Relato de Caso
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Ano 2015 -
Volume 5 -
Número
1
Relato de caso: Incontinência pigmentar
Case report: Incontinence Pigmenti
Relato de caso: Incontinencia pigmentar
Emerson Wacholz Garcia1; Adriana Prazeres da Silva2
RESUMO
A incontinência pigmentar é uma genodermatose rara, mais comum no sexo feminino, e com herança autossômica dominante ligada ao cromossomo X. É uma doença multissistêmica com manifestações cutâneas, oculares, dentárias e do sistema nervoso central (SNC). O termo incontinência pigmentar surgiu do aspecto microscópico das lesões na terceira fase da doença, na qual há presença de pigmento livre na camada basal da epiderme. O presente artigo relata o caso de uma recém-nascida que no sexto dia de vida apresentou pápulas, vesículas e placas eritematosas em membros superiores, inferiores e tronco. Foi avaliada pela dermatopediatra, que diagnosticou incontinência pigmentar com base no aspecto das lesões.
Palavras-chave:
anormalidades da pele, incontinência pigmentar, pigmentação da pele.
ABSTRACT
The pigmentary incontinence is a rare genodermatosis more common in females and with autosomal dominant inheritance linked to chromosome X. It is a multisystem disease with cutaneous manifestations, eye, dental and central nervous system (CNS). The term pigmentary incontinence emerged from the microscopic appearance of the lesions in the third stage of the disease, in which there is presence of free pigment in the basal layer of the epidermis. This article reports the case of a newborn that on the sixth day of life showed papules, vesicles and erythematous plaques in upper and lower limbs and trunk. She was evaluated by the skin pediatrician who diagnosed incontinence pigment based on the appearance of the lesions.
Keywords:
incontinentia pigmenti, skin, skin abnormalities.
RESUMEN
La incontinencia pigmentar es una genodermatosis rara, más común en el sexo femenino y con herencia autosómica dominante relacionada al cromosoma X. Es una enfermedad multisistémica con manifestaciones cutáneas, oculares, dentarias y del sistema nervoso central (SNC). El término incontinencia pigmentar surgió del aspecto microscópico de las lesiones en la tercera fase de la enfermedad donde hay presencia de pigmento libre en la capa basal de la epidermis. El presente artículo relata el caso de una recién nacida que al sexto día de vida presentó pápulas, vesículas y placas eritematosas en miembros superiores, inferiores y tronco. Fue evaluada por la dermatopediatra que diagnosticó incontinencia pigmentar con base en el aspecto de las lesiones.
Palabras-clave:
anormalidades de la piel, incontinencia pigmentar, pigmentación de la piel.
INTRODUÇÃO
A incontinência pigmentar é uma genodermatose rara caracterizada como herança autossômica dominante ligada ao cromossomo X. Aproximadamente 80% dos pacientes com incontinência pigmentar têm uma deleção envolvendo os éxons 4 e 10 do gene NEMO no braço longo do cromossomo Xq28. É uma doença multissistêmica caracterizada por alterações em vários órgãos e aparelhos de origem ecto e mesodérmica, com manifestações cutâneas, oculares, dentárias e do sistema nervoso central (SNC). O termo incontinência pigmentar surgiu do aspecto microscópico das lesões na terceira fase da doença, na qual há presença de pigmento livre na camada basal da epiderme. A condição acomete principalmente recém-nascidos do sexo feminino, sendo letal, na maioria das vezes, quando acomete o sexo masculino1,2.
RELATO DE CASO
Paciente L.C.G., sexo feminino, 12 dias de vida, natural e procedente de Aquidauana (MS). Foi encaminhada da cidade de origem para o Hospital Regional de Mato Grosso do Sul em Campo Grande e apresentava na admissão pápulas e vesículas com base eritematosa e distribuição linear em tronco, membros superiores e inferiores sem associação com febre ou alteração do estado geral (Figuras 1 e 2). O surgimento das mesmas se deu com 6 dias de vida e a paciente havia sido submetida a tratamento tópico com creme à base de antibióticos, corticoides e antifúngicos por 3 dias sem resolução das lesões. Nasceu a termo, de parto cesárea, pesando 3750 gramas, pré-natal regular, 8 consultas, sorologias de primeira e segunda fases negativas, mãe sem infecções durante a gestação.
Figura 1. Lesões papulosas no membro superior e tronco.
Figura 2. Lesões papulosas em membros inferiores.
Após atendimento no Pronto Socorro foi solicitado hemograma (eritrócitos: 5,3 milhões; hemoglobina: 17,4; hematócrito: 50%; VCM: 94; HCM: 33; CHCM: 35; leucócitos: 10.700; neutrófilos: 52%; bastões: 1%; segmentados: 51%; eosinófilos: 3%; linfócitos: 41%; monócitos: 4%; plaquetas: 341.000) e parecer para a especialista.
Paciente foi avaliada pela dermatologista pediátrica que, com base na apresentação clínica, sugeriu o diagnóstico de incontinência pigmentar e orientou acompanhamento ambulatorial. Foi encaminhada para avaliação oftalmológica, neurológica e 70 dias após o diagnóstico a paciente passou por consulta no ambulatório, com evolução das lesões para fase pigmentar.
DISCUSSÃO
A incontinência pigmentar é também denominada síndrome de Bloch-Sulzberger, devido às primeiras observações feitas por Bloch (1925) e Sulzberger (1928). Caracteriza-se por manifestações cutâneas associadas a lesões em vários órgãos e aparelhos de origem ecto e mesodérmica. No sexo feminino, o gene provoca a doença e no sexo masculino geralmente é letal, podendo ser uma das causas de abortos espontâneos.
Os achados cutâneos estão presentes em 80% dos casos e evoluem em quatro fases clássicas, podendo estas ocorrer de forma concomitante ou sequencial: 1) fase eritematovesiculosa: aparece antes da 2ª semana de vida (90%) e se caracteriza por lesões papulovesiculares com base eritematosa e disposição linear em membros e/ou tronco. Geralmente, são assintomáticas e desaparecem espontaneamente em torno do 4º mês. Nos exames laboratoriais, pode haver eosinófilos no hemograma e eosinófilos nas vesículas. 2) Fase verrucosa: apresenta-se como pápulas verrucosas lineares que substituem as lesões precedentes, são assintomáticas e regridem até os 6 meses. 3) Fase pigmentar: patognomônica e responsável pela denominação da síndrome. Inicia-se entre o 3º e o 6º mês de vida, apresentando manchas hiperpigmentadas assimétricas, onduladas ou estriadas que seguem as linhas de Blaschko no tronco e/ou extremidades. As lesões progridem por meses e persistem por anos com melhora ou desaparecimento na adolescência. 4) Fase hipocrômica: apresenta-se com manchas hipocrômicas e atróficas, desprovidas de pelos, hipohidróticas e que permanecem pelo resto da vida1-4.
As manifestações cutâneas, dependendo da fase de evolução, podem lembrar muitas doenças. O diagnóstico diferencial deve ser feito, na fase 1, com lúpus bolhoso e penfigoide bolhoso juvenil; na fase 2 com hiperqueratose (associada a infecções cutâneas), hiperqueratose epidermolitica e líquen estriado; na fase 3 com hipermelanose nevoide e dermopatia pigmentosa reticularis; na fase 4 com hipomelanose de Ito e aplasia cútis congênita4.
Manifestações extracutâneas da incontinência pigmentar ocorrem em 70 a 80% dos casos, sendo as oculares as mais graves da doença (anormalidades vasculares da retina, estrabismo, catarata, atrofia do nervo óptico e nistagmo). No sistema nervoso central, as principais manifestações são convulsões, retardo mental, hidrocefalia, acidentes vasculares encefálicos isquêmicos e paralisia espástica, sendo as convulsões durante a primeira semana de vida indicador de pior prognóstico. Ossos e musculatura esquelética também podem ser acometidos, resultando em sindactilia, deformidades cranianas, nanismo, costelas supranumerárias, hemiatrofia e encurtamento de pernas e braços.
Apesar da raridade da doença, a incontinência pigmentar deve sempre ser lembrada como diagnóstico diferencial diante de recém-nascido com alterações dermatológicas tipo pápulas e vesículas. A incontinência pigmentar é autolimitada e não há tratamento específico. O diagnóstico baseia-se principalmente no quadro clínico e na apresentação histológica, que é distinta em cada fase evolutiva da doença. Na fase vesicobolhosa há vesículas repletas de eosinófilos; na fase verrucosa há hiperqueratose, disceratose, acantose e papilomatose; na fase de hiperpigmentação evidencia-se derrame pigmentar com presença de numerosos melanófagos na derme; e na fase de hipopigmentação encontra-se afinamento da epiderme e ausência de anexos. Os exames de neuroimagem podem ser úteis nos pacientes sintomáticos, mas não são realizados de rotina e, por isso, a frequência de anormalidades neurológicas nesses pacientes ainda é pouco conhecida2,4,5.
O tratamento é multidisciplinar e orientado para as manifestações extracutâneas. Pode ser utilizado tratamento tópico com antibióticos na fase vesiculosa e emolientes na fase verrucosa. Além disso, é importante a família realizar aconselhamento genético e acompanhamento ambulatorial periódico2.
CONCLUSÃO
A incontinência pigmentar é uma afecção com diagnóstico difícil e em cada fase evolutiva possui muitos diagnósticos diferenciais que sempre devem ser lembrados pelo pediatra. O prognóstico está estreitamente ligado à presença de malformações em outros órgãos e sistemas. Enfatizamos a necessidade de acompanhamento multidisciplinar e a importância do reconhecimento das alterações típicas de cada fase. Dessa forma, a criança poderá ser tratada adequadamente e os familiares serão orientados precocemente quanto às fases subsequentes da doença e possíveis alterações em outros sistemas.
REFERÊNCIAS
1. Franco LM, Goldstein J, Prose NS, Selim MA, Tirado CA, Coale MM, et al. Incontinentia pigmenti in a boy with XXY mosaicism detected by fluorescence in situ hybridization. J Am Acad Dermatol. 2006;55(1):136-8. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.jaad.2005.11.1068
2. Lowy G, Alonso EFJ, Cestari TF, Cestari SCP, Oliveira ZNP. Atlas Topográfico de dermatologia do diagnóstico ao tratamento. São Paulo: Revinter; 2013. p.213-5.
3. Nasser N, Nasser Filho N, Rosa TSC. Incontinência pigmentar: relato de caso. Arq Catarin Med. 2012;41(4):83-6.
4. Kane KM, Ryder JB, Johnson RA, Baden HP, Stratigos A. Color atlas and synopsis of pediatric dermatology. New York: McGraw-Hill; 2002. p.292-5.
5. Pereira MAC, Mesquita LAF, Budel AR, Cabral CSP, Feltrim AS. Incontinência pigmentar ligada ao X ou síndrome de Bloch-Sulzberger: relato de um caso. An Bras Dermatol. 2010;85(3):372-5. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0365-05962010000300013
1. Médico residente em pediatria
2. Médica Dermatologista pediátrica
Endereço para correspondência:
Emerson Wacholz Garcia
Hospital Regional Rosa Pedrossian
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