ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2021 - Volume 11 - Número 3

Relato de caso: síndrome do cromossomo 15 em anel e atresia de esôfago

Case report: ring chromosome 15 syndrome and esophageal atresia

RESUMO

A Síndrome do cromossomo 15 em anel é uma rara aneuploidia com fenótipo variável na qual o diagnóstico definitivo se dá por meio do cariótipo e pode ser complementado com métodos moleculares para identificar com maior precisão o ponto de quebra dos telômeros. Não há tratamento específico, apenas suporte clínico ou tratamento direcionando para as malformações correlacionadas. Esse trabalho consiste em um relato de caso de um recém nascido com diagnóstico precoce baseado em alterações clinicas iniciais e exames de imagem. Descrevemos a avaliação, confirmação diagnóstica e o manejo clínico e cirúrgico da paciente, bem como uma revisão da literatura.

Palavras-chave: Cromossomos Humanos Par 15, Cromossomos em Anel, Atresia Esofágica.

ABSTRACT

Ring Chromosome 15 Syndrome is a rare neuploidy with variable phenotype in which the definitive diagnosis is made through karyotype and can be complemented with molecular methods to more accurately identify the telomere break point. There is no specific treatment, only clinical support or treatment targeting the correlated malformations. This work consists of a case report of a newborn with early diagnosis based on initial clinical alterations and imaging and karyotype tests. We describe the assessment, diagnostic confirmation, and clinical and surgical management of the patient, as well as a review of the literature.

Keywords: Chromosomes, Human, Pair 15, Ring Chromosomes, Esophageal Atresia.


INTRODUÇÃO

A Síndrome do cromossomo 15 em anel [r(15)] é uma rara anormalidade reportada em menos de cem casos em toda literatura. Ocorre perda de telômeros, fusão de pontos de fratura do braço curto e do braço longo do cromossomo formando um anel.1,2

É uma rara aneuploidia com fenótipo variável, mas predominantemente apresentando alterações físicas, atraso no crescimento, deficiência intelectual e dismorfismos diversos, dificultando a correlação entre genótipo e fenótipo.3,4

O diagnóstico se dá por meio do cariótipo, podendo identificar com maior precisão o ponto de quebra com auxílio de métodos moleculares.5,6

Não há tratamento específico, apenas suporte clínico ou tratamento direcionando para as malformações correlacionadas, por exemplo, cirúrgico.7,8,9,10,11

Este relato de caso tem por objetivo direcionar e favorecer o diagnóstico de quadros clínicos semelhantes, uma vez que o quadro é subdiagnosticado


RELATO DE CASO

Recém-nascido, sexo feminino, mãe com 25 anos, primigesta, hígida, gestação sem intercorrências ou uso de medicações. Nega drogadição. Pais não consanguíneos. Nega doenças familiares. Parto vaginal, sem intercorrências, idade gestacional de 39 semanas e 2 dias, peso ao nascer 3,565 gramas (percentil 50), perímetro cefálico 34cm (percentil 50), perímetro torácico 34,5cm (percentil 50), comprimento 49cm (percentil 50), Apgar de primeiro minuto 8 e de quinto minuto 10.

Com cinco horas de vida foi encaminhada à unidade de terapia intensiva neonatal (UTI neonatal) devido à sialorreia intensa e dificuldade para passagem de sonda nasogástrica. Foi realizada radiografia contrastada de tórax que evidenciou atresia de esôfago e esofagograma com imagem em fundo cego, confirmando a hipótese diagnóstica. Paciente mantida em jejum, levada à UTI neonatal e realizada esofagoplastia. Internada por 20 dias na UTI neonatal, sendo transferida para enfermaria de pediatria; ecocardiograma normal.

Mãe evadiu o serviço, retornando ao pronto socorro infantil após quinze dias devido a um episódio de engasgo, cianose, estridor laríngeo, sonolência e hipotonia. Investigada e diagnosticada como estenose esofágica subglótica residual, sendo realizada cirurgia de Nissen e gastrostomia.

Foi iniciada investigação genética com três meses de idade, com perímetro cefálico adequado para a idade e atraso do desenvolvimento neuropsicomotor com hipotonia cervical. Ausência de dismorfismo grosseiro em faces ou manchas café com leite, como descrito na literatura como sinal dismórfico, porém apresentando clinodactilia do quinto dedo em mão esquerda, rarefação de cabelos em região parietal bilateral e estrabismo bilateral.

Realizou-se cariótipo com 46,XX,r(15)(p13q26)[47]/45,XX,-15[3], que em 47/50 metáfases analisadas foi detectado um cromossomo 15 em anel e em 3/50 metáfases foi detectada monossomia do cromossomo 15. Pais não realizaram cariótipo. Diagnóstico, portanto, de síndrome do cromossomo
15 em anel com necessidade de investigação com outros testes moleculares para caracterizar os pontos de quebra e eventuais perdas e ganhos de material, e correlacioná-los com a atresia de esôfago (Figura 1).


Figura 1. Cariótipo de banda G.



Aos sete meses de idade, apresentava atraso no desenvolvimento neuropsicomotor sem sustentação da cabeça quando a criança era elevada; ausência de sorriso social, não segurava objetos ou mantinha-se sentada com apoio, não vocalizava ou imitia sons, porém seguia objetos com o olhar e possuía reação a pessoas estranhas.


DISCUSSÃO

A primeira descrição na literatura foi em 1966, desde então poucos casos foram relatados devido à dificuldade em correlacionar o quadro clinico com as características genéticas do paciente. A média de idade de diagnóstico é aos 8,1 anos1,2.

Hatem et al. (2007)3 descreveram um diagnóstico intraútero da síndrome do cromossomo 15 em anel com malformação congênita, confirmada na autópsia, apresentando fácies triangular, hérnia diafragmática, hipoplasia pulmonar e renal, associada a rins policísticos. Feto com prega nucal espessada, artéria umbilical única e retardo de crescimento intraútero como indicativo de necessidade de investigação para anormalidades cromossômicas4.

As características clínicas da síndrome foram variadas e inespecíficas. Clinodactilia do quinto dedo da mão5, implantação de cabelos esparsos em região temporal, hérnia diafragmática, hipotonia generalizada, hipoplasia renal e malformações cardíacas são descritas na literatura6. Atresia de esôfago, embora descrita nesse relato de caso, não há descrição em demais artigos. Pacientes do sexo masculino podem apresentar criptorquidia, azoospermia, hipogonadismo ou hipogenitalismo e, na maioria dos casos, são estéreis7,8. No entanto, a função gonadal ovariana, desenvolvimento sexual e fertilidade parecem normais na maioria das mulheres afetadas.

O diagnóstico genético se dá pelo cariótipo e outras técnicas moleculares, como hibridação fluorescente in situ (FISH) que caracteriza o cromossomo r(15) e a hibridação genômica comparativa de matriz (Array-CGH) que determina o tamanho da deleção 15q9-11. Além das alterações típicas da síndrome, deve-se considerar a influência epigenética e as consequências da instabilidade do cromossomo 15 em anel.

O tratamento é direcionado para os sintomas específicos que são aparentes em cada indivíduo, incluindo correções cirúrgicas, fisioterapia, terapia da fala e outros serviços médicos, sociais e/ou profissionais. O aconselhamento genético também será benéfico para os indivíduos afetados e suas famílias10,11.

O fato de não haver descrição de atresia esofágica na literatura indica que, na ocorrência desta doença cromossômica, o rastreio para malformações internas deve ser o mais amplo possível, não restringindo apenas às malformações fenotípicas como baixa estatura, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, prega transversa ou outras características dismórficas, mas alterações cardiológicas, gastrointestinais, entre outras já descritas na literatura.


REFERÊNCIAS

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1. Hospital da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Médico - Residente de Pediatria - Campinas - São Paulo - Brasil
2. Hospital da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Médico - Pediatra nefrologista e preceptora do Programa de Residência Médica de Pediatria - Campinas - São Paulo - Brasil
3. Hospital da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Médico - Pediatra pneumologista e docente do Programa de Residência Médica de Pediatria - Campinas - São Paulo - Brasil

Endereço para correspondência:
Caroline Schleiffer Buoniconti
Hospital da Pontifícia Universidade Católica de Campinas
Av. John Boyd Dunlop, S/N - Jardim Londres
Campinas/SP, 13034-685
E-mail: carolineschb@gmail.com

Data de Submissão: 15/01/2020
Data de Aprovação: 06/02/2020