ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2022 - Volume 12 - Número 2

Sindrome de Silver-Russell: relato de caso

Silver-Russell syndrome: case report

RESUMO

OBJETIVO: A síndrome de Silver-Russell (SSR) é uma condição rara, porém bem reconhecida, associada a características fenotípicas clássicas. Este trabalho tem como objetivo descrever um paciente com SSR, a fim de auxiliar profissionais no diagnóstico e adequada condução terapêutica, uma que vez a abordagem precoce reserva melhor prognóstico.
MÉTODOS: Trata-se de relato de caso de uma criança do gênero masculino, 1 ano e 4 meses, internada em enfermaria onde recebeu diagnóstico de SSR. As informações do paciente foram coletadas com a família durante a internação e foi realizada análise de prontuário e revisão bibliográfica.
RESULTADOS: Paciente com desnutrição crônica, apresentava ao exame físico macrocrania, fácies alongada, orelhas grandes e com baixa implantação, rarefação capilar occipital, micrognatia, hipospádia, clinodactilia do 5º dedo e atraso dos marcos do desenvolvimento, recebeu diagnostico de SSR na internação. Exames complementares descartaram patologias do trato gastrointestinal e na avaliação fonoaudiológica não foram detectados distúrbios de deglutição. Foi iniciada dieta enteral para recuperação nutricional, porém o paciente manteve ganho de peso insuficiente e importante aversão alimentar, sendo então optado pela realização de gastrostomia. Em retorno ambulatorial após alta hospitalar, o paciente manteve baixo ganho de peso apesar do uso de fórmula hipercalórica e volume adequado para idade.
CONCLUSÃO: A SSR leva a um amplo espectro de características físicas anormais e anormalidades funcionais. O acompanhamento multidisciplinar e a intervenção precoce, específica, são necessárias para uma melhor gestão desse grupo de pacientes.

Palavras-chave: síndrome de Silver-Russell, genética, desnutrição, sindactilia, transtornos nutricionais, retardo do crescimento fetal.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Silver-Russell syndrome (SRS) is a rare but well-recognized condition associated with classic phenotypic characteristics. This article aims to describe a patient with SRS, in order to help professionals in the diagnosis and adequate therapeutic management, since the early approach results in a better prognosis.
METHODS: This is a case report of a male child, 1 year and 4 months old, admitted to an infirmary, who was diagnosed with SRS. Patient information was collected with the family during hospitalization. Analysis of medical records and literature review was also performed.
RESULTS: A patient with chronic malnutrition, who had macrocranial physical examination, elongated facies, large ears with low implantation, occipital capillary rarefaction, micrognathia, hypospadias, 5th finger clinodactyly and delayed developmental milestones, received a diagnosis of SRS during hospitalization. Complementary exams ruled out pathologies of the gastrointestinal tract and in the speech-language evaluation, swallowing disorders were not detected. An enteral diet for nutritional recovery was initiated, but the patient maintained insufficient weight gain and an important food aversion, being the patient submitted to gastrostomy. On an outpatient return after hospital discharge, the patient remained low weight gain despite the use of hypercaloric formula and appropriate volume for his age.
CONCLUSION: SRS leads to a wide spectrum of abnormal physical characteristics and functional abnormalities. Multidisciplinary monitoring and early, specific intervention are necessary for better management of this group of patients.

Keywords: Silver-Russell syndrome, genetics, malnutrition, syndactyly, nutrition disorders, fetal growth retardation.


INTRODUÇÃO

A Síndrome de Silver-Russell (SSR) é uma condição genética rara, com incidência global de 1 a 30/100.000 casos anuais, caracterizada por crescimento intrauterino restrito, dificuldade de recuperação pós-natal e fenótipo típico. O diagnóstico é essencialmente clínico e baseia-se no sistema de escore Netchine-Harbison. Tal ferramenta permite diferenciar pacientes não portadores da síndrome (apresentam 3 ou menos características) e pacientes fortemente suspeitos para tal (apresentam 4 ou mais características). Tais características fazem parte do fenótipo clássico e incluem: (I) retardo de crescimento intrauterino (comprimento ou peso abaixo do 3º percentil); (II) retardo de crescimento pós-natal (altura abaixo do 3º percentil); (III) macrocrania relativa ao nascimento; (IV) fronte proeminente; e, (V) assimetria corporal. Além disso, o portador da síndrome pode apresentar outras características comuns, como face triangular, comissuras labiais direcionadas para baixo, baixa implantação das orelhas, baixa massa muscular, dentes irregulares, micrognatia, clinodactilia do 5º dedo das mãos e sudorese excessiva1-4.

A análise molecular é indicada para pacientes com síndrome clínica fortemente suspeita (4 ou mais características no escore) e auxilia no diagnóstico com a definição dos subgrupos, permitindo um melhor manejo. Apesar disso não pode ser usada para exclusão do diagnóstico clínico1.

60% dos pacientes com diagnóstico clínico apresentam base genética para a SSR. Desses, 30-60% apresentam perda de metilação no cromossomo 11p15 e 5-10% apresentam dissomia uniparental materna do cromossomo 75,6.

No manejo terapêutico da síndrome, o suporte nutricional para recuperação do déficit pôndero-estatural deve ser incluído, levando em conta a causa multifatorial como problemas gastrointestinais funcionais e estruturais, alterações oromotoras e dificuldades alimentares com aversão alimentar grave. É importante salientar, que a rápida recuperação nutricional aumenta a incidência de doenças cardiovasculares e metabólicas futuras5,7.

Além disso, esses pacientes apresentam proporcionalmente menos massa magra em relação a massa gorda, principalmente os portadores da mutação com perda de metilação no cromossomo 11p15, quando comparados a crianças saudáveis. Tal fato torna os alvos de IMC da população pediátrica elevados para crianças com SSR. Portanto, o IMC entre 11-12kg/m² pode ser adequado para tais pacientes.

Em casos de nutrição enteral insatisfatória, após exclusão das causas orgânicas, a nutrição enteral por sonda nasogástrica ou gastrostomia pode ser considerada1,8-11.

O tratamento com hormônio de crescimento (GH) deve ocorrer após a abordagem nutricional, e traz outros benefícios além do crescimento linear, como aumento do apetite, aumento da massa magra e da força muscular, influenciando assim na melhora da mobilidade. Apesar disso, somente deve ser indicado após diagnóstico bem definido, podendo ser extremamente deletério em outras síndromes, como na síndrome de Bloom, aumentando o risco de malignidade10,12,13.

Como consequência da baixa massa muscular e hepática, essas crianças podem apresentar episódios hipoglicêmicos, principalmente durante a noite, podendo tais episódios serem assintomáticos. O acompanhamento da hipoglicemia, deve ser feito com monitoramento da cetonúria, avaliando o tempo seguro de jejum. Sua prevenção pode ser feita com adição de polímero de glicose de alto peso molecular ou amido de milho cru à última refeição14. O aconselhamento genético é importante pelo risco de recorrência familiar1.


RELATO DE CASO

Menino, 1 ano e 4 meses de idade, encaminhado ao ambulatório de gastroenterologia pediátrica do nosso serviço em abril de 2019, por desnutrição crônica. Na história apresentava dificuldade de pega e sucção desde o nascimento, além de diversas tentativas, sem êxito, de melhora pôndero-estatural com suplementação alimentar (introdução de fórmula infantil de partida com 1 mês de vida, espessante à alimentação com 6 meses e suplemento alimentar de Fortini® com 8 meses). Além disso apresentava baixa aceitação na introdução alimentar. Paciente nasceu a termo, com Apgar de 8 e 9, com 2.265g e 44cm, pequeno para a idade gestacional e com baixo peso ao nascer. Havia sido internado com 1 ano e 2 meses para tratamento da desnutrição, quando iniciou fórmula infantil e recebeu alta sem recuperação nutricional. A história familiar não revelou comorbidades.

Para melhor avaliação, o paciente foi hospitalizado no nosso serviço em junho de 2019. Ao exame físico apresentava macrocrania relativa (perímetro cefálico entre escore -2 e 0), fácies alongada, orelhas grandes com baixa implantação, rarefação capilar occipital, micrognatia, hipospádia e clinodactilia do 5º dedo. Na avaliação nutricional e de crescimento, o paciente encontrava-se com peso de 5.005g e estatura de 65,5cm, estando abaixo do Z escore -3 nos gráficos de estatura, peso e índice de massa corporal (IMC). Na avaliação endocrinológica não foram encontrados déficits carenciais, alterações tireoidianas ou deficiência de hormônio de crescimento por exames de rastreio (IGF-1 dosado em 2,8ug/ml – valor de referência 0,8 a 3,9ug/ml), sendo indicado somente acompanhamento ambulatorial. A avaliação neurológica evidenciou atraso dos marcos do desenvolvimento (não permanecia em pé com apoio e não deambulava), podendo estar relacionado à baixa massa magra e, por tal motivo, o paciente foi encaminhado ao ambulatório de neurologia pediátrica para acompanhamento após terapêutica nutricional. A equipe de fonoaudiologia descartou distúrbios de deglutição e manteve estimulação oral durante a internação, a fim de facilitar a aceitação alimentar.

Foram realizados ultrassonografia de abdome total, seriografia esofagogastroduodenal, endoscopia digestiva alta, ecocardiograma transtorácico e ultrassonografia transfontanela, descartando alterações anatômicas de trato gastrointestinal, refluxo gastresofágico, distúrbio de deglutição, malformações cardíacas e de sistema nervoso central associadas.

O paciente manteve dieta extremamente seletiva, com ingestão alimentar insuficiente para idade, saciedade precoce e baixo ganho de peso, aceitando somente fórmula infantil, mesmo após diversas tentativas de progressão de dieta com alimentos variados em sabor e textura.

Optou-se por iniciar dieta enteral por sonda nasogástrica, porém apesar do ganho de peso suficiente, houve piora da aceitação alimentar. Por tal razão, foi indicada gastrostomia, em agosto de 2019, após descartados distúrbios do trato gastrointestinal e identificada aversão alimentar grave. Após o procedimento iniciou-se oferta de fórmula infantil e houve ganho ponderal de 215 gramas em 5 dias. O paciente recebeu alta após 36 dias de internação com dieta via gastrostomia, complementada por fórmula infantil por sucção e encaminhado para acompanhamento ambulatorial multidisciplinar. Em retorno ambulatorial após três meses, o paciente apresentava baixo ganho de peso, apesar do uso de fórmula hipercalórica com volume adequado para idade ofertada por gastrostomia, além de baixa aceitação de alimentação complementar por via oral.


DISCUSSÃO

O diagnóstico da síndrome é essencialmente clínico, baseado em características fenotípicas clássicas. Segundo o escore Netchine-Harbison, pacientes que apresentam pelo menos quatro dessas características serão considerados afetados pela SSR. Apesar da análise molecular não ter sido realizada no paciente, ele possui todas as características fenotípicas, recebendo, portanto, diagnóstico clínico. Conforme a literatura, a análise molecular auxilia, mas não pode ser usada para exclusão diagnóstica1,15.

As dificuldades alimentares com baixa aceitação e desnutrição crônica foram o motivo de internação do nosso caso.

Marsaud et al., em 20155, encontrou em 75 crianças com SSR, regurgitação clínica ou vômito em 50% das crianças antes de 1 ano de idade e persistiu após em 29% dos casos e a constipação foi observada em 20% dos pacientes. A alimentação enteral foi necessária em 30% dos 75 casos, com gastrostomia em 72% deles (n=16)6. Apesar da aversão alimentar e dificuldade com a progressão de dieta, tanto em quantidade, como em qualidade, o paciente em questão não apresentava alterações orgânicas como constipação, vômitos persistentes, alterações anatômicas ou de dismotilidade do trato gastrointestinal. Porém, a dificuldade alimentar grave e a desnutrição crônica, o tornou candidato à realização da gastrostomia. A intervenção invasiva foi indicada para que o paciente recebesse aporte calórico adequado e mantivesse continuidade da recuperação nutricional em ambiente domiciliar. Apesar disso, o paciente retornou com ganho de peso insatisfatório, corroborando a discrepância entre massa magra e massa gorda nos pacientes acometidos por essa síndrome e o IMC abaixo da média populacional.

A terapia com hormônio de crescimento (GH) também pode estar presente no manejo da SSR, uma vez que além do crescimento linear, beneficia esses pacientes com redução do risco de hipoglicemia, aumento do apetite, aumento da massa magra e da força muscular, influenciando assim na melhora da mobilidade. Apesar disso, seu uso em menores de 2 anos requer mais estudos1. Apesar de todos benefícios, optou-se por manter o acompanhamento endocrinológico ambulatorial e a avaliação futura do uso de tal terapia, uma vez que o paciente seguia em abordagem para recuperação nutricional e não apresentava episódios de hipoglicemia.


CONCLUSÃO

Os pacientes portadores da SSR, necessitarão de um seguimento ambulatorial multidisciplinar para que as intervenções necessárias sejam realizadas, em busca de uma evolução favorável e um melhor prognóstico clínico e nutricional. No caso relatado anteriormente, mesmo após intervenção nutricional com realização de gastrostomia e introdução de dieta hipercalórica, não houve ganho de peso satisfatório para idade. Pela base multifatorial associada ao baixo ganho de peso, concluímos que vários dos fatores associados à síndrome interferem na evolução e recuperação nutricional, e não somente a inadequação do balanço energético em função da ingesta calórica diminuída. Desse modo, a indicação da gastrostomia deve ser ponderada, uma vez que a oferta proteico-calórica adequada nem sempre irá alcançar o objetivo de recuperação nutricional.


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1. Universidade Federal do Espírito Santo, Residente em Pediatria da Universidade Federal do Espírito Santo - Vitória - Espírito Santo - Brasil
2. Universidade Federal do Espírito Santo, Médica pela Universidade Federal do Espírito Santo - Vitória - Espírito Santo - Brasil
3. Universidade Vila Velha, Acadêmica de Medicina - Vila Velha - Espírito Santo - Brasil

Endereço para correspondência:

Fernanda Morellato Bravo
Universidade Federal do Espírito Santo
Av. Fernando Ferrari, nº 514, Goiabeiras
Vitória, ES, Brasil. CEP: 29075-910
E-mail: fernandambravo@gmail.com

Data de Submissão: 13/05/2020
Data de Aprovação: 11/06/2020