ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2023 - Volume 13 - Número 3

Janela aortopulmonar em lactente: rara cardiopatia - relato de caso

Aortopulmonary window: rare cardiopathy - case report

RESUMO

A janela aortopulmonar (JAP) é uma cardiopatia congênita pouco prevalente, causada por um defeito septal do tronco arterial comum entre a aorta e a artéria pulmonar. Pode estar localizado entre a aorta ascendente e o tronco ou artéria pulmonar direita. Do ponto de vista hemodinâmico, assemelha-se a um grande canal arterial persistente. Os sintomas clínicos em pacientes com JAP estão relacionados com o fluxo de sangue pulmonar e a magnitude do defeito. O objetivo deste trabalho é relatar o caso de um lactente com essa patologia enfatizando sua apresentação clínica e suspeição diagnóstica.

Palavras-chave: Janela aortopulmonar, Hipertensão pulmonar, Crianças, Insuficiência cardíaca.

ABSTRACT

Aortopulmonary window is a congenital heart disease of low prevalence that results from anormalities in the septation of the commom arterial trunk. It is caracterized as a communication between the aorta and main pulmonary artery or its branches. This malformation resembles a large persistent ductus arteriosus. Clinical symptoms are related to pulmonary blood flow and the septal defect size. The aim of this paper is to report a case, inclunding his clinical presentation, the diagnostic work up, as well as the initial care at the emergency unit.

Keywords: Aaortopulmonary window, Pulmonary hypertension, Children, Heart failure.


INTRODUÇÃO

A janela aortopulmonar (JAP) é uma rara anomalia cardíaca congênita representando 0,2%-0,6% de todas as lesões cardíacas congênitas1,2. Há uma comunicação entre a aorta e a artéria pulmonar, com duas válvulas arteriais separadas.

Os pacientes com JAP apresentam fisiologia de shunt esquerda-direita; portanto, quando essa malformação se mostra isolada e de tamanho grande, a apresentação clínica decorre do aumento do fluxo pulmonar, com insuficiência cardíaca congestiva, hipertensão pulmonar e desenvolvimento precoce de doença vascular obstrutiva pulmonar3.

Em cerca de 50% dos casos, há associação com outro defeito cardíaco, o que dificulta o reconhecimento da anomalia. A associação com a interrupção do arco aórtico é a mais encontrada, aumentando a gravidade do quadro.

O diagnóstico clínico de JAP, apesar de difícil, deve ser sempre lembrado em crianças com quadro de descompensação cardíaca precoce e baixo ganho ponderal. Devido à não especificidade dos exames habituais como radiografia de tórax e eletrocardiograma, o ecocardiograma, embora operador dependente, é reconhecido como o exame de excelência.

O prognóstico de casos não tratados é ruim, com 40% de mortalidade no primeiro ano de vida4. O fechamento cirúrgico da APW é indicado em todos os pacientes e deve ser realizado assim que o diagnóstico for feito para prevenir desenvolvimento de hipertensão arterial pulmonar grave (HAP).


OBJETIVO

Relatar caso de menor atendido em emergência pediátrica por quadro de cansaço e tosse desde o nascimento, associada à dificuldade alimentar e déficit ponderal. Espera-se contribuir para facilitar o diagnóstico e as condutas terapêuticas.


METODOLOGIA

Este relato foi baseado no prontuário de atendimento do paciente e em revisão bibliográfica nas principais bases de dados (PubMed e BIREME), buscando artigos que contemplassem o assunto. Foram destacados 15 artigos que guardam relação com tema, desde 2007 até 2017.


RELATO DE CASO

Lactente de 5 meses de vida, sexo masculino, nascido de parto cesárea, a termo, Apgar 9/10, admitido neste serviço devido à piora de desconforto respiratório, irritabilidade intensa e cianose após três dias de internação no hospital da região onde reside. Tinha antecedente de infecções respiratórias de repetição, cansaço e dificuldade no ganho de peso desde o nascimento.

À admissão, apresentava-se com irritabilidade intensa e desconforto respiratório expressivo. Ao exame físico, abaulamento em região precordial, frequência respiratória de 50 incursões por minuto, tiragens subcostais, frequência cardíaca de 190 batimentos por minuto, com saturação de oxigênio de 96% em máscara de Venturi a 50%. Havia sopro sistólico audível em bordo esternal esquerdo alto, hepatomegalia e estertores bolhosos difusos à ausculta pulmonar. A radiografia de tórax revelou área cardíaca aumentada globalmente com sinais de hiperfluxo pulmonar (figura 1). O eletrocardiograma apresentou sobrecarga biventricular. Realizado Ecocardiograma (figura 2) que evidenciou janela aortopulmonar proximal (tipo I), forame oval pérvio, sinais de hiperfluxo importante e hipertensão arterial pulmonar (pressão sistólica estimada em 53 mmHg), com aumento importante das câmaras esquerdas e função biventricular preservada. Iniciado tratamento medicamentoso com furosemida, digital e captopril. Submetido a reparo cirúrgico (figura 3) no mesmo internamento, sem intercorrências técnicas, sendo realizada dissecção e ligadura de janela aortopulmonar. Paciente evoluiu bem, sendo extubado no pós-operatório imediato e encaminhado à Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde permaneceu por 2 dias para manejo de insuficiência cardíaca com uso de furosemida e captopril. Teve alta hospitalar no sétimo dia pós-operatório, sem intercorrências.



Figura 1. Radiografia de tórax com área cardíaca aumentada globalmente com sinais de hiperfluxo pulmonar.



Figura 2. Janela aortopulmonar grande e proximal, medindo aproximadamente 7,8 mm, com fluxo esquerdo-direita.



Figura 3. Janela aortopulmonar proximal identificada com a pinça cirúrgica.



DISCUSSÃO

A janela aortopulmonar é um defeito que não fecha espontaneamente nem diminui em tamanho com o tempo e crescimento. Embriologicamente, é um defeito explicado por fusão incompleta ou malformação da cavidade conotruncal direita ou esquerda entre a quinta e a oitava semana de vida intrauterina. O diagnóstico diferencial inclui o grande ducto arterioso patente e truncus arteriosus5,6. O impacto clínico nos pacientes depende do tamanho da janela e da presença de lesões associadas, além da evolução para hipertensão pulmonar, devido ao grande desvio do fluxo sanguíneo da esquerda para a direita. A classificação mais utilizada é a de Richardson: Tipo I - proximal (mais frequente); Tipo II- defeito distal; Tipo III - defeito completo7.

O diagnóstico durante o pré-natal é muito raro, embora bastante importante para adiantar a correção cirúrgica e evitar o desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva. A principal característica do diagnóstico é uma demonstração da conexão entre a artéria pulmonar e a aorta acima do nível da artéria duas válvulas semilunares8 ao ultrassom obstétrico.

A grande maioria dos pacientes apresenta uma clínica com história de taquipneia ou desconforto respiratório, recorrência de infecções do trato respiratório inferior, incapacidade de crescimento adequado e insuficiência cardíaca congestiva, assim como o paciente do caso exposto. A radiografia de tórax pode mostrar cardiomegalia, e geralmente o diagnóstico da JAP é confirmado em ecocardiografia.

A maioria dos pacientes com tal condição desenvolve sintomas clínicos graves com insuficiência cardíaca congestiva ou hipertensão pulmonar durante o início da vida, portanto a intervenção cirúrgica é indicada assim que o diagnóstico é realizado. Segundo Barnes et al.(2011)7, o prognóstico na ausência de correção é pobre e depende da presença de outras malformações cardíacas congênitas associadas; mortalidade pode chegar a 40% no primeiro ano de vida.

As abordagens incluem ligação simples, divisão e sutura, abordagem transpulmonar, transaórtica direta para fechamento, remendos de poliéster por via transaórtica e a técnica do sanduíche. Os resultados iniciais e no longo prazo após a correção cirúrgica são excelentes, independentemente da idade ou da resistência pulmonar, como observado no estudo de Gowda et al (2017)5. Também se observaram que nos pacientes com disfunção ventricular, após a cirurgia, a disfunção regrediu, assim como a redução de pós-carga e diuréticos no seguimento.


CONCLUSÃO

A janela aortopulmonar é uma anomalia rara, mas bem definida e corrigível cirurgicamente. O reparo cirúrgico deve ser oferecido assim que o diagnóstico for estabelecido, independentemente da idade do paciente, com bons resultados a longo prazo. O objetivo desta revisão foi apresentar o diagnóstico pouco comum, mas que deve ser lembrado em pacientes com desconforto respiratório, sinais de insuficiência cardíaca e infecções respiratórias de repetição.


REFERÊNCIAS

1. Talwar S, Agarwal P, Choudhary SK, Kothari SS, Juneja R, Saxena A, et al. Aortopulmonary window: Morphology, diagnosis, and long-term results. J Card Surg. 2017 Feb;32(2):138-44. DOI: 10.1111/jocs.12936.

2. Talwar S, Siddharth B, Gupta SK, Choudhary SK, Kothari AA, Juneja R, et al. Aortopulmonary window: results of repair beyond infancy. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2017 Nov;25(5):740-4. DOI: 10.1093/icvts/ivx158.

3. Gangana CS, Malheiros AFA, Alves EV, Azevedo MA, Bernardes RM, Simões LC. Janela aortopulmonar: impacto das lesões associadas no resultado cirúrgico. Arq Bras Cardiol. 2007;88(4):402-7.

4. Demir IH, Erdem A, Saritas T, Demir F, Erol N, Yucel IK, et al. Diagnosis, treatment and outcomes of patients with aortopulmonary window. Balkan Med J. 2013 Jun;30(2):191-6. DOI: 10.5152/balkanmedj.2013.6995.

5. Gowda D, Gajjar T, Rao JN, Chavali P, Sirohi A, Pandarinathan N, et al. Surgical management of aortopulmonary window: 24 years of experience and lessons learned. Interact Cardiovasc Thorac Surg. 2017 Aug;25(2):302-9. DOI: 10.1093/icvts/ivx099.

6. Tongprasert F, Sittiwangkul R, Jatavan P, Tongsong T. Prenatal diagnosis of aortopulmonary window: a case series and literature review. J Ultrasound Med. 2017 Aug;36(8):1733-8.

7. Barnes ME, Mitchell ME, Tweddell JS. Aortopulmonary window. Semin Thorac Cardiovasc Surg Pediatr Card Surg Annu. 2011;14(1):67-74. DOI: 10.1053/j.pcsu.2011.01.017.

8. Kumar A, Singh DK, Gupta VK. Aortopulmonary Window: A Rare Congenital Heart Defect. J Clin Diagn Res. 2016 Aug;10(8):PJ01-2. DOI: 10.7860/JCDR/2016/19412.8244.











1. Instituto de Medicina Integral - Professor Fernando Figueira, Pediatra - Recife - Pernambuco - Brasil
2. Instituto de Medicina Integral - Professor Fernando Figueira, Recife, Pernambuco, Residente em Cardiologia Pediátrica - Recife - Pernambuco - Brasil
3. Mestre em Saúde Materno-Infantil - IMIP/PE, Cardiologista Pediátrica do IMIP - Recife - Pernambuco - Brasil
4. Instituto de Medicina Integral - Professor Fernando Figueira, Cardiologista Pediátrica do IMIP - Recife - Pernambuco - Brasil

Endereço para correspondência:
Luziene Alencar Bonates dos Santos
Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP)
Rua dos Coelhos, nº 300, Boa Vista
Recife, PE, Brasil. CEP: 50070-902
E-mail: pedimip2019@gmail.com

Data de Submissão: 09/11/2020
Data de Aprovação: 29/08/2023

Não há conflito de interesse entre os autores