ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2022 - Volume 12 - Número 1

Implicações nutricionais da alimentação vegetariana e vegana no desenvolvimento infantil: uma revisão narrativa

Clinical implications of vegetarian and vegan diets in child development: a narrative review

RESUMO

OBJETIVOS: Analisar os riscos e benefícios de uma alimentação vegetariana e vegana no desenvolvimento infantil, apontando os possíveis déficits nutricionais e como resolvê-los.
MÉTODOS: Trata-se de uma revisão narrativa atual, por meio de um levantamento, nos bancos de dados MEDLINE®, PubMed® e SciELO, de artigos relacionados às dietas vegetariana e vegana em crianças e suas repercussões ao desenvolvimento. Foram usados os descritores “dieta vegetariana”, “dieta vegana” e “desenvolvimento infantil”.
RESULTADOS: O vegetarianismo e veganismo, apesar de seu potencial déficit de nutrientes envolvidos em funções biológicas vitais, dispõem de uma dieta baseada em alimentos vegetais que proporcionam benefícios clínicos, como menor incidência de doenças cardiovasculares, câncer e diabetes. Mulheres veganas que desejam engravidar devem ter uma dieta bem planejada e equilibrada. O aleitamento materno é a forma ideal e a primeira opção alimentar aos bebês vegetarianos/veganos; entretanto, na impossibilidade, há fórmulas a base de soja. As primeiras refeições, aos seis meses, devem ser ricas em proteína, ferro, zinco, sendo a vitamina B12 o nutriente mais preocupante, por sua participação no desenvolvimento neurológico da criança, devendo ser suplementado quando necessário.
CONCLUSÃO: O pediatra deve orientar a família, alertar os riscos e esclarecer que a dieta vegetariana/vegana bem planejada e de qualidade não altera o desenvolvimento infantil, mas demanda monitoramento periódico para avaliação e possíveis suplementações.

Palavras-chave: Dieta Vegetariana, Dieta Vegana, Desenvolvimento Infantil.

ABSTRACT

Objectives: To analyze the risks and benefits of vegetarian and vegan diet in child development, showing possible nutritional deficits and how to manage them.
Methods: This is a current narrative review, related to vegetarian and vegan diets in children and their repercussions on development, searched in MEDLINE®, PubMed® and SciELO databases, using the keywords “vegetarian diet”, “vegan diet”, “child development”.
Results: Despite vegetarian and vegan diets presents risks due to deficit of nutrients involved in vital biological functions, a diet based on vegetables provides clinical benefits, such as a lower incidence of cardiovascular disease, cancer and diabetes. Vegan women who desire to become pregnant should have a well-planned and balanced diet. Breastfeeding is the ideal way and the first option to feed vegetarian/vegan babies; however, if exists an impossibility, there are soy-based formulas on the market. The first meals, at six months, should be rich in protein, iron, zinc and the vitamin B12 is the most worrying nutrient due to its participation in child’s neurological development and must be supplemented if necessary.
Conclusion: Pediatricians should guide families, alert them about the risks and enlighten that a high-class and well-planned diet does not change child development, although requires periodic monitoring for evaluation and possible supplementation.

Keywords: Diet, Vegetarian, Diet, Vegan, Child Development.


INTRODUÇÃO

O vegetarianismo e o veganismo têm sido foco intenso de debate sobre possíveis riscos e benefícios que podem acarretar ao desenvolvimento infantil, principalmente, nas primeiras fases da vida: gravidez, lactação e infância1.

O vegetarianismo é um padrão alimentar baseado na exclusão da ingesta de carne, subdividindo-se em alguns tipos, conforme o nível de restrição de produtos de origem animal2. Essa gama de dietas vegetarianas acaba por dificultar a tarefa de comparar e contrastar os possíveis benefícios à saúde desse tipo de alimentação3. Já uma dieta vegana é baseada, exclusivamente, em alimentos vegetais, ou seja, abstém-se de todos os derivados de origem animal, como carne, peixe, ovos, laticínios e mel4.

Toda criança, a princípio, tem o início de sua vida como vegetariana, já que os primeiros seis meses de vida contemplam o período de aleitamento materno exclusivo ou, caso não ocorra a amamentação, o uso de fórmulas adequadas conforme a necessidade de cada lactente. A introdução alimentar, então, acontece no segundo semestre, como forma de fornecer a demanda energética e nutricional apropriada até que a criança consiga ser inserida na dieta familiar5.

A European Society for Paediatric, Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (ESPGHAN), a American Dietetic Association (ADA), a Academy of Nutrition and Dietetics (AND) e a American Academy of Pediatrics (AAP) afirmam que, embora haja uma escassez de informações sobre introdução alimentar vegetariana, quando bem elaborada, as necessidades nutricionais do lactente conseguem ser contempladas, sem prejuízo ao desenvolvimento cognitivo e ao ganho ponderal da criança. Entretanto, no que diz respeito a uma dieta vegana nos primeiros anos de vida, a ESPGHAN adverte que ajustes nutricionais são fundamentais, além de uma supervisão e orientação médicas rigorosas6.

Diante da relevante função dos médicos pediatras na orientação dos pais e/ou cuidadores frente à amamentação e introdução alimentar, objetiva-se, com a presente revisão, analisar os riscos e benefícios clínicos de uma alimentação vegetariana e vegana no desenvolvimento infantil, apontando os possíveis déficits nutricionais e como resolvê-los.


MÉTODOS

Trata-se de uma revisão narrativa, realizada no intervalo de maio a junho de 2020, por meio do levantamento de evidências em livros atualizados e nos bancos de dados MEDLINE®, PubMed® e SciELO. Para isso, foram utilizados os descritores “dieta vegetariana”, “dieta vegana” e “desenvolvimento infantil” em português, inglês e espanhol.

Utilizou-se como critérios de inclusão artigos publicados em português, inglês e espanhol, com disponibilidade de resumos para identificação e acesso aos mesmos na íntegra, preenchendo as propostas para o objetivo desse estudo. A busca resultou em 38 artigos, dentre os quais foram exclusos aqueles que não preenchiam os critérios de inclusão supracitados, totalizando 20 artigos e um livro de atualizações pediátricas referentes ao tema e ao objetivo proposto.


RESULTADOS E DISCUSSÃO

Riscos e benefícios


Afinal, a alimentação vegetariana na infância é segura? A resposta inicial deve ser exatamente a mesma se perguntássemos sobre um padrão alimentar onívoro ou ovolactovegetariano: depende1. A ESPGHAN alerta para riscos maiores de desenvolver carências nutricionais no vegetarianismo/veganismo, enquanto a ADA e a AND afirmam que esse hábito alimentar é nutricionalmente adequado para todos os estágios da vida, incluindo infância, gravidez e lactação, desde que bem planejadas, monitoradas e com correta distribuição de alimentos de qualidade, como em qualquer dieta onívora e balanceada1,5,6.

Qualquer que seja o motivo pelo qual se decida seguir a dieta vegetariana, deve-se conhecer suas vantagens e desvantagens, especialmente, na infância. A maior controvérsia decorre dos possíveis riscos causados pelo déficit de nutrientes, podendo comprometer o desenvolvimento infantil. Proteínas, ácidos graxos, ômega 3, ferro, cálcio, zinco, iodo, vitaminas D e B12, riboflavina e selênio são os nutrientes envolvidos em funções biológicas vitais durante o crescimento e que podem ser insuficientes nessa dieta e, principalmente, na vegana3.

Em contrapartida, sabe-se que a dieta com base em alimentos vegetais, cereais de grãos integrais, frutas, nozes, leguminosas, entre outros, proporciona benefícios clínicos importantes, como um menor risco para hipertensão, doenças coronarianas, obesidade, alguns tipos de câncer e, ainda, diabetes com início na fase adulta. Acredita-se que esses benefícios provêm do alto teor de fibras, fitoquímicos e antioxidantes presentes nessa dieta, além de possuírem um reduzido teor de colesterol e gorduras saturadas5.

Comparados aos não vegetarianos, as crianças vegetarianas tendem a consumir mais frutas, vegetais e legumes. Portanto, a ingestão de fibras, vitaminas A, C e E, folato, magnésio e potássio é, geralmente, maior; enquanto que o consumo de calorias totais, gorduras saturadas, vitaminas D e B12 e zinco pode ser menor. Ademais, crianças e adolescentes vegetarianos e veganos tendem a consumir menos açúcares e alimentos processados. Em geral, seu padrão alimentar está mais próximo das recomendações oficiais do que as dietas ocidentais típicas7. Na Tabela 1, é possível observar uma comparação entre a absorção de nutrientes em uma dieta vegetariana em relação à onívora.




Considerações sobre a gestante vegetariana e vegana

Para as gestantes, naturalmente, há um aumento da demanda de nutrientes fundamentais ao desenvolvimento adequado do feto. Um baixo índice de massa corporal (IMC) ou privação desses micronutrientes na gestação podem implicar consequências diretas no parto e, consequentemente, prejuízos irreversíveis ao desenvolvimento da criança, em quesitos físicos, cognitivos e metabólicos, até alcançarem a vida adulta8.

Com a evolução da gestação, a necessidade de proteínas aumenta em cerca de 37%, principalmente, no terceiro trimestre. Estudos mostram que as proteínas provindas de vegetais são satisfatórias quando atingem o aporte necessário. Além disso, há evidências de que uma dieta vegana diminua o risco de pré-eclâmpsia e diabetes gestacional8.

Considerando que, no geral, as mulheres não modificam sua dieta durante a gestação, torna-se imperativo que vegetarianas/veganas tenham uma dieta bem planejada e equilibrada durante e previamente à gravidez, realizando dosagens séricas de vitamina B12 e ferro regularmente8. Outrossim, deve-se ressaltar que todas as gestantes necessitam de suplementação nutricional apropriada, como ferro, ácido fólico e vitamina D e B12, principalmente, para as veganas8.

Aleitamento materno exclusivo e uso de fórmulas

A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a ESPGHAN recomendam o aleitamento materno exclusivo até os seis primeiros meses de vida, mantendo até os dois anos2,5,6. Entende-se por aleitamento materno exclusivo a oferta apenas de leite materno sem nenhum outro líquido ou sólido, com exceção de vitaminas, suplementos minerais ou fármacos, quando necessário2. Essa orientação se baseia nas vantagens da amamentação exclusiva, como a segurança nutricional ao lactente e a redução de episódios alérgicos e infeciosos2,5,6,9. Além disso, o processo de amamentação é livre de contaminações, contrapondo-se ao uso de fórmulas infantis, que durante seu preparo podem apresentar algum risco. O leite materno também contém substâncias não encontradas em outros tipos de leite ou fórmulas, como as imunoglobulinas e o fator bífido, que estimula a formação da flora bacteriana intestinal9.

Assim como em famílias onívoras, a amamentação é primeira opção alimentar ideal para bebês vegetarianos e veganos, devendo ser incentivada em toda consulta2,3,7,9,10. As taxas de amamentação das famílias que optam por esses estilos alimentares tendem a ser mais altas que em famílias onívoras5. As mães vegetarianas/veganas deverão ser orientadas e tranquilizadas quanto ao seu leite, já que é nutricionalmente adequado e sua composição é semelhante aos de mães não vegetarianas e não veganas, com exceção dos níveis de vitamina B12 nas lactantes veganas2,3,9.

A vitamina B12 está presente apenas em alimentos de origem animal e, por isso, pode estar abaixo dos níveis da normalidade na dieta de origem vegetal9. Estudos substanciais mostram que bebês amamentados por mães veganas podem apresentar danos neurológicos irreversíveis, devendo ser alertadas sobre esses potenciais danos2,11,12. Dessa forma, se a lactante não estiver ingerindo fontes confiáveis de B12, ela deverá ser suplementada para garantir uma boa concentração no leite materno4. Em caso de dúvida, tanto mãe como lactente devem ser suplementados2. A suplementação do lactente até seis meses deve ser de 0,4mcg/dia2,3,6.

Apesar dos benefícios e fortes recomendações sobre a amamentação, há situações limitadoras ao aleitamento materno exclusivo, como mães portadoras de HIV ou HTLV, lesão herpética na mama, vacinação há menos de 14 dias contra febre amarela, quimioterapia ou radioterapia, incluindo mães veganas e vegetarianas. Sendo assim, há necessidade de alternativas alinhadas à escolha nutricional dessas famílias9.

Da mesma forma que o leite de vaca não deve ser introduzido antes dos dois anos de vida, devido a inúmeros malefícios à criança, o extrato vegetal, equivalente ao leite animal no veganismo, também só poderá ser usado como alternativa após este período. Dessa maneira, as alternativas para nutrição de crianças desmamadas nessa faixa etária são restritas, restando as fórmulas infantis de proteína isolada da soja, que devem estar de acordo com as recomendações internacionais2,3,6,9-11. Elas são usadas há mais de 60 anos e têm se mostrado seguras e eficazes na substituição ao leite materno. Embora possuam menor valor nutricional que as fórmulas lácteas, são capazes de promover o crescimento e desenvolvimento normais de lactentes a termo desde o nascimento e de modo semelhante ao leite materno2,9.

Entretanto, apesar de nutricionalmente adequadas, as fórmulas infantis à base de soja apresentam elevada concentração de alumínio, fitatos e fitoestrogênios e, ainda, há discussões na literatura quanto a sua segurança, principalmente, com os efeitos a longo prazo após uma exposição tão precoce2,11.

As famílias lacto e ovolactovegetarianas podem usar a fórmula infantil à base de leite de vaca. Existem algumas fórmulas preparadas a partir de leite orgânico de vaca ou cabra que atendem às diretrizes da União Europeia para fórmulas infantis, sendo a escolha de muitas famílias vegetarianas.

Já para lactentes de famílias veganas, apesar das considerações acima, a melhor opção é a fórmula infantil a base de proteína isolada de soja, podendo substituir o leite animal após os seis meses de idade7,10. Outras bebidas à base de extratos vegetais, como de amêndoas, aveia e arroz, sejam industrializadas ou caseiras, possuem quantidade muito menor de proteína e não servem como substitutas do leite de vaca para lactentes, mesmo aquelas suplementadas de cálcio, além de não poderem ser usadas em crianças pré-termo, já que não atingem as concentrações de nutrientes recomendadas para elas2,7,11. Vale ressaltar que o uso dessas bebidas vegetais, muitas vezes, misturadas com sucos de frutas e vegetais, produzem casos de desnutrição grave, distúrbios neurológicos e até morte7,10.

A ADA estabelece que crianças vegetarianas com um suprimento correto de leite materno ou fórmula infantil têm crescimento normal3,5. Entretanto, há uma estrita necessidade de acompanhamento e monitoramento dessas crianças, principalmente, em lactentes, por profissionais de saúde, a fim de garantir níveis satisfatórios de nutrientes, seja pela dieta ou suplementação3,11,12.

Introdução alimentar na criança vegetariana e vegana

A partir do sexto mês de vida, uma alimentação complementar deve ser introduzida, pois as necessidades do lactente em relação a proteínas, zinco, ferro, algumas vitaminas e energia total são mais difíceis de serem supridas pelo aleitamento materno exclusivo3,5. A introdução alimentar vegana ou vegetariana segue os mesmos guias de uma alimentação onívora13.

O início alimentar para crianças vegetarianas e veganas requer riqueza de micronutrientes e representa reduzido aporte de gorduras saturadas, principalmente, quando bem planejadas e variadas, tendo em vista sua participação ativa no crescimento dessa faixa etária2,5,7. As primeiras refeições, aos seis meses, devem ser ricas em energia, proteína, ferro, zinco e podem incluir húmus, tofu, legumes bem cozidos e purê de abacate14. A Fundação Britânica de Nutrição atesta que, embora com menor ingesta calórica, as crianças com dieta vegana crescem adequadamente3,14.

Um importante aspecto a ser acompanhado é o IMC, que, apesar de se manter dentro dos parâmetros de normalidade, pode apresentar valores menores que aqueles em crianças onívoras3,5. Em contrapartida, também há relatos de ingesta calórica abaixo do preconizado, em casos de pouca diversificação e má execução da dieta. Esse fato reitera a eminente necessidade de planejamento e monitoramento da alimentação de crianças veganas/vegetarianas, a fim de evitar carências nutricionais e atraso do crescimento3.

Em virtude desses contrapontos, os dados antropométricos devem ser controlados periodicamente, para intervenção precoce em caso de desvios de normalidade3. Ademais, uma atenção redobrada deve ser direcionada para alguns nutrientes, sendo eles, as proteínas; os elementos ferro, cálcio, zinco e iodo; componentes do ômega 3 e as vitaminas D e B12, sendo esta última a única que possui indicação consensual de suplementação3,5. Em estudos comparativos de crianças vegetarianas e onívoras, a ingestão de outros micronutrientes essenciais, como folato, magnésio, carboidratos, fibras, vitaminas A e C, encontra-se de acordo com valores de referência15.

A Tabela 2 lista, resumidamente, fontes de alimentos vegetais dos principais nutrientes que têm sido alvos da atenção das dietas vegetarianas e veganas.




Tais dietas possuem quantidade suficiente de proteínas que, inclusive, ultrapassam a cota proteica diária, por serem facilmente encontradas em alimentos de origem vegetal. Para satisfatório desenvolvimento físico e metabólico, a alimentação deve ser diversificada, contendo produtos de soja, leguminosas, tahine, sementes oleaginosas, nozes e grãos integrais, que concentram energia e quantidade de aminoácidos adequadas, além da excelente combinação de arroz e feijão5,9,16. Os legumes são os principais substitutos das carnes e podem ser introduzidos em forma de papinhas, sopas, purês ou saladas para as crianças maiores1,7.

Porém, as necessidades proteicas de crianças veganas podem ser um pouco maiores que em não veganas, devido às diferenças na composição dos aminoácidos de origem vegetal. A ADA recomenda um aporte de 30 a 35% maior para 1 a 2 anos de idade, 20 a 30% para 2 a 6 anos e, para maiores de 6 anos, 15 a 20%14. Ademais, alimentos devem ser mais frequentemente oferecidos à criança, para que se alcance o aporte energético ideal16.

A biodisponibilidade de ferro é um pouco menor em alimentos de origem vegetal, comparados aos de origem animal. Em vegetarianos/veganos, é preciso atentar-se à possibilidade de anemia ferropriva, embora não haja relatos de maior incidência nesse grupo, além de prejuízo ao desewnvolvimento neuropsicomotor e imune. A maior preocupação, no entanto, está no seu déficit de absorção, visto que, em insumos vegetais, sua disponibilidade se apresenta em reduzida biodisponibilidade, na forma não-heme, sendo necessária a combinação de alimentos ricos em vitamina C para que a absorção de ferro seja otimizada. Para isso, recomenda-se, também, o consumo de sementes germinadas, oleaginosas e legumes cozidos, evitando associação com cafés e chás durante as refeições1,3,5,16,17.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (2018)18 aconselha a suplementação de ferro dos três meses aos dois anos de idade para todas as crianças, vegetarianas ou não, conforme a Tabela 3.




O balanço sérico de cálcio e zinco entre vegetarianos e não vegetarianos não apresenta diferenças significativas comprovadas3,5. Uma colher de sopa de sementes de gergelim ou um prato de brócolis ou outros vegetais crucíferos contêm a mesma quantidade de cálcio que um copo de leite animal e, ainda, com absorção aumentada1,5. Entretanto, além da preocupação com a quantidade de cálcio e zinco biodisponível, é fundamental a atenção aos fitatos e oxalatos presentes em alimentos vegetais e ao consumo aumentado de fibras inerente ao vegetarianismo/veganismo, que dificultam a absorção desses minerais pelo organismo e, assim, levam a malefícios ao crescimento, ao sistema imunológico e à saúde óssea3,16,17.

A vitamina B12 é o nutriente mais crítico a ser monitorado em uma alimentação vegana, visto que desempenha papel importante na produção celular e na manutenção do sistema nervoso, sendo sua deficiência capaz de levar a uma anemia megaloblástica, um aumento do risco de doenças cardiovasculares e, o mais preocupante, a danos neuronais, como hiporreatividade muscular, hipotonia muscular, irritabilidade, vômitos, apatia, regressão do desenvolvimento motor grosso e fino, comprometimento psicomotor, retardo do crescimento e atrofia muscular1,5,11. Algumas fontes vegetais, como as cianobactérias e derivados da soja, apresentam maior quantidade da forma inativa da vitamina, tornando seu consumo insuficiente em relação ao consumo das fontes animais. Por isso, é recomendada sua suplementação em todos os adeptos à alimentação vegetariana/vegana em todas as idades1,5.

A deficiência de B12 deve ser monitorada não apenas por redução na dosagem sérica, mas, também, pela macrocitose, pelo aumento de homocisteína e ácido metilmalônico no sangue ou pela redução de holotranscobalamina, que corresponde à fração ativa biodisponível, funcionando como marcador precoce do déficit vitamínico1. Uma atenção maior deve ser dada àqueles que já possuíam estoques de B12 reduzidos previamente a modificações dietéticas5.

A suplementação pode ser feita por alimentos fortificados com B12 ou medicamentos, preferencialmente por vira oral e por tempo indeterminado, sendo 10mcg/dia suficiente para prevenir a deficiência19,20. Os suplementos mais encontrados no Brasil são de 500-1.000mcg; entretanto, não foram relatados efeitos adversos pela superdose de vitamina B12, por ser hidrossolúvel21. Pela alimentação fortificada, é possível prevenir o déficit desde que o consumo alcance 2,4mcg/dia20.

Atualmente, a deficiência de vitamina D é comumente encontrada na população, seja ela vegana ou onívora, em decorrência da menor exposição direta ao sol, expondo as crianças ao risco de raquitismo. Ela pode ser reposta de modo exógeno pela forma vegetal ergocalciferol (vitamina D2), para vegetarianos/veganos1,5,16.


CONCLUSÃO

Conclui-se, portanto, que diante da escolha de inserir uma criança, mesmo nos primeiros anos de vida, numa dieta vegetariana ou vegana, o trabalho do pediatra é respeitar e aconselhar a família, alertando sobre seus riscos. Em geral, essa dieta não altera o desenvolvimento infantil, desde que muito bem planejada e diversificada. Para isso, a consulta periódica ao pediatra e nutricionista é eminentemente necessária. Ademais, por fazer parte da formação neurológica da criança, a vitamina B12 deve ser monitorada e suplementada via oral, a fim de evitar danos irreversíveis, além do controle e, se preciso, da suplementação de ferro, zinco e cálcio. Por fim, é importante destacar que, em qualquer padrão alimentar, a dieta deve ser baseada em produtos de qualidade, priorizando frutas e vegetais; sem excesso de açúcares, sal e aditivos sintéticos e com o menor processamento possível, visto que alimentos ultraprocessados de origem vegetal ainda são tão desaconselháveis quanto aqueles ultraprocessados de origem animal.


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1. Centro Universitário de Volta Redonda, Estudante do Curso de Medicina - Volta Redonda - Rio de Janeiro - Brasil
2. Centro Universitário de Volta Redonda, Supervisora de Módulo e Professora de Pediatria do Curso de Medicina - Volta Redonda - Rio de Janeiro - Brasil

Autor correspondente:

Fernanda Morellato Bravo
Universidade Federal do Espírito Santo
Av. Fernando Ferrari, 514 - Goiabeiras, Vitória,ES, Brasil
CEP: 29075-910
E-mail: fernandambravo@gmail.com

Data de Submissão: 14/06/2020
Data de Aprovación: 04/08/2020