética médica, ficarão sujeitos a procedimento administrativo no âmbito do respectivo Conselho Regional de Medicina, conforme preconiza o art. 17 do Código de Ética Médica4.

As eleições das comissões de ética médica ocorrem em conformidade com a Resolução CFM no 2152/2016, onde se destaca a obrigatoriedade para instituições hospitalares que tenham número igual ou maior que 31 médicos em seu corpo clínico. Devem ser compostas por 1 (um) presidente, 1 (um) secretário e demais membros efetivos e suplentes. O presidente e o secretário serão eleitos dentre os membros efetivos, na primeira reunião da comissão4.


COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISAS EM SERES HUMANOS

A prática da pesquisa científica exige o agir ético do pesquisador e uma ação consciente e livre do participante, que deve ter garantido o pleno exercício de seus direitos. A relação pesquisador-participante se constrói continuamente no processo da pesquisa, devendo haver preocupação constante com possíveis danos ao participante. Desta forma, a produção científica deve ter como propósito promover benefícios para o ser humano, para a comunidade na qual está inserido e para a sociedade, possibilitando a promoção de qualidade digna de vida a partir do respeito aos direitos civis, sociais, culturais e a um meio ambiente ecologicamente equilibrado5.

O comitê de ética em pesquisa (CEP) é formado por um grupo de pessoas que dedicam voluntariamente parte de seu tempo, para assegurar a dignidade, os direitos, a segurança e o bem estar dos participantes de pesquisas científicas, bem como, apoiar os interesses e necessidades dos pesquisadores, exercendo papel consultivo e, em especial, educativo, promovendo a discussão dos aspectos éticos e dos requisitos estabelecidos pelas agências regulatórias e pela legislação nas pesquisas que envolvam seres humanos.

Para sua atuação, o CEP deve ser autorizado pela Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (CONEP), que regula a ética em pesquisa no Brasil. A CONEP é uma das comissões do Conselho Nacional de Saúde (CNS). O Sistema CEP-CONEP é organizado por meio de portarias e resoluções sobre a pesquisa em seres humanos.

Atualmente, todas as pesquisas devem ser submetidas ao sistema da “Plataforma Brasil”, base nacional e unificada de registros de pesquisas envolvendo seres humanos para todo o sistema CEP/CONEP. Este sistema permite que as pesquisas sejam acompanhadas em seus diferentes estágios - desde sua submissão até a aprovação final pelo CEP e pela CONEP, em ambiente compartilhado onde todos os envolvidos possuem acesso às informações, diminuindo o tempo de trâmite dos projetos em todo o sistema CEP/CONEP. Permite ainda o acesso da sociedade aos dados públicos de todas as pesquisas aprovadas6.

A Resolução CNS no 466/2012, vigente, revoga as resoluções anteriores e determina diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Esta resolução incorpora os referenciais da bioética - autonomia, não maleficência, beneficência, justiça e equidade - sob a ótica do indivíduo e das coletividades, afirmando a dignidade e liberdade do ser humano. Visa assegurar os direitos e deveres que dizem respeito aos participantes da pesquisa, à comunidade científica e ao Estado (item I). Faz referência a documentos como o Código de Nuremberg, a Declaração dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o Pacto sobre Direitos Civis e Políticos, a Declaração Universal sobre Genoma Humano, a Declaração Universal sobre os Dados Genéticos Humanos e a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos7.

Algumas modificações que a Resolução no 466/2012 estabeleceu em relação à Resolução CNS no 196/96 incluem8:


a) Novos termos e definições, como: “Participante de Pesquisa”; “Assentimento livre e esclarecido”; “Assistência integral”; “Assistência imediata”; “Benefício da Pesquisa” (item II);

b) Quanto aos aspectos éticos da pesquisa, assegura a todos os participantes ao final do estudo, por parte do patrocinador, acesso gratuito e por tempo indeterminado, aos melhores métodos profiláticos, diagnósticos e terapêuticos que se demonstraram eficazes. O acesso também será garantido no intervalo entre o término da participação individual e no final do estudo, podendo, nesse caso, esta garantia ser dada por meio de estudo de extensão, de acordo com análise devidamente justificada do médico assistente do participante. Garante ainda, para mulheres que se declarem expressamente isentas de risco de gravidez, quer por não exercerem práticas sexuais ou por as exercerem de forma não reprodutiva, o direito de participarem de pesquisas sem o uso obrigatório de contraceptivos (item III.3.d);

c) Novo processo de consentimento livre e esclarecido, entendido como todas as etapas a serem necessariamente observadas para que o convidado a participar de uma pesquisa possa se manifestar, de forma autônoma, consciente, livre e esclarecida (item IV);

d) Quanto aos riscos e benefícios, orienta que “toda pesquisa com seres humanos envolve risco em tipos e gradações variados. Quanto maiores e mais evidentes os riscos, maiores devem ser os cuidados para minimizá-los e a proteção oferecida pelo sistema CEP/CONEP aos participantes. Devem ser analisadas possibilidades de danos imediatos ou posteriores, no plano individual ou coletivo. A análise de risco é componente imprescindível à análise ética, dela decorrendo o plano de monitoramento que deve ser oferecido pelo sistema CEP/CONEP em cada caso específico.” E que são admissíveis pesquisas cujos benefícios a seus participantes forem exclusivamente indiretos, desde que consideradas as dimensões física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual desses (item V);

e) Novas atribuições do CEP que inclui avaliar protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos, com prioridade nos temas de relevância pública e de interesse estratégico da agenda de prioridades do SUS, com base nos indicadores epidemiológicos, emitindo parecer, devidamente justificado, sempre orientado, dentre outros, pelos princípios da impessoalidade, transparência, razoabilidade, proporcionalidade e eficiência, dentro dos prazos estabelecidos em norma operacional, evitando redundâncias que resultem em morosidade na análise (item VIII);

f) Quanto às atribuições da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), estabelece novas determinações para áreas temáticas específicas (Item IX); dentre outras resoluções.


Oficialmente, a Resolução CNS no 466/2012 explicita:

Os CEP são colegiados interdisciplinares e independentes, de relevância pública, de caráter consultivo, deliberativo e educativo, criados para defender os interesses dos participantes da pesquisa em sua integridade e dignidade e para contribuir no desenvolvimento da pesquisa dentro de padrões éticos7.



Do ponto de vista prático, o CEP tem a função de analisar projetos de pesquisas quanto aos seus aspectos éticos e emitir o parecer, com orientações aos pesquisadores de ajustes necessários para sua aprovação final. O sistema CEP/CONEP analisa: 1) consentimento livre e esclarecido: garantir a liberdade da escolha voluntária. Linguagem acessível a leigos; 2) garantia ao paciente do tratamento adequado; 3) a competência do pesquisador e equipe para realizar o estudo; 4) a infraestrutura do local de estudo; 5) proteção ao pesquisador contra publicidade adversa e ações legais; 6) proteção da reputação da instituição. O comitê de ética em pesquisa também avalia aspectos metodológicos do projeto, uma vez que estes se relacionam diretamente com os aspectos éticos da pesquisa. Entretanto, muitas instituições de ensino e pesquisa possuem comitês de assessoramento metodológico e colegiados que analisam os aspectos metodológicos previamente do envio do projeto ao CEP, seguindo o rigor das boas práticas em pesquisa.

Um aspecto fundamental da ética em pesquisa é a obtenção do termo de consentimento livre e esclarecido. É um documento fornecido ao convidado a participar na pesquisa, ou ao seu representante legal, para que ele seja informado sobre a pesquisa e possa optar de forma voluntária pela participação ou não no estudo. Deve ter caráter explicativo, livre de simulação, fraude, erro ou intimidação, abordando todas as questões relativas ao estudo que possam estar relacionadas à tomada de decisão do participante da pesquisa, como: a natureza da pesquisa, justificativas, objetivos, métodos, procedimentos, potenciais riscos e benefícios e identificação dos pesquisadores envolvidos. É um documento que visa proteger o participante, o pesquisador e a instituição, devendo ser redigido na forma de convite, sempre dirigindo-se diretamente ao participante e com linguagem acessível, conforme o grau de entendimento da pessoa (sem termos técnicos). A sua aplicação exige um processo de diálogo e confiança mútua em que o participante tenha oportunidade de esclarecer suas dúvidas e tempo para a tomada de uma decisão autônoma.

Em casos de pesquisas que envolvam crianças, deve ser solicitado o termo de assentimento livre e esclarecido, a partir da idade de compreensão do motivo de sua participação em uma pesquisa e como esta se dá, ou seja, 5 anos7. O texto deste documento deve ser bastante simples e direto, conforme a idade e o grau de entendimento da criança/adolescente, explicar os objetivos e procedimentos pelos quais a criança irá passar, perguntar se criança quer participar e informar que caso ela não queira participar ou queira deixar de participar, ela poderá sair da pesquisa sem que seja de forma alguma, punida por isso. É interessante o uso de recursos gráficos como desenhos, personagens, histórias ilustrativas, para melhor compreensão.

Algumas pesquisas, segundo regulamentações do CNS, devem ser encaminhadas para apreciação pela CONEP, quais sejam: 1. genética humana (envio para o exterior de material genético ou qualquer material biológico humano para obtenção de material genético; armazenamento de material biológico ou dados genéticos humanos no exterior e no país; alterações da estrutura genética de células humanas para utilização in vivo; pesquisas na área da genética da reprodução humana (reprogenética); pesquisas em genética do comportamento; e pesquisas nas quais esteja prevista a dissociação irreversível dos dados dos participantes de pesquisa); 2. reprodução humana (reprodução assistida; manipulação de gametas, pré-embriões, embriões e feto; e medicina fetal, quando envolver procedimentos invasivos); 3. equipamentos e dispositivos terapêuticos, novos ou não registrados no País; 4. novos procedimentos terapêuticos invasivos; 5. estudos com populações indígenas; 6. projetos de pesquisa que envolvam organismos geneticamente modificados (OGM), células-tronco embrionárias e organismos que representem alto risco coletivo, incluindo organismos relacionados a eles, nos âmbitos de: experimentação, construção, cultivo, manipulação, transporte, transferência, importação, exportação, armazenamento, liberação no meio ambiente e descarte; 7. protocolos de constituição e funcionamento de biobancos para fins de pesquisa; 8. pesquisas com coordenação e/ou patrocínio originados fora do Brasil, excetuadas aquelas com copatrocínio do governo brasileiro; e 9. projetos que, a critério do CEP e devidamente justificados, sejam julgados merecedores de análise pela CONEP7.

A partir de 2016, a Resolução no 510/2016, dispôs sobre as normas aplicáveis a pesquisas em ciências humanas e sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente obtidos com os participantes ou de informações identificáveis ou que possam acarretar riscos maiores do que os existentes na vida cotidiana. Pesquisas nestas áreas apresentam especificidades éticas e se utilizam de metodologias próprias, dadas suas particularidades5.

Em seu artigo 1°., parágrafo único, determina que não serão registradas nem avaliadas pelo sistema CEP/CONEP: I – pesquisa de opinião pública com participantes não identificados; II – pesquisa que utilize informações de acesso público, nos termos da Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011; III – pesquisa que utilize informações de domínio público; IV - pesquisa censitária; V - pesquisa com bancos de dados, cujas informações são agregadas, sem possibilidade de identificação individual; e VI - pesquisa realizada exclusivamente com textos científicos para revisão da literatura científica; VII - pesquisa que objetiva o aprofundamento teórico de situações que emergem espontânea e contingencialmente na prática profissional, desde que não revelem dados que possam identificar o sujeito; e VIII – atividade realizada com o intuito exclusivamente de educação, ensino ou treinamento sem finalidade de pesquisa científica, de alunos de graduação, de curso técnico, ou de profissionais em especialização5.

Além disso, dentro do caráter educativo, o CEP realiza palestras e cursos de orientação aos pesquisadores quanto aos requisitos para elaboração dos projetos de pesquisa envolvendo seres humanos e, ainda, orienta o pesquisador sobre a Plataforma Brasil e a postagem de seu projeto de pesquisa.

O CEP deve ser constituído para atuar com independência de influências política, institucional, profissional e comercial. Deve ser constituído de especialistas provenientes de diferentes áreas de conhecimento, de caráter multiprofissional e intersetorial, favorecer o equilíbrio entre idade e sexo e incluir pessoas que representem os interesses e as preocupações da comunidade.

São requisitos exigidos aos membros do CEP o conhecimento das condições para nomeação, duração e política para a renovação do mandato; a ausência de conflito de interesses no processo de indicação e nomeação dos membros (quando inevitáveis, deve haver explicitação desses interesses); a disponibilidade em divulgar seu nome completo, profissão e vínculo institucional; a manutenção de confidencialidade relativa às reuniões em que se delibera sobre os projetos, os protocolos submetidos para apreciação, as informações sobre os participantes das pesquisas e os demais assuntos relacionados e a capacitação inicial e continuada ao longo de seu mandato, no que se relaciona aos aspectos éticos e científicos das pesquisas biomédicas7.

Alves (2016)9 destacou fragilidades na atuação de profissionais de saúde, consequente à formação profissional deficiente na área de humanidades e apontou necessidades para melhor entendimento sobre pesquisa em crianças e adolescentes.


COMISSÃO OU COMITÊ DE BIOÉTICA CLÍNICA

Loch e Gauer (2010)10 definem o comitê de bioética clínica como um espaço independente, sediado em hospitais, clínicas, institutos de pesquisa ou laboratórios, onde profissionais de diferentes áreas do conhecimento se reúnem para discutir e trabalhar os diversos componentes de setores de atividades conexas com a vida e a saúde do homem.

Segundo a Recomendação do CFM n° 8/2015, artigo 1°, o comitê de bioética é um colegiado multiprofissional de natureza autônoma, consultiva e educativa que atua em hospitais e instituições assistenciais de saúde, com o objetivo de auxiliar na reflexão e na solução de questões relacionadas à moral e à bioética que surgem na atenção aos pacientes. Esta resolução, recomenda a criação, o funcionamento e a participação dos médicos nos comitês de bioética. Ao diretor técnico e clínico de corpo clínico de hospitais, aos diretores técnicos das demais instituições de saúde e aos presidentes de entidades profissionais médicas que contribuam, no âmbito de sua competência, para a criação, o funcionamento e a manutenção de um comitê de bioética em sua instituição, de acordo com a relevância, a pertinência e o número de profissionais existentes11.

O objetivo principal da bioética clínica é refletir e deliberar sobre os diferentes aspectos envolvidos nos conflitos éticos, em sua maioria, complexos, que se apresentam na prática clínica, com o objetivo de auxiliar na tomada de decisões12.

De acordo com o Centro de Bioética do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP)13, no modelo de constituição para as comissões de bioética hospitalar, esta tem por finalidades:


• Elaborar pareceres sobre problemas de natureza bioética que se apresentem em contextos clínicos;

• Refletir sobre dilemas éticos decorrentes dos progressos científicos e tecnológicos, formular recomendações e contribuir com ações educativas e de divulgação promovendo, assim, conscientização dos profissionais de saúde bem como da comunidade.

• Abordar e dar ênfase às questões relacionadas à humanização do tratamento médico no hospital.


Na Seção I, artigo 12o, sobre as competências da comissão de bioética13, estabelece:

I - A análise, emissão de pareceres, promoção de ações educativas e de divulgação sobre problemas bioéticos, destacando-se os referentes ao:


• Início e fim da vida humana;

• Procedimentos relativos as ações e serviços de saúde;

• Direitos e deveres do paciente;

• Direitos e deveres do profissional de saúde;

• Pacientes terminais e eutanásia

• Transplantes de órgãos, tecidos e partes do corpo humano;

• Recursos profiláticos diagnósticos terapêuticos e de reabilitação;

• Reprodução assistida;

• Prontuário do paciente;

• Clonagem;


II - Zelar pelo cumprimento das normas nacionais e internacionais sobre bioética;

III - Assessorar na expedição de normas técnicas e de instruções para disciplinar as relações entre os profissionais de saúde e pacientes.

IV - Não emitir pareceres de natureza deontológica sugerindo a competência da comissão de ética médica do hospital para tais procedimentos.

De acordo com a Recomendação do CFM n° 8/2015, no artigo 1°, §4, não são funções dos comitês de bioética: a) impor decisões; b) assumir a responsabilidade do consulente; c) emitir juízos de valor sobre práticas profissionais; d) exercer controle sobre práticas profissionais; e) realizar perícias11.

Na área pediátrica, os questionamentos bioéticos são variados e abrangem aspectos particulares posto que o relacionamento médico/paciente se estende aos responsáveis e/ou familiares. Dentre os conflitos, os mais frequentes são aqueles em que o médico se depara com crianças com malformações complexas e incompatíveis com a vida, comunicação de prognósticos reservados, negativa em aceitar transfusão de sangue em algumas crenças religiosas, repetidas manobras de ressuscitação cardiorrespiratória em pacientes terminais, intervenções desnecessárias, interrupção de tratamento fútil, cuidados paliativos, abordagem de adolescentes dependentes químicos ou daqueles em que houve tentativa de suicídio, transtornos mentais que impedem socialização, alta a pedido de familiares de pacientes muito graves, doação de órgãos, seleção genética para obter fenótipos específicos ou para doação de órgãos, e indisponibilidade de vaga em UTI pediátrica ou neonatal. A atuação de um comitê de bioética hospitalar (CBH) representa, em casos como esses, um inestimável instrumento para a melhor decisão a ser tomada em benefício do doente14.

É de responsabilidade da Unidade de Saúde, a estruturação de uma comissão de bioética clínica, segundo demanda. Não há uma legislação nacional ou mesmo diretriz que verse sobre sua criação, mesmo com o aumento dos dilemas bioéticos e dúvidas no cuidado com o paciente, por parte das equipes de saúde. Desta forma, há a necessidade de divulgação de tais temas em eventos, assim como formação e treinamento dos profissionais15.

Um primeiro aspecto a observar é que, para a implementação exitosa das comissões ou comitês de bioética clínica, há a necessidade de definição clara de suas funções e atribuições, sua composição e os seus limites de ação. Um segundo aspecto é o entendimento, na prática, por parte dos profissionais e equipes de saúde, sobre o papel do comitê de bioética clínica, que possui basicamente três focos: educativo, consultivo e normativo, sempre com o objetivo de melhorias no cuidado da equipe, da família e do paciente16.

A iniciativa de implementação parte, na maioria das vezes, da necessidade de discussão de aspectos culturais, sociais, diagnósticos ou terapêuticos, pautados na ética profissional e na legislação vigente, onde profissionais de saúde possam discutir, em ambiente seguro, com objetivo de compartilhar dúvidas, dilemas, angústias e responsabilidades sobre a melhor atenção a ser ofertada.

O comitê poderá iniciar as atividades com discussões de conteúdo teórico bioético e legislativo e, assim, verificar suas necessidades para composição. Alguns comitês mantêm apenas profissionais de saúde, outros já evoluíram para um olhar além da saúde, com teólogos, antropólogos, advogados e administradores. Na escolha dos nomes integrantes do comitê de bioética, deverá ser respeitado um número máximo de 50% de profissionais da mesma categoria funcional do quadro do hospital. A partir de sua função consultiva, o comitê de bioética auxilia o profissional de saúde em situações de conflito, favorecendo uma prática clínica ética, ponderada e adequada às demandas que surgem.

Resumindo, o comitê de bioética clínica difere de outras comissões de ética que igualmente atuam nas instituições de saúde, como as comissões de ética e deontologia médica e as de enfermagem, voltadas para a observação do cumprimento dos deveres profissionais de médicos e enfermeiros. Também difere dos comitês de ética em pesquisa, que visam analisar a adequação ética dos projetos de pesquisa envolvendo seres humanos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ética é considerada uma construção humana, portanto, social, cultural e histórica. Em todos os âmbitos destas comissões, é fundamental que se garanta a condução ética dos processos, garantindo a proteção e confiança entre os indivíduos envolvidos, mantendo a confidencialidade, o sigilo e a privacidade.

A confidencialidade visa resguardar as informações dadas em confiança e a proteção contra a sua revelação não autorizada. O sigilo profissional visa coibir a publicidade sobre fatos conhecidos durante o exercício de sua profissão e cuja revelação acarretaria dano à reputação, ao crédito, ao interesse moral ou econômico dos clientes e seus familiares, sendo garantido em artigos da Constituição Federal de 1988 e no Código Civil Brasileiro - Lei no 010406/2002. A privacidade garante o direito do participante de manter o controle sobre suas escolhas e informações pessoais e de resguardar sua intimidade, sua imagem e seus dados pessoais, sendo uma garantia de que essas escolhas de vida não sofrerão invasões indevidas, pelo controle público, estatal ou não estatal, e pela reprovação social a partir das características ou dos resultados da pesquisa (limitação de acesso)5. O respeito a estas diretrizes éticas garante aos profissionais o adequado exercício de sua atividade, seja do ponto de vista da atuação profissional assistencial e interpessoal, da pesquisa clínica ou dos dilemas enfrentados durante sua prática.


“Atua de um modo tal que os efeitos de
sua ação sejam compatíveis com a permanência de
uma vida humana autêntica na Terra e não sejam
destrutivas para a possibilidade de vida futura”.


Hans Jonas (“O Princípio da Responsabilidade” - 1979)



REFERÊNCIAS

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2. Conselho Federal de Medicina (CFM). Resolução CFM no 1.657/2002. Estabelece normas de organização, funcionamento e eleição, competências das comissões de ética médica dos estabelecimentos de saúde, e dá outras providências [Internet]. Brasília (DF): CFM; 2002; [acesso em 2020 Set 30]. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2002/1657

3. Conselho Federal de Medicina (CFM). Resolução CFM no 1.812/2007. Altera o art. 6º da Resolução CFM no 1.657/2002, de 11 de dezembro de 2002, publicada em 20 de dezembro de 2002, que estabelece normas de organização, funcionamento e eleição, competências das comissões de ética médica dos estabelecimentos de saúde, e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 27 fev 2007; Seção 1: 39; [acesso em 2020 Set 30]. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2007/1812

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15. Marinho S, Costa A, Palácios M, Rego S. Implementação de comitês de bioética em hospitais universitários brasileiros: dificuldades e viabilidades. Rev Bioét. 2014 Abr;22(1):105-15.

16. Goldim JR, Francisconi CF. Os comitês de ética hospitalar. Rev Bioét. 1998;6(2):149-55.










1. Faculdades Pequeno Príncipe, Professora do Curso de Medicina e do Mestrado de Ensino das Ciências da Saúde - Curitiba - PR - Brasil
2. Professor adjunto da PUC Minas e Universidade Fumec, Medicina - Belo Horizonte - MG - Brasil
3. Sociedade de Pediatria de São Paulo, Diretoria Executiva - São Paulo - SP - Brasil
4. Professora Afiliada - Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina (UNIFESP/EPM), Departamento de Pediatria - São Paulo - SP - Brasil

Endereço para correspondência:
Rosana Alves
Faculdades Pequeno Príncipe
Av. Iguaçu, 333 - Rebouças
Curitiba/PR, 80230-020
E-mail: rosana.alves@fpp.edu.br

Data de Submissão: 15/01/2020
Data de Aprovação: 06/02/2020