Relato de Caso
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Ano 2022 -
Volume 12 -
Número
1
Eventração diafragmática em lactente: um achado radiológico
Diaphragmatic eventration in infant: a radiological finding
Larissa Cerqueira Pereira Paes1; Maina Tavares Zanoni1; Juliana Cristina Castanheira Guarato1; Adriana Cartafina Perez-Bóscollo2
RESUMO
OBJETIVOS: Relatar o caso de um lactente com eventração diafragmática (ED) diagnosticada durante a investigação de infecção respiratória aguda. No paciente assintomático, a conduta é conservadora.
MÉTODOS: Revisão de prontuário eletrônico institucional.
RESULTADOS: Paciente de 1 ano e 6 meses atendido em pronto socorro com história de febre há três dias. Na investigação foi realizada triagem infecciosa, incluindo radiografia de tórax, a qual evidenciou elevação da cúpula diafragmática esquerda Figura 1. Histórico prévio de um episódio de bronquiolite sem indicação de radiografia. Não apresenta queixas respiratórias recorrentes ou alterações na ausculta pulmonar. Após alteração do exame radiológico, foi solicitada tomografia de tórax para melhor elucidação e acompanhamento do caso.
CONCLUSÃO: A eventração pode associar-se a outras malformações e apresenta clínica ampla e variável desde pacientes assintomáticos, com infecções respiratórias de repetição, até com hipoplasia pulmonar. Como a maioria dos casos é assintomática, a conduta é geralmente conservadora. Se necessária intervenção cirúrgica, essa visa o aumento volumétrico dos pulmões e a reversão de atelectasias.
Palavras-chave:
Eventração Diafragmática, Lactente, Radiografia Torácica
ABSTRACT
OBJECTIVES: To report the case of an infant with diaphragmatic eventration diagnosed during the investigation of acute respiratory infection. In asymptomatic patients, management is conservative.
METHODS: Review of institutional electronic medical records.
RESULTS: A 1-year and 6-month-old patient seen in the emergency room with a history of fever for three days. During the investigation, infectious screening was performed, including chest radiography, which showed an elevation of the left diaphragmatic dome Figure 1. Previous history of an episode of bronchiolitis without radiographic indication. He has no recurrent respiratory complaints or changes in pulmonary auscultation. After altering the radiological examination, a chest tomography was requested for better clarification and monitoring of the case.
CONCLUSION: Eventration can be associated with other malformations and has a wide and variable clinical profile, from asymptomatic patients, with recurrent respiratory infections, to pulmonary hypoplasia. As most cases are asymptomatic, the conduct is generally conservative. If surgical intervention is necessary, it aims at the volumetric increase of the lungs and the reversal of atelectasis.
Keywords:
Diaphragmatic Eventration, Infant, Radiography, Thoracic
Figura 1. Eventração diafragmática - radiografia de tórax. Radiografia de tórax (incidências PA e perfil) realizada em 22/11/2017, que evidencia elevação da cúpula diafragmática à esquerda, sugerindo eventração diafragmática com presença de alças intestinais na base de hemitórax ipsilateral.
INTRODUÇÃO
Nesse artigo, temos um relato de caso de um lactente que apresenta eventração diafragmática (ED), diagnosticada durante investigação de uma infecção respiratória, sendo, portanto, um achado radiológico. A ED congênita foi descrita, pela primeira vez, por Jean Louis Petit, em 17741. É uma patologia rara (incidência de 1:1.400), mais comum no sexo masculino e no hemitórax esquerdo2. Pode associar-se a outras malformações congênitas como a ectopia renal, cardiopatia, situs inversus, pé boto, costelas hipoplásicas, fenda palatina, hemivértebras e cromossomopatia1.
Essa comorbidade ocorre por um defeito na muscularização do diafragma primitivo (corresponde a uma substituição do tecido muscular por tecido fibroelástico). Desse modo, resulta em uma membrana muito fina e complacente, com movimentos diminuídos ou mesmo paradoxais que permitem a protrusão do conteúdo abdominal para a cavidade torácica3. Dentre as alterações do diafragma, a ED tem particular destaque porque representa, na maioria dos casos, um acometimento primário da musculatura inspiratória diafragmática na ausência de doença pulmonar4. O diafragma é o principal músculo respiratório, sendo responsável por cerca de 2/3 do volume corrente da respiração de repouso3. Contudo, se o mesmo mantiver alguma função e não houver movimento paradoxal, como nesses casos, as pressões negativas inspiratórias asseguradas pelo hemidiafragma contralateral, asseguram uma boa capacidade vital e, consequentemente, ausência de sintomas respiratórios4.
Existem dois tipos de eventração diafragmática: total, acometendo toda a cúpula diafragmática, que é raríssima, e as parciais que afetam parte da cúpula podendo ser uni ou bilaterais3. O espectro é muito amplo, resultante do tipo de eventração (total ou parcial) e da maior ou menor elevação e função da cúpula hemidiafragmática. Pequenos defeitos, como diafragma pouco elevado e com preservação de alguma função muscular são frequentemente assintomáticos (maioria dos casos). As formas intermediárias poderão manifestar-se por infecções respiratórias recorrentes, baixo ganho ponderal, intolerância ao esforço e, nas crianças mais velhas e adultos, poderá haver apenas queixas digestivas, tais como dores abdominais e vômitos. As formas de apresentação neonatal determinam uma síndrome de dificuldade respiratória aguda potencialmente fatal, que frequentemente se complica com desvio do mediastino e hipoplasia pulmonar mimetizando a hérnia diafragmática congênita. No caso relatado, o paciente é assintomático, como na maioria dos pacientes, sendo o diagnóstico um achado radiológico2. A radiografia de tórax com incidências póstero-anterior (PA) e lateral revelam hipotransparência do terço inferior do hemitórax acometido (uni ou bilateral) com elevação contínua do hemidiafragma1.
RELATO DE CASO
Paciente do sexo masculino, 1 ano e 6 meses de vida, com história de febre há três dias e necessidade de atendimento médico em pronto-socorro. Na avaliação foi solicitada triagem infecciosa e radiografia de tórax, a qual evidenciou elevação da cúpula diafragmática esquerda. Diante deste achado no exame radiológico, o paciente foi encaminhado para pneumologista infantil para melhor elucidação do quadro. Mãe negou quaisquer outras queixas. Antecedentes pessoais: episódio prévio de bronquiolite leve sem necessidade de realizar radiografia. Ao exame físico: eupneico, acianótico, em bom estado geral. À ausculta pulmonar: murmúrio vesicular preservado bilateralmente, sem ruídos adventícios e sem desconforto respiratório. Sem outras alterações. Foi realizado discussão do caso com a cirurgia pediátrica e solicitado novas radiografias (incidências póstero-anterior e lateral), além de tomografia de tórax para melhor avaliação do quadro. A tomografia Figura 2 confirmou o diagnóstico de eventração diafragmática e, por esse encontrar-se completamente assintomático, optou-se por conduta conservadora e acompanhamento clínico com consultas médicas periódicas na pneumologia e pediatria.
Figura 2. Eventração diafragmática - tomografia de tórax. Corte de tomografia de tórax realizada em 09/05/2018, que evidencia elevação da cúpula diafragmática à esquerda, sugerindo eventração diafragmática, não se evidenciando áreas de descontinuidade diafragmática pelo método.
DISCUSSÃO
Como explicado a ED ocorre por um defeito na muscularização do diafragma, possibilitando a invasão da cavidade torácica pelo conteúdo abdominal, dessa forma, temos como um dos principais diagnósticos diferenciais a paralisia do nervo frênico. Essa determina a atrofia progressiva das fibras musculares. Alguns autores a denominam de eventração diafragmática adquirida. Mais frequentemente é unilateral, à direita, associando-se a história de parto traumático (fratura da clavícula, paralisia do plexo braquial) ou a lesões pós-cirurgia cardiotorácica5.
Além disso, é importante a diferenciação entre eventração diafragmática e hérnia diafragmática. A hérnia surge quando há um defeito no diafragma, possibilitando a passagem de órgãos abdominais para o tórax, o que pode não provocar sintomas ou causar sérias complicações como desconforto respiratório grave, infecções pulmonares ou alterações digestivas. Os principais tipos de hérnia são: hérnia de Bochdalek, hérnia de Morgani e hérnia de hiato esofágico6. Como na ED a maioria dos casos é assintomática, a conduta geralmente é conservadora, assim como ocorreu no paciente em questão o qual teve seu diagnóstico por meio de um achado radiológico em vigência de infecção de vias aéreas superiores e não apresentava sinais ou sintomas respiratórios persistentes.
A indicação para o tratamento cirúrgico da eventração é controversa7, porém, deve ser realizado segundo critérios definidos, como ter altura radiológica superior a sete arcos costais posteriores ou sintomatologia persistente4. Uma das opções de correção cirúrgica usada atualmente consiste no rebaixamento e fixação da hemi-cúpula diafragmática acometida7. Obviamente, a intervenção cirúrgica não visa primordialmente à recuperação da mobilidade do músculo, mas sim o aumento volumétrico dos pulmões e a reversão de atelectasias, com potencial melhora das trocas gasosas3.
REFERÊNCIAS
1. Wu S, Zang N, Zhu J, Pan Z, Wu C. Congenital diaphragmatic eventration in children: 12 years’ experience with 177 cases in a single institution. J Pediatr Surg. 2015 Jul;50(7):1088-92.
2. Gomes MM, Gonçalves A, Silva H. Caso radiológico. Nascer e Crescer. 2016 Jun;25(2):120-1.
3. Porfirio H, Salgado M, Gil J, Castro O, Silva P, Fonseca N. Eventração diafragmática congénita: dois casos de apresentação tardia. Acta Pediatr Port. 1997;28(3):241-5.
4. Cameranoa ME, Piccoloa A, Matarassoa M. Resolución del caso presentado en el número anterior: Eventración diafragmática. Arch Argent Pediatr. 2014;112(6):577-8.
5. Murta GB, Brito AO, Barbosa CA, Silva AL. Dificuldade no diagnóstico da hiperelevação hipotônica do diafragma. Rev Med Minas Gerais. 2004;14(1):63-5.
6. Melo ACAM, Ramos JRM. Distúrbios respiratórios do recém-nascido. In: Sociedade Brasileira de Pediatria, ed. Tratado de pediatria. Barueri (SP): Manole; 2017. p. 1275-85.
7. Takahashi T, Okazaki T, Ochi T, Nishimura K, Lane GJ, Inada E, et al. Thoracoscopic plication for diaphragmatic eventration in a neonate. Ann Thorac Cardiovasc Surg. 2013;19(3):243-6.
1. Hospital das Clínicas - Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Departamento de Pediatria - Uberaba - Minas Gerais - Brasil
2. Hospital das Clínicas - Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Departamento de Clínica Cirúrgica - Uberaba - Minas Gerais - Brasil
Endereço para correspondência:
Larissa Cerqueira Pereira Paes
Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro
Av. Getúlio Guaritá, 130, Nossa Sra. da Abadia
Uberaba, MG, Brasil. CEP: 38025-440
E-mail: larissacerqueira1992@gmail.com
Data de Submissão: 27/01/2020
Data de Aprovação: 19/04/2020