ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2022 - Volume 12 - Número 2

Perfil lipídico em crianças e adolescentes com diabetes mellitus tipo 1

Lipid profile of children and adolescents with type 1 diabetes mellitus

RESUMO

INTRODUÇÃO: As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte em pacientes com diabetes mellitus tipo 1 (DM1) e o processo aterosclerótico começa na infância.
OBJETIVOS: Avaliar o perfil lipídico de pacientes com DM1 acompanhados no departamento de endocrinologia pediátrica (UEP) do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR), a prevalência de dislipidemia e sua correlação com o controle glicêmico, duração do DM1, história familiar dislipidemia e perfil nutricional.
MÉTODOS: Foram revisados dados do prontuário medico sobre diagnóstico, comorbidades, peso ao nascer, sexo, histórico familiar de diabetes, dislipidemia e cardiopatias. As medidas antropométricas, controle glicêmico, pressão arterial (PA), perfil lipídico e tratamento farmacológico para dislipidemia foram obtidas em quatro momentos: após três meses de diagnóstico (t1), dois (t2), cinco (t3) e dez (t4) anos doença.
RESULTADOS: 228 pacientes (122 meninas), com idade média no diagnóstico de 7,3 anos, foram incluídos. Em t3 e t4 houve um aumento significativo na elevação da PA. A prevalência de dislipidemia foi de 31,7% em t1, 33,7% em t2; 37,4% em t3; e 63,6% em t4. Houve um aumento significativo no nível de colesterol total e LDL-colesterol ao longo do tempo (p<0,001) e um aumento significativo nos níveis de triglicerídeos apenas em t4 (p=0,002).
CONCLUSÃO: As alterações no perfil lipídico em crianças e adolescentes com DM1 são frequentes, mas são pouco tratadas e, quanto maior a idade, maior a probabilidade de desenvolver dislipidemia. A triagem para dislipidemia deve ser realizada e o tratamento farmacológico deve ser instituído conforme recomendações.

Palavras-chave: diabetes mellitus tipo 1, hipercolesterolemia, inibidores de hidroximetilglutaril-coa redutases, colesterol, dislipidemias, criança.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Cardiovascular diseases are the main cause of death in patients with type 1 diabetes mellitus (T1DM) and atherosclerotic process begins in childhood.
OBJECTIVE: To evaluate lipid profile of patients with T1DM accompanied at the pediatric endocrinology (UEP), Hospital de Clínicas, Federal University of Paraná (HC-UFPR), the prevalence of dyslipidemia and its correlation with glycemic control, duration of T1DM, family history of dyslipidemia and nutritional profile status.
METHODS: Data of diagnostic information, comorbidities, birth weight, sex, family history of diabetes, dyslipidemia and heart diseases were reviewed. Anthropometric measurements, glycemic control, blood pressure (BP), lipid profile, and pharmacological treatment for dyslipidemia were obtained in four moments: after three months of diagnosis (t1), two (t2), five (t3), and ten (t4) years of illness.
RESULTS: 228 patients (122 girls), mean age at diagnosis of 7.3 years, were included. In t3 and t4 there was a significant increase in BP elevation. Prevalence of dyslipidemia was 31.7% in t1, 33.7% in t2; 37.4% in t3; and in 63.6% in t4. There was a significant increase in total cholesterol and LDL-cholesterol level over time (p<0.001) and a significant increase in triglycerides levels only in t4 (p=0.002).
CONCLUSION: Changes in lipid profile in children and adolescents with T1DM are prevalent, but they are undertreated, and the greater age, the greater probability of developing dyslipidemia. Thus, screening for dyslipidemia should be done and pharmacological treatment should be encouraged as recommended.

Keywords: diabetes mellitus, type 1, hypercholesterolemia, hydroxymethylglutaryl-coa reductase inhibitors, cholesterol, dyslipidemias, child.


INTRODUÇÃO

O diabetes mellitus tipo 1 (DM1) é a doença endócrina crônica mais prevalente na infância e adolescência. No Brasil, sua incidência estimada é de 10,4 por 100 mil habitantes. Essa população apresenta um risco cardiovascular aumentado, com uma chance dez vezes maior de apresentar morte por causas cardíacas ou morte por qualquer causa, em comparação com a população em geral1,2. Crianças com DM1 raramente aprentam eventos cardiovasculares (infarto agudo do miocárdio e doença cerebrovascular), mas a aterosclerose geralmente se desenvolve de forma gradual e lenta, a partir da infância e prossegue até a idade adulta. Crianças com DM1 podem apresentar alterações cardiovasculares subclínicas, como aumento da espessura da camada íntima-média das artérias carotídas3,4.

A dislipidemia é um fator importante no processo aterosclerótico. Os dados de prevalência de dislipidemia em crianças e adolescentes são divergentes, mas alguns estudos indicam que 50% dessa população apresenta alterações no perfil lipídico5. Além de ser um fator importante para o estabelecimento de doença macrovascular e risco cardiovascular, a dislipidemia tem impacto nas doenças microvasculares. Nos pacientes com DM1 que já apresentam nefropatia, a dislipidemia foi um fator importante de mau prognóstico6. O desenvolvimento de retinopatia diabética proliferativa também tem sido correlacionado com hipercolesterolemia7.

Várias anormalidades no perfil lipídico já foram descritas em crianças com DM15. Os principais achados foram altos níveis de colesterol total (CT) e lipoproteína de baixa densidade (LDL-c) e baixos níveis de colesterol de alta densidade (HDL-c)3,5. No entanto, um estudo realizado no Brasil comparando o perfil lipídico de crianças com e sem DM1 não mostrou diferenças significativas entre os grupos8.

O controle glicêmico inadequado está associado ao aumento da prevalência de hipercolesterolemia em crianças e adolescentes com DM1. Pacientes com alto índice de massa corpórea (IMC) também apresentaram anormalidades lipídicas mais frequentemente. A síndrome metabólica é cada vez mais prevalente em crianças e essa tendência também é observada em crianças e adolescentes com DM13.

O rastreamento para dislipidemia deve ser realizado logo após o diagnóstico de DM1 (quando o diabetes estiver estabilizado) em todas as crianças com idade superior a 10 anos. Se houver resultados normais (Tabela 1), isso deve ser repetido a cada 5 anos. Se houver histórico familiar de hipercolesterolemia, doença cardiovascular (DCV) precoce ou se o histórico familiar for desconhecido, a triagem deve ser iniciada aos 2 anos de idade. Se o LDL-c estiver acima de 130mg/dL, modificações no estilo de vida devem ser instituídas. Se essas intervenções não reduzirem o LDL-c a níveis inferiores a 130mg/dL e houver um ou mais fatores de risco para DCV, a terapia com estatina deve ser indicada em pacientes acima de 10 anos de idade7. De acordo com o National Heart, Lung, and Blood Institute (NHLBI), a estatina deve ser iniciada se LDL-c acima de 190mg/dL ou se LDL-c entre 160-189mg/dL mais histórico familiar positivo ou um ou mais de alto nível fator de risco e diabetes mellitus é um alto fator de risco para DCV9.




Apesar dessas recomendações, no estudo SEARCH foi encontrada uma discordância entre os pacientes que seriam indicados para tratamento farmacológico e os que recebram a medicação efetivamente, sugerindo que a dislipidemia em crianças e adolescentes acima de 10 anos não está sendo adequadamente investigada e tratada5, apesar de já ter sido demonstrado que as estatinas são seguras para uso nesse grupo3,10.

Os objetivos deste estudo foram avaliar o perfil lipídico de pacientes com DM1 acompanhados na unidade de endocrinologia pediátrica (UEP) do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC-UFPR), a prevalência de dislipidemia e sua correlação com o controle glicêmico, duração do DM1, histórico familiar de dislipidemia, perfil nutricional e revisão do tratamento da dislipidemia nessa população.


MÉTODOS

Uma coorte de crianças e adolescentes atendidos no ambulatório de diabetes infantojuvenil foi incluída em um estudo observacional retrospectivo. Os pacientes foram selecionados pela lista de pessoas inscritas no ambulatório e foram incluídas no estudo aquelas que foram diagnosticadas com DM1 entre 2004 e 2014 e que estavam em uso de doses múltiplas de análogos de insulina ou insulina humana. Foram excluídos os pacientes que não realizaram perfil lipídico. Os dados foram coletados dos prontuários em quatro momentos de acompanhamento: após 3 meses do diagnóstico de DM1 (t1), em 2 (t2), em 5 (t3) e 10 (t4) anos da doença. Os dados coletados foram idade, peso, altura, IMC, maturação sexual, pressão arterial (PA), hemoglobina glicada fração A1c (HbA1c), CT, HDL-c, LDL-c e triglicerídeos (TG). Por se tratar de um estudo retrospectivo, alguns dados não estavam disponíveis. Também foram investigados antecedentes familiares de diabetes mellitus tipo 1 e tipo 2, dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica e infarto agudo do miocárdio.

Os dados de nascimento foram coletados. Nascimento adequado (AIG), pequeno (PIG) e grande (GIG) para idade gestacional foram definidos como peso e/ou comprimento ao nascimento de acordo com o sexo e idade gestacional entre 2 DP e -2 DP, ≤-2 DP e ≥2 DP, respectivamente11. O IMC foi calculado a partir da relação peso/altura (kg/m2) e expresso em desvio padrão (DP), usando os dados de referência AnthroPlus® e da Organização Mundial de Saúde (OMS)12. Os pacientes foram classificados de acordo com a OMS em magros, eutróficos, com sobrepeso e obesos13. A PA foi considerada alterada se o valor registrado fosse superior ao percentil 90 da tabela simplificada proposta por Kaelber e Pickett14. O início da puberdade foi definido pelo exame físico: estágio Tanner M2 ou superior em meninas15 e volume testicular igual ou superior a 4ml em meninos16.

De acordo com os valores de referência para o perfil lipídico do NHLBI, as concentrações foram classificadas em níveis de lipídios e lipoproteínas plasmáticos aceitáveis, limítrofes-altos e altos9 (Tabela 1). Pacientes com valores de HbA1c<7,5% foram considerados com bom controle glicêmico17.

Os dados foram expressos como média ± DP, salvo indicação em contrário. As variáveis categóricas foram expressas em frequências absolutas e relativas. As diferenças nas médias das variáveis foram testadas usando testes paramétricos e não paramétricos, dependendo da distribuição das variáveis. Os testes do qui-quadrado e exato de Fisher foram utilizados para a análise de variáveis ​​categóricas. Um modelo de regressão linear multivariada foi ajustado para avaliar o efeito independente de cada covariável. Curvas de probabilidade foram desenvolvidas para estimar a probabilidade de ocorrência de dislipidemia. Um valor de p<0,05 foi considerado significativo. Os dados foram analisados usando o Statistica® (v 10.0-Statsoft).

Este estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa do CHC-UFPR.


RESULTADOS

Duzentos e trinta e nove pacientes foram incluídos no estudo, mas 11 prontuários não tinham registro de perfil lipídico, resultando em um grupo de 228 pacientes (122 meninas). A idade média no diagnóstico foi de 7,3 anos. Setenta e três (32,0%) pacientes apresentavam alguma condição clínica associada e hipotireoidismo (28 pacientes), asma (11) e doença celíaca (10) foram mais frequentes. Ao nascimento, a maioria dos pacientes foi classificada como AIG, apenas dez eram PIG e cinco como GIG. Sessenta e seis (28,9%) pacientes tinham histórico familiar de dislipidemia, 125 (54,8%) de hipertensão arterial sistêmica, 35 (15,6%) de DM1, 106 (46,5%) de diabetes mellitus tipo 2 e 46 (20,2%) de infarto agudo do miocárdio.

A Tabela 2 resume as informações gerais e sobre o IMC, controle glicêmico e pressão arterial em diferentes momentos. Com o tempo, não houve variação significativa na frequência de sobrepeso e obesidade. O controle glicêmico mostrou piora e a prevalência de pressão arterial elevada aumentou significativamente durante o acompanhamento.




Não houve alteração nos níveis de HDL-c, aumento significativo de CT e LDL-c durante o seguimento e aumento dos níveis de TG em t4 (Tabela 3). Esse aumento levou os valores médios a se tornarem limítrofes, mas ainda não podem ser considerados alterados.




O HDL-c baixo foi a dislipidemia mais prevalente em t1 (20,5%). Com o tempo, houve pouca diferença na prevalência dessa alteração lipídica. A partir de t2, foram identificados níveis aumentados de CT, LDL-c e TG (Tabela 4).




Os pacientes que nasceram PIG não apresentaram maior prevalência de dislipidemia quando comparados aos que nasceram com AIG ou GIG (p=0,76). O hipotireoidismo também não aumentou o risco de desenvolver dislipidemia no t4 quando comparado aos pacientes sem essa comorbidade (p=1,0). Pacientes com sobrepeso ou obesidade também não apresentaram maior prevalência de dislipidemia no t4 quando comparados aos pacientes magros e eutróficos (p=0,42). Entretanto, no modelo de regressão logística, considerando-se as diferentes alterações do perfil lipídico em t3, o excesso de peso determinou risco duas e três vezes maior de CT elevado e LDL-c, respectivamente. Essa diferença nos dados pode ser explicada por um número menor de pacientes analisados em t4. O modelo de regressão logística foi aplicado apenas em t3, devido ao menor número de pacientes nos demais tempos.

As variáveis de histórico familiar para dislipidemia, DM1, diabetes mellitus tipo 2, infarto agudo do miocárdio e hipertensão arterial também não influenciaram significativamente a prevalência de dislipidemia em t4. No entanto, na análise de regressão logística em t3, a história familiar de dislipidemia determinou um risco três vezes maior de CT e LDL-c aumentados. Na análise de regressão logística, a duração do DM1 foi considerada como fator de risco para o aumento de CT e LDL-c em t3.

Não foi possível correlacionar a presença de dislipidemia com o controle glicêmico. Poucos pacientes (36 em t1, 23 em t2 e 8 em t3) tiveram um bom controle glicêmico durante o estudo e em t4 nenhum paciente estava no alvo de HbA1c (<7,5%). Observou-se apenas no t4, que quanto maior a idade, maior a probabilidade de desenvolver dislipidemia (p<0,01), como mostra a Figura 1.


Figura 1. Probabilidade de desenvolver dislipidemia em 10 anos de diabetes mellitus tipo 1 em relação à idade.



Nenhum paciente foi submetido à terapia medicamentosa para dislipidemia t1 e t2, mas três tinham mais de 10 anos e LDL-c acima de 130mg/dL em t1 e 14 pacientes em t2, o que os tornaria elegíveis para terapia com estatina. Em t3, cinco pacientes com idade média de 14,7 anos estavam em terapia com sinvastatina. No t4, oito pacientes usavam esse medicamento, com idade média de 16,6 anos. Todos os pacientes em uso de sinvastatina eram púberes. No entanto, 13 pacientes em t3 e nove em t4 tinham indicações para uso de estatina, conforme recomendado pelo ISPAD e NHLBI, mas não havia prescrição médica.


DISCUSSÃO

Há poucos estudos longitudinais com análise do perfil lipídico de crianças e adolescentes com DM1, faltando dados na literatura sobre o comportamento do perfil lipídico ao longo do tempo em jovens com DM1. Reh et al. (2011)18 publicaram um estudo longitudinal com acompanhamento por três anos de jovens com DM1 e relataram que os níveis de LDL-c tendem a aumentar nesses pacientes ao longo do tempo, bem como no presente estudo18,19.

No presente estudo, a prevalência de dislipidemia aumentou significativamente em 10 anos após o diagnóstico de DM1 (t4), sendo 37,1% em 5 anos (t3) e 63,6% em 10 anos de doença (t4). Além do DM1, o desenvolvimento puberal também pode ser um adjuvante nas alterações do perfil lipídico, conforme descrito anteriormente20,21.

A prevalência de dislipidemia variou consideravelmente nos diferentes estudos realizados com a população pediátrica com DM1. Bulut et al. (2017)22 encontraram uma prevalência de dislipidemia de 26,2% e o tempo médio de doença nessa população foi de 5,6 anos. Homma et al. (2015)23 encontraram no Brasil uma prevalência de dislipidemia de 72,5%, com tempo médio de doença de 10,6 anos. Esses dados divergentes podem ser devidos a diferentes perfis populacionais, incluindo hábitos alimentares e estilo de vida.

Em outros estudos também já foram demosntrados aumento do CT e do LDL-c como a dislipidemia mais prevalente19,23, como no presente estudo. A prevalência de CT, LDL-c e TG elevados aumentou com o tempo da doença, sendo esse aumento mais significativo em 10 anos de DM1 (t4). Dados semelhantes também foram descritos por Shah et al. (2017)19 que encontraram 19% dos pacientes desenvolveram dislipidemia pelo componente não HDL-c. No mesmo estudo, apenas 5% dos pacientes apresentaram níveis baixos de HDL-c19, o que corrobora com este estudo.

O hipotireoidismo é uma condição que pode interferir no perfil lipídico. No entanto, em pacientes que recebem levotiroxina e têm níveis adequados de hormônio estimulador da tireoide (TSH), a doença não deve interferir, o que justifica a ausência de correlação observada no presente estudo. A triagem para hipotireoidismo é realizada rotineiramente nos pacientes com DM1 e o tratamento é realizado sempre que necessário.

A maioria dos pacientes deste estudo era eutrófica em todos os momentos analisados e a prevalência de sobrepeso e obesidade permaneceu constante nos diferentes momentos. No entanto, crianças com excesso de peso apresentaram risco duas a três vezes maior de CT ou LDL-c alto. Reh et al. (2011)18 encontraram associação significativa entre IMC e alteração do perfil lipídico e observaram que a manutenção do peso em jovens com DM1 pode ser um fator protetor contra a dislipidemia. Homma et al. (2015)23 também mostraram associação entre excesso de peso e dislipidemia em crianças e adolescentes e Kershnar et al. (2006)5 mostraram a mesma correlação, mas utilizando a razão da circunferência da cintura por altura para análise do perfil nutricional.

A história familiar de dislipidemia esteve associada a um maior risco de CT e LDL-c altos após 5 anos de DM1. Já foi demonstrada uma associação significativa entre o perfil lipídico dos pais e o perfil de seus filhos, sugerindo que a carga genética influencia o perfil lipídico dos pacientes com DM124. No entanto, Bulut et al. (2017)22 não encontraram correlação entre dislipidemia e histórico familiar de diabetes ou dislipidemia e Reh et al. (2011)18 encontraram correlação da história familiar de doença cerebrovascular e níveis mais altos de LDL-c, mas não encontraram a mesma associação com uma história familiar de infarto agudo do miocárdio.

Vários autores citaram anteriormente que o controle glicêmico inadequado interfere negativamente no perfil lipídico18,25, mas não foi possível fazer esta análise no presente estudo pois poucos pacientes foram considerados como com bom controle.

O risco de dislipidemia foi maior em crianças mais velhas ou adolescentes e maior duração de DM1. Esses dados estão de acordo com o estudo SEARCH, em que se mostrou que os pacientes que desenvolveram dislipidemia pelo componente não HDL-c ao longo do estudo tinham mais idade do que aqueles que apresentavam níveis lipídicos normais. No mesmo estudo, a duração da doença também foi fator de risco para progressão da dislipidemia5.

Embora 35 pacientes acima de 10 ano tivessem critérios conforme a ISPAD, o tratamento farmacológico de hipercolesterolemia não estava sendo realizado em todos, o que também foi demonstrado por Bjornstad et al. (2014)26 e Schwab et al. (2006)27. Canas et al. (2015)28 publicaram um estudo randomizado, duplo-cego, sobre atorvastatina em crianças com DM1 e demonstraram a eficácia de reduzir os níveis de LDL-c nessa população sem alterar o controle glicêmico durante um período de acompanhamento de seis meses e afirmar a segurança do medicamento nessa população. No entanto, no próprio estudo, os autores comentaram que ainda faltavam dados sobre a interferência em longo prazo dessa medida na redução da morte por causa cardiovascular28. Apesar de várias evidências dos benefícios da estatina em adultos e da segurança do uso desse medicamento em crianças, ainda faltam estudos sobre os benefícios a longo prazo.

Conclui-se que as alterações no perfil lipídico em crianças e adolescentes com DM1 são mais frequentes com aumento da idade e tempo de doença. O diagnóstico e o tratamento farmacológico das dislipidemias na infância e adolescência não devem ser negligenciados, em especial em grupos de risco. Por ser retrospectivo, este estudo apresentou limitações como não descrever o perfil lipídico das crianças em período pré-puberal e pelo motivo da maioria dos pacientes não apresentar controle adequado do DM1.

Declaração de conflito de interesse

Os autores não têm conflitos de interesse a declarer neste artigo.


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1. Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Pediatria - Curitiba - Paraná - Brasil
2. Unidade de Endocrinologia Pediátrica, Hospital de Clínicas, Universidade Federal do Paraná, Pediatria - Curitiba - Paraná - Brasil

Endereço para correspondência:

Adriane de Andre Cardoso Demartini
Hospital de Clínicas UFPR. Rua Gen.
Carneiro, nº 181, Alto da Glória
Curitiba - PR. Brasil. CEP: 80060-900
E-mail: dra.adriane@yahoo.com.br

Data de Submissão: 01/06/2020
Data de Aprovação: 01/07/2020