ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2022 - Volume 12 - Número 3

As crianças apresentam sinais e sintomas que compõem um quadro pós-COVID-19?

Do children present signs and symptoms consistent with a post-COVID-19 syndrome?

RESUMO

OBJETIVOS: Realizar uma revisão sistemática acerca das manifestações clínicas da COVID longa em crianças.
MÉTODOS: Partiu-se do questionamento: “Quais as manifestações clínicas em crianças com síndrome da COVID longa?”. Incluiu-se artigos acerca do quadro clínico da COVID longa na população pediátrica, sendo estudos de coorte, caso-controle, estudos transversais e relatos de caso publicados em 2020 e 2021 nas bases de dados SCOPUS, Embase, NCBI e MedRxiv. A seleção e análise dos artigos foi realizada por quatro pesquisadores de forma independente, seguindo as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Reviewers and Meta-analysis.
RESULTADOS: Dos 6.279 artigos encontrados nas bases de dados, 8 foram incluídos nesta pesquisa. A amostragem nas publicações selecionadas variou de 1 a 2.500 participantes, e incluiu uma população cuja faixa etária variou de 3 meses a 18 anos. Os sintomas mais relatados na COVID longa foram: fadiga, sintomas do trato respiratório alto e baixo, distúrbios do sono e sintomas neurológicos. O maior tempo de duração dos sintomas observados foi de oito meses, com mínima de quatro semanas. Ainda, alguns artigos relataram a síndrome multissistêmica inflamatória pediátrica (SIM-P) na COVID longa.
CONCLUSÃO: A COVID longa atinge em média 15,5% das crianças após a infecção, com duração de 4 a 32 semanas. Os principais sintomas foram fadiga e dispneia, seguidos por sintomas osteomusculares, respiratórios, neurológicos e distúrbios do sono. Ademais, não foi possível o esclarecimento de fatores de risco e desfecho desses casos nesse estudo.

Palavras-chave: COVID-19, Criança, Fadiga, Inflamação.

ABSTRACT

OBJECTIVES: To carry out a systematic review of the clinical manifestations of long-term COVID in children.
METHODS: The starting point was: “What are the clinical manifestations in children with long-term COVID syndrome?”. A systematic literature review was conducted in SCOPUS, Embase, NCBI, and MedRxiv databases. Articles on the clinical picture of long-term COVID in the pediatric population were included, with the cohort, case-control, cross-sectional studies, and case reports published in 2020 and 2021. The selection and analysis were performed by four researchers independently, following the Preferred Reporting Items for Systematic Reviewers and Meta-analysis guidelines.
RESULTS: Reviewers identified 6,279 potential articles, of which 8 met the inclusion criteria. The sampling in the selected publications ranged from 1 to 2,500 participants, whose age range ranged from 3 months to 18 years. The most reported symptoms in long-term COVID were: fatigue, upper and lower respiratory tract symptoms, sleep disturbances, and neurological symptoms. The duration of these symptoms ranged from four weeks to eight months. Some articles also reported pediatric inflammatory multisystem syndrome (SIM-P) in the long-term COVID.
CONCLUSION: Long-term COVID affects on average 15.5% of children after infection, lasting from 4 to 32 weeks. The main symptoms were fatigue and dyspnea, followed by musculoskeletal, respiratory, neurological, and sleep disorders. Furthermore, it was impossible to elucidate these cases risk factors and outcomes in this study.

Keywords: COVID-19, Child, Fatigue, Inflammation.


INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019, a epidemia do coronavírus emergiu na cidade de Wuhan, na China, e se disseminou por todo o mundo, sendo declarada pandemia pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de março de 2020. A infecção pelo SARS-CoV-2 se apresenta classicamente como síndrome respiratória aguda e teve grande impacto em todos os países, com mais de 470 milhões de casos confirmados em todo o mundo e cerca de 1,3% de óbitos, sendo no Brasil 29.630.484 casos confirmados e 657.205 mortes até o mês de março de 2022. Nos casos pediátricos, os principais sintomas encontrados em pacientes de 0 a 19 anos são: febre, tosse, diarreia, congestão nasal e dispneia, em geral com bom prognóstico, e poucas complicações descritas, predominantemente em pacientes com comorbidades1,2. Da Oliveira et al. (2020)3, em uma revisão sistemática, apontou que o principal fator de risco para complicações em crianças foram doenças congênitas, comorbidades e prematuros, enquanto a meta análise evidenciou maior chance de evolução para esse desfecho em crianças menores de um ano de idade. Em 2020, 14.638 (2,46% do total) crianças e adolescentes de 0 a 19 anos foram hospitalizados pela doença, sendo que 1.203 (0,62% do total) foram a óbito4. Em janeiro de 2022, a COVID-19 representava a segunda maior causa de morte de crianças de 5 a 11 anos no Brasil, com 1.449 mortes de meninos e meninas de 0 a 11 anos e mais de 2.400 casos de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P) associada à COVID-19 registradas desde o início da pandemia5.

Devido ao relevante aumento no número de casos, identificação de novas variantes do SARS-CoV-2 e os baixos índices de vacinação na população pediátrica, torna-se cada vez mais relevante o estudo da doença neste grupo. A persistência dos sintomas ou o desenvolvimento de novos sintomas relacionados à infecção pelo SARS-CoV-2 após a COVID é um problema cada vez mais frequente, compondo uma síndrome multissistêmica, descrita sob vários termos, sendo os mais comuns COVID longa ou pós-COVID1,4. Principalmente em adultos, a persistência de sintomas, sinais ou parâmetros clínicos por duas ou mais semanas após a COVID, sem retorno a uma linha de base saudável, podem potencialmente ser consideradas COVID longa1,2. Apesar do comportamento diferente do quadro agudo da COVID em adultos e crianças, sinais e sintomas da COVID longa apresentam interseções semelhantes entre os dois grupos2. Em contraste, embora haja um crescente aumento de literatura sobre COVID longa em adultos, os dados pediátricos são escassos.

A determinação de fatores associados ao risco de desenvolver efeitos a longo prazo da COVID-19, a necessidade de ampliação do conhecimento sobre a COVID longa, a identificação de novas variantes do SARS-CoV-2 e a falta de estudos quanto à vacinação na população pediátrica, torna cada vez mais pertinente o estudo desta síndrome em pacientes pediátricos. É necessário estabelecer uma via de reabilitação integrada que forneça intervenção direcionada para garantir o crescimento e o desenvolvimento adequados para as crianças.


MÉTODOS

Para a realização desta revisão, a pesquisa bibliográfica partiu do questionamento “Quais as manifestações clínicas em crianças com a síndrome da COVID longa?”, que foi baseado no modelo Population, Intervention, Comparison, Outcome (PICO), utilizado na Prática Baseada em Evidências (PBE), sendo recomendado para revisões sistemáticas6. As revisões sistemáticas são baseadas em perguntas claras, utilizando‑se de métodos sistematizados e explícitos com objetivo de identificar, selecionar e avaliar criticamente pesquisas relevantes. Nesse sentido, optou-se pela utilização da recomendação PRISMA, um checklist com 1 fluxograma e 27 itens com o objetivo de auxiliar autores a melhorarem a qualidade de suas revisões sistemáticas e metanálises7.

Como os estudos analisados apresentaram características diversas (Tabela 1), tendo amostra, objetivos e procedimentos metodológicos heterogêneos, além de não se referirem a ensaios clínicos, não foi possível a sua análise estatística (metanálise). Após análise dos dados, o levantamento proporcionou estabelecimento de considerações acerca das manifestações clínicas da COVID longa apresentadas por crianças.




Fonte de dados

A busca eletrônica foi realizada nas seguintes bases de dados: SCOPUS, Embase e NCBI. Foi formulada a pergunta a partir da estratégia PICO (População, Intervenção, Comparação, Desfecho “Outcome”): “Quais as manifestações clínicas em crianças com a síndrome da COVID longa?”. Os descritores utilizados (crianças, covid-19 longa, pós-COVID-19) foram inseridos nos “Descritores em Ciências da Saúde” (DeCS), na língua inglesa e seus equivalentes na língua portuguesa. Os descritores foram usados com as seguintes combinações: “child” OR “children” AND “long COVID-19” OR “post COVID-19”.

A seleção dos artigos foi feita inicialmente por todos os pesquisadores de forma independente, inicialmente avaliando título e resumo, posteriormente através da leitura do texto na íntegra. A permanência ou retirada dos artigos selecionados para a análise final foi decidida em reunião com todos os autores da presente revisão. A revisão sistemática seguiu o guideline Preferred Reporting Items for Systematic Reviewers and Meta-analysis (PRISMA).

Os artigos foram selecionados a partir da utilização dos descritores definidos e a identificação foi realizada em três etapas, a saber:

Etapa 1: leitura dos títulos dos estudos encontrados e exclusão dos que não se enquadraram em qualquer um dos critérios de inclusão deste estudo;

Etapa 2: leitura dos resumos dos estudos selecionados na etapa 1 e exclusão daqueles que também não se adequaram aos critérios de inclusão;

Etapa 3: leitura na íntegra de todos os estudos restantes das etapas anteriores e seleção dos que se enquadraram nos critérios de inclusão, por meio de protocolo criado para esse fim.

Critérios de elegibilidade

Foram incluídos artigos publicados em 2020 e 2021 nas bases de dados SCOPUS, Embase, NCBI e MedRxiv que abordassem: (1) quadros clínicos da COVID longa na população pediátrica e (2) quanto ao delineamento: estudos de coorte, caso-controle, estudos transversais e relatos de caso. Foram excluídos: (1) artigos não escritos em inglês, português ou espanhol; (2) artigos não concordantes com o tema; (3) publicações que não fossem artigos científicos; (4) artigos que abordassem apenas alterações comportamentais pós-COVID; (5) artigos com população não pediátrica; (6) artigos que abordassem sintomas de COVID com duração inferior a 2 semanas desde o início do quadro.

Extração dos dados

Utilizou-se uma planilha elaborada no software Microsoft Excel versão 2019 (Microsoft Office 365 ProPlus, Redmond-WA, EUA) para extração dos seguintes dados, por todos os autores: nome do artigo, base de dados, autor, data de publicação, delineamento do estudo, tamanho da amostra, idade/idade média, local/população em estudo, sintomas, tempo pós fase aguda, evolução, critérios para síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P), outros dados importantes observados e link do artigo. Além disso, foram verificadas as referências dos artigos de base de revisão sistemática para que não houvesse o viés de duplicação de dados. A qualidade metodológica dos artigos transversais selecionados foi avaliada pela Escala de Newcastle-Ottawa modificada para estudos transversais.


RESULTADOS

Inicialmente, foram identificados 6.279 artigos nas bases de dados Embase, Scopus, NCBI e MedRxiv, os quais foram divididos entre os autores. A primeira etapa da seleção foi feita pela exclusão de 6.238 publicações que não apresentavam a temática condizente com a pesquisa. Em seguida, foi realizada a retirada de artigos em duplicata e que não preenchessem os critérios de elegibilidade e inclusão. Ao final, oito publicações foram selecionadas para o processo de revisão sistemática: dois relatos de caso, quatro estudos de coorte e dois estudos transversais (Figura 1).


Figura 1. Fluxograma do número de artigos encontrados e selecionados para análise após aplicação de critérios de inclusão e exclusão.



Os estudos foram realizados em diferentes locais do mundo, sendo dois em Londres e os demais na Itália, Suécia, Índia, Rússia, Alemanha e Suíça. A população dos estudos variou entre 3 meses e 18 anos. A variação de amostragem também foi relevante, variando de 1 a 2.500 participantes.

O estudo realizado na Suécia, por Ludvigsson (2021)2, apresentou uma série de cinco casos de sintomas persistentes após infecção por COVID por 6 a 8 meses. 80% dos pacientes eram do sexo feminino, a média de idade de 12 anos e apenas uma criança apresentava comorbidades previamente: asma, alergias e transtorno do espectro autista. Além disso, foi realizada uma revisão sistemática, porém nenhuma publicação foi selecionada por não abordar o tema de COVID longa.

Alguns estudos trouxeram casos de síndrome multissistêmica inflamatória pediátrica (SIM-P) por infecção pelo vírus SARS-CoV-2. Broad et al. (2021)8, em um estudo em Londres, apresentou 70 casos de SIM-P e correlacionou uma maior incidência em pacientes de grupos de minoria étnica. Por sua vez, Buonsenso et al. (2021)9, em um estudo italiano com 129 crianças, encontrou três casos de SIM-P. Além disso, relatou que mais da metade ainda era sintomática após mais de 120 dias do diagnóstico.

Os sintomas mais relatados nas crianças na COVID longa foram: fadiga, sintomas do trato respiratório alto e baixo (tosse, coriza, congestão nasal, etc.), distúrbios do sono e sintomas neurológicos (dificuldade de concentração, cefaleia e déficit cognitivo). Três dos oito artigos também trouxeram acometimento dermatológico persistente como rash cutâneo. Da mesma forma, três estudos também apontaram a persistência de sintomas gastrointestinais como vômitos, diarreia e dor epigástrica. Apesar de menos citados, também foram observados sintomas musculoesqueléticos como dores articulares e musculares.

A prevalência de sintomas da COVID longa nos estudos de coorte selecionados variou de 9,5% a 52,7%, com média de 15,5%. Dentre todos os estudos, os sinais/sintomas mais prevalentes foram a fadiga e a dispneia, presentes em todos os artigos selecionados. Distúrbios do sono, alterações neurológicas, como dificuldade de concentração, e alterações dermatológicas, como rash cutâneo, estiveram presentes em 50% dos artigos. O maior tempo de duração dos sintomas observados foi de oito meses, sendo a duração mínima de quatro semanas.


DISCUSSÃO

Apesar da escassez de informações sobre a COVID longa em crianças, especialmente de estudos brasileiros, um expressivo número de casos em diversos países tem sido relatado. No Reino Unido, 12,9% das crianças entre 2 e 11 anos e 14,5% daquelas com 12 a 16 anos têm sintomas persistentes após 5 semanas da infecção inicial10. Há, ainda, informações do Office for National Statistics (ONS) de que, no Reino Unido, em torno de 79.000 casos de COVID longa são em pacientes com menos de 19 anos11,12.

Em relação à faixa etária das crianças com COVID longa, idade maior parece ser fator de risco para o desenvolvimento do quadro. Em estudo de coorte prospectiva realizado na Rússia, em 2021, crianças entre 6 e 18 anos foram as mais acometidas pelos sintomas pós-COVID. Além disso, no Reino Unido, estudos também trazem a maior ocorrência de sintomas persistentes com o aumento da idade. O sexo feminino também é apontado como de maior proprensão para os sintomas pós-COVID pela literatura, o que não pode ser analisado com os artigos incluídos neste estudo9,13,14.

No presente estudo, os sintomas mais frequentemente apresentados pelas crianças com COVID longa foram fadiga, sintomas do trato respiratório alto e baixo (tosse, coriza, congestão nasal, etc.), distúrbios do sono e sintomas neurológicos (dificuldade de concentração, cefaleia e déficit cognitivo), o que corrobora com dados encontrados em outros estudos sobre COVID longa na faixa etária pediátrica. No estudo de coorte prospectiva realizado na Rússia, 126 das 518 crianças apresentavam fadiga, distúrbios do sono e alterações sensoriais como os principais achados da COVID longa13.

Os sintomas que caracterizavam a COVID longa nos primeiros estudos e relatos sobre o quadro, eram: fadiga, mialgia, artralgia, cefaleia, insônia, alterações respiratórias e cardiovasculares. Com a evolução dos estudos, mais de 100 sintomas já foram descritos, sendo incluídas alterações gastrointestinais, convulsão, alucinações, dentre outros. Desse modo, ainda não há uma caracterização muito bem definida sobre a persistência dos sintomas e as sequelas decorrentes da COVID, fato percebido nesta revisão, que encontrou uma grande variedade de sinais e sintomas caracterizados como quadro pós-COVID. No entanto, há evidências de que as crianças se apresentam de forma semelhante aos adultos nessa situação11,12,15.

Outra manifestação encontrada em nossa análise foi a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P) que tem clínica e alterações de exames complementares similares à doença de Kawasaki, Kawasaki incompleto e/ou síndrome do choque tóxico. Nesses casos, que também compõem uma síndrome pós-infecciosa, há maior gravidade, com sinais e sintomas mais exuberantes. Além disso, há descrição de critérios diagnósticos mais bem estabelecidos. Para o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), o caso de SIM-P precisa, para sua definição, de confirmação da infecção pelo SARS-CoV-2, soroconversão ou exposição à COVID nas últimas 4 semanas antes do início dos sintomas. Os critérios diagnósticos divergem entre órgãos de saúde como o CDC e a OMS, mas se baseiam em febre, critérios de inflamação, hospitalização prévia, envolvimento de sistemas orgânicos, exclusão de outras causas infecciosas e a exposição ou infecção pelo SARS-CoV-216,17.

Quanto à duração dos sintomas pós-COVID há grande variedade de dados na literatura, apresentando tempo maior que cinco meses em alguns trabalhos13 e de até doze semanas em outros10. Nosso estudo também apresenta essa variabilidade, com duração de pelo menos 4 semanas, mas podendo persistir até 8 meses após o início da infecção pelo SARS-CoV-2.

Nesta revisão, grande parte dos estudos não relata os desfechos a longo prazo da COVID longa. Algumas crianças persistiram com os sintomas após o tempo de avaliação do artigo e parte delas precisou de acompanhamento com especialistas, como cardiologistas e psicólogos. Os casos de SIM-P, em maioria, precisaram de internação em UTI, de medicamentos e exames de alta complexidade específicos para cada caso e de acompanhamento com especialistas após a alta hospitalar. Há muita variação de dados quanto ao desfecho na literatura. De acordo com uma pesquisa realizada na Holanda, que traz informações de pediatras sobre as experiências com a COVID longa, em 89 casos de crianças atendidas, 36% apresentou limitações severas no funcionamento diário12. No entanto, outros autores relatam cessação por completo dos sintomas no período de 12 semanas10.

Na população adulta, estima-se que 80% dos pacientes infectados com SARS-CoV-2 desenvolvem um ou mais sintomas a longo prazo18. Já na população pediátrica, há uma grande variação entre os estudos acerca da prevalência de sintomas da COVID longa, sendo importante ressaltar o número reduzido de trabalhos com essa faixa etária, principalmente de trabalhos com amostras mais significativas.

É importante ressaltar que as consequências a longo prazo da infecção por SARS-CoV-2 se apresentam de forma similar quando se compara os adultos com a população pediátrica. De acordo com Willi et al. (2021)19, os sintomas preponderantes na síndrome pós-COVID em adultos foram fadiga e dispneia, acometendo 39% a 74% da amostra. Ademais, metanálises acerca da COVID longa em adultos também sugerem a fadiga (38% a 58%), dispneia (24% a 32%), dor de cabeça (44%) e tosse (13%) como alguns dos sintomas mais prevalentes nessa fase18,20. Em consonância com Ludvigsson (2021)2, que relatou fadiga e dispneia em 100% da população pediátrica estudada, com uma idade variando entre 9 a 15 anos.

Em relação aos sintomas neuropsiquiátricos, esses apresentam um perfil de semelhança ainda maior entre ambas faixas etárias. Em metanálises de Krishnamoorthy et al. (2020)21 e Premraj et al. (2022)22, os distúrbios do sono, a ansiedade e a depressão correspondem aos principais impactos nesse âmbito nos adultos. Nas crianças, os impactos de manifestações neuropsiquiátricas tomam ainda maior importância, visto a sua influência no desenvolvimento neuropsicomotor nessa fase da vida.

Algumas pesquisas mostram que a SIM-P se apresenta de maneira bastante semelhante à síndrome inflamatória multissistêmica em adultos (SIM-A)23,24. Por outro lado, podemos encontrar algumas diferenças entre a apresentação da COVID longa em crianças e em adultos. De acordo com dados da literatura, em crianças, a COVID longa parece acometer, principalmente, o sexo feminino13,14, enquanto em adultos, a questão segue controversa, com relatos de maior acometimento de homens, enquanto outros artigos encontraram contrário19.

O desfecho da COVID a longo prazo é um tema ainda em ascensão na literatura. Em adultos, diversos estudos já demonstram e consolidam a redução da capacidade funcional e qualidade de vida relacionada à saúde associada à COVID longa (36% e 52%, respectivamente)20; sendo que, quase um terço das amostras adultas não retornam à sua funcionalidade de base em 12 meses após a doença25,26. Entretanto, na infância a avaliação desse tema ainda não encontra dados fartos e comparáveis apesar da nítida relevância de tal.

A persistência desses sintomas nas crianças pode ter um impacto bem maior que o esperado. A presença de sintomas musculoesqueléticos, respiratórios, neurológicos e tantos outros pode, por exemplo, afetar fortemente o desempenho escolar, atlético e social desses indivíduos. Um estudo multinacional desenvolvido em uma plataforma online, conhecido como “Long COVID Kids Rapid Survey 2”, encontrou mudanças significativas na realização de atividades físicas pelas crianças após infecção por SARS-CoV-2, mostrando que a maioria não conseguia manter o mesmo nível de aptidão física. Cerca de 20% não conseguia mais aproveitar a prática de exercícios físicos e 30% sentia piora dos sintomas após a realização das atividades. Esses achados são muito relevantes, visto que a prática de atividade física é fundamental para o crescimento, desenvolvimento e socialização dessas crianças27.

Além disso, a presença de manifestações neuropsiquiátricas pode afetar gravemente a vida e o desenvolvimento dessas crianças. A maioria dos estudos encontrou a persistência de sintomas como falta de concentração, dificuldade de processar informações e entender instruções, além de perda de memória recente. Todos esses sintomas podem impactar de forma significativa a performance escolar dessas crianças e prejudicar, a longo prazo, academicamente e profissionalmente esses indivíduos2,8,9,14,28,29.

A importância do estudo sobre a COVID longa na população pediátrica não se limita a entender quais são os principais sintomas e como eles se comportam, mas também envolve compreender quem são os indivíduos mais suscetíveis à persistência desses sintomas. Um estudo de coorte prospectivo, realizado na Rússia, demonstrou que a faixa etária é um fator de risco importante. As crianças entre 6 a 11 anos foram as que mais apresentaram sintomas persistentes, cerca de duas vezes mais, quando comparadas com crianças menores de 2 anos. De forma similar, os adolescentes entre 12 e 18 anos também demonstraram maiores chances de desenvolverem COVID longa. Outro fator de risco relevante é a associação com histórico de doenças alérgicas. Rinite alérgica, asma e alergias alimentares foram as comorbidades mais encontradas nesses pacientes. Além disso, obesidade e excesso de peso também foram vistos como fatores de risco nas crianças de 6 a 11 anos, assim como casos graves de COVID aguda. Entretanto, estudos sobre os fatores de risco para COVID longa na população pediátrica ainda são escassos na literatura e carecem de informações sólidas para melhor conduta nesses casos14.

Desse modo, embora o número de estudos que investigam a condição pós-COVID na população pediátrica esteja aumentando, não há acordo sobre como essa nova doença deve ser definida e diagnosticada na prática clínica e quais resultados relevantes devem ser medidos30. Ademais, são pobres as bibliografias sobre fatores de risco, desfechos da COVID longa, segregação das faixas etárias dentre as crianças e adolescentes, abordagens de âmbito nacional e outros aspectos dos estudos da COVID a longo prazo. Há uma necessidade urgente de otimizar e padronizar as medidas de resultados para esse importante grupo de pacientes, tanto para serviços clínicos quanto para pesquisa, e, assim, permitir agrupamento de dados, comparação entre diferentes localizações geográficas e aplicação prática desses na conversão em protocolos de manejo clínico multidisciplinar na abordagem da COVID longa na infância e medidas de prevenção da morbidade.

A falta de estudos relacionados à COVID longa na faixa etária pediátrica impacta de modo importante o manejo da COVID em crianças. Especificamente no Brasil, a abordagem desse tema ainda é muito exígua. O fato de grande parte das crianças apresentarem quadro leve na infecção pelo SARS-CoV-2 pode ter subestimado a evolução com sintomas persistentes e, inclusive, reforçado a falta de ações voltadas para a vacinação dessa população de modo urgente. Um estudo com 510 crianças com COVID longa no Reino Unido mostrou que apenas 10% delas retornaram para o nível habitual de atividades diárias após a infecção pelo SARS-CoV-2. Portanto, no sentido de manter qualidade de vida e evitar problemas de saúde futuros, a vacinação infantil e o acompanhamento de crianças com COVID se fazem primordiais9.

Nosso estudo identificou que a persistência dos sintomas de COVID atinge em média 15,5% das crianças após a infecção, com tempo de duração entre 4 a 32 semanas, podendo acometer todas as faixas etárias. Os principais sintomas observados foram fadiga, respiratórios alto e baixo, neurológicos e distúrbios do sono. Portanto, é evidente que a população pediátrica é vulnerável à COVID longa e pode apresentar acometimento importante pela infecção do SARS-CoV-2. Não foi possível o esclarecimento de fatores de risco e desfecho desses casos por este estudo.


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Universidade Federal de Goiás, Goiânia - Goiás - Brasil

Endereço para correspondência:

Giovanna Guilherme Barcelos
Universidade Federal de Goiás
Av. Esperança, s/n - Chácaras de Recreio Samambaia
Goiânia/GO, Brasil. CEP: 74690-900
E-mail: ggb.cat@gmail.com

Data de Submissão: 15/05/2022
Data de Aprovação: 21/06/2022