ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2024 - Volume 14 - Número 3

Descrição epidemiológica das crianças expostas verticalmente ao HIV em hospital pediátrico terciário de Santa Catarina

Epidemiological description of children vertically exposed to HIV in a tertiary pediatric hospital in Santa Catarina

RESUMO

INTRODUÇÃO: A síndrome da imunodeficiência adquirida foi reconhecida pela primeira vez nos Estados Unidos em 1981, havendo disseminação global nas últimas quatro décadas. Apesar de o número de novas infecções em crianças estar reduzindo, ainda continua inaceitavelmente alto, provocando imunossupressão grave caso o tratamento não ocorra oportunamente.
OBJETIVOS: descrever o perfil epidemiológico das crianças expostas verticalmente ao HIV atendidas em um hospital terciário referência em Santa Catarina.
METODOLOGIA: estudo observacional, descritivo com coleta de dados retrospectiva no período de janeiro de 2015 a dezembro de 2020 pelo CID Z 206 (contato com e exposição ao vírus da imunodeficiência humana - HIV). A pesquisa foi aprovada no Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos (CEP) da instituição.
RESULTADOS: foram 678 prontuários analisados, com 579 (85,4%) brancos, 348 (51,0%) do sexo masculino, idade média de 324 dias e diagnóstico materno do HIV anterior à gestação em 434 (64,0%) casos. A maioria dessas, 601 (88,6%), usou terapia antirretroviral. A quantificação de RNA-HIV (carga viral) em 414 (61,0%) gestantes foi indetectável e 376 (55,4%) casos receberam zidovudina (AZT) endovenosa no parto. A primeira carga viral dos expostos foi indetectável em 653 (96,3%) pacientes e 667 (98,3%) não receberam aleitamento materno. Quatorze pacientes (2%) confirmaram a infecção pelo HIV e todos iniciaram o tratamento antirretroviral.
CONCLUSÃO: A maioria das gestantes que vive com HIV realizou pré-natal conforme preconizado, contudo com alta prevalência de sífilis. A taxa de recém-nascidos reagentes para o HIV foi equivalente à literatura, porém com pré-natal incompleto.

Palavras-chave: Pediatria, Gravidez, Transmissão vertical de doenças infecciosas, HIV.

ABSTRACT

INTRODUCTION: Acquired immunodeficiency syndrome was first recognized in the United States in 1981, with global spread in the last four decades. Although the number of new infections in children is decreasing, it still remains unacceptably high, causing severe immunosuppression if treatment is not carried out in a timely manner.
OBJECTIVES: to describe the epidemiological profile of pediatric patients vertically exposed to HIV treated at a tertiary referral hospital in Santa Catarina.
METHOD: an epidemiological, observational, analytical, cross-sectional study with retrospective data collection from January 2015 to December 2020 by CID Z 206 (contact with and exposure to the human immunodeficiency virus - HIV). The research was approved by the Ethics and Research Committee on Human Beings (CEP) of the institution.
RESULTS: There were 678 medical records analyzed, with 579 (85.4%) white, 348 (51.0%) males, mean age of 324 days and maternal diagnosis of HIV prior to pregnancy in 434 (64.0%) cases. Most of these, 601 (88.6%), used antiretroviral therapy. Viral RNA (viral load) in 414 (61.0%) pregnant women was undetectable and 376 (55.4%) underwent intravenous zidovudine at delivery. The first viral load of those exposed was undetectable in 606 (89.3%) patients and 667 (98.3%) were not breastfed. Fourteen patients (2%) confirmed HIV infection, and all started antiretroviral therapy.
CONCLUSION: Most pregnant women living with HIV had adequate prenatal care, however, with a high prevalence of syphilis. The rate of HIV-positive newborns was equivalent to the literature, but with incomplete prenatal care.

Keywords: Pediatrics, Pregnancy, Infectious Disease Transmission, Vertical, HIV Infections.


INTRODUÇÃO

Os primeiros casos da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) foram descobertos em 1977, e no Brasil a primeira infecção foi em 1980. Em 1983, ocorreu a primeira notificação mundial de infecção em crianças e o tratamento foi iniciado em 1987 com a zidovudina (AZT)1.

O vírus da imunodeficiência humana (HIV) é um retrovírus com genoma ácido ribonucleico (RNA) que necessita da enzima transcriptase reversa para multiplicar-se2. O HIV agride o sistema imunológico, principalmente os linfócitos T CD4+ e pode levar à AIDS, tornando o paciente vulnerável a infecções e a alguns tipos de cânceres, as chamadas doenças oportunistas1.

A taxa de detecção de AIDS em menores de 5 anos é utilizada como indicador para o monitoramento da transmissão vertical do vírus, que nos últimos 10 anos tem-se observado redução no Brasil, diminuindo 47,2%. Observa-se uma queda em todas as regiões do país, sendo mais significativa no Sul3.

Nos dados do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (UNAIDS, 2021), 79,3 milhões de pessoas já foram infectadas desde o início da pandemia, e 36,3 milhões de pessoas morreram de doenças relacionadas à infecção. Em 2020, no mundo havia 37,7 milhões de pessoas com HIV, sendo 36 milhões de adultos e 1,7 milhão abaixo de 15 anos, estima-se que 35 milhões de pessoas vivendo com HIV desconhecem seu estado sorológico1.

Conforme o boletim epidemiológico HIV/AIDS (2020), de 1980 a junho de 2020, foram notificados um total de 1.011.617 casos de AIDS no Brasil, com registro médio anual de 39 mil novos casos nos últimos 5 anos, contudo diminuindo desde 20133.

No mundo, 1,6 milhão de novas infecções em crianças foram evitadas entre 2008 e 2017, decorrência do aumento das mulheres que vivem com HIV recebendo antirretrovirais (TARV) para prevenir a transmissão vertical. Porém, os esforços são prejudicados pela má adesão ao tratamento entre gestantes e lactantes que vivem com HIV e pelo desconhecimento de seu estado sorológico para o vírus1.

Assim, o tratamento das gestantes com TARV é de fundamental importância, reduzindo a transmissão em até 20 vezes3. Devido às ações de prevenção da transmissão vertical do HIV, espera-se que atualmente haja mais crianças expostas ao HIV que infectadas4.

Em relação ao protocolo brasileiro de manejo da parturiente com HIV, quando o teste rápido for reagente no parto, deve-se optar pela cesariana e administrar AZT injetável. Caso a gestante viva com o HIV, avaliar a adesão à TARV e a carga viral com 28 semanas de gestação. Se a quantificação de RNA viral (carga viral) for não detectável e sem falha de adesão, a via de parto é por indicação obstétrica e não é necessária a administração do AZT injetável. Se a carga viral for detectável, porém inferior a 1000 cópias/ml, a indicação da via de parto é pela obstetrícia e administra-se AZT injetável. Caso a carga viral materna for maior que 1000 cópias/ml, desconhecida ou ter falha de adesão, deve-se realizar parto cesáreo e administrar AZT injetável5.

Considera-se alto risco a gestante que: não fez uso de TARV, sem pré-natal, sem TARV profilática no parto conforme indicação, início da TARV após a segunda metade da gestação, infecção aguda pelo HIV na gestação, aleitamento materno, carga viral detectável no terceiro trimestre ou desconhecida e diagnóstico de HIV no parto. Nesses casos, o esquema terapêutico dependerá da idade gestacional ao nascimento: acima de 37 semanas (AZT, lamivudina e raltegravir por 28 dias), entre 34 e 37 semanas (AZT, lamivudina por 28 dias e nevirapina por 14 dias) e menores de 34 semanas (AZT por 28 dias)5.

Conforme o protocolo brasileiro vigente, o seguimento laboratorial da criança exposta ao HIV é feito com a realização de quatro cargas virais (ao nascimento, com 14 dias de vida, duas semanas após o término da profilaxia e oito semanas após o término da profilaxia) e teste de anticorpos anti-HIV (aos 12 meses de vida)5. Diferente do protocolo anterior que orientava a realização de duas cargas virais (a primeira com duas semanas do término da profilaxia e a segunda carga viral pelo menos seis semanas após o término da profilaxia), e um teste sorológico aos 18 meses de vida5.

Antes de março de 2021, período englobado na coleta de dados do presente estudo, quando houve a alteração do protocolo, utilizava-se AZT profilático para todos os recém-nascidos expostos, totalizando quatro semanas de uso. A associação com nevirapina (três doses) era realizada quando a mãe não tinha utilizado TARV durante a gestação, carga viral desconhecida ou acima de 1000 cópias/ml no terceiro trimestre, mãe com infecção sexualmente transmissível (IST) ou resultado reagente para o HIV no momento do parto5.

A infecção vertical pelo HIV continua sendo um grave problema de saúde pública e a população pediátrica é um grupo vulnerável para transmissão vertical do HIV e com alto risco para morbimortalidade. O HIV é uma doença crônica com importante repercussão no sistema imunológico imaturo das crianças. Estudar as características demográficas e clínicas das crianças expostas verticalmente ao HIV e identificar os fatores de risco envolvidos pode contribuir para minimizar os desfechos desfavoráveis. Além de contribuir com novas estratégias para combater a doença, sendo o foco na prevenção da transmissão vertical com o manejo adequado e oportuno da gestante e do recém-nascido.

O objetivo do estudo foi pesquisar a prevalência e características epidemiológicas (demográficos, clínico, carga viral materna, tratamento materno, tratamento da parturiente e seguimento ambulatorial das crianças expostas) de crianças expostas ao HIV na gestação atendidas em um ambulatório referência no período de cinco anos.


METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa observacional, descritiva com coleta de dados retrospectiva através de prontuário eletrônico de um hospital pediátrico terciário de Santa Catarina no período de janeiro de 2015 a dezembro de 2020. Aprovada no CEP da instituição sob o parecer 4.713.439.

Foram incluídos no estudo todos os pacientes do período proposto até a confirmação ou exclusão do diagnóstico que possuíam exposição vertical ao HIV atendidos no Ambulatório de Infectologia da instituição.

A busca foi realizada através do CID Z.206 (contato com e exposição ao vírus da imunodeficiência humana - HIV) e foram analisados os seguintes dados: demográficos; grau de parentesco do informante; dados relevantes do pré-natal; sorologia paterna para o HIV; carga viral materna; caracterização da profilaxia quando indicada; presença de infecções congênitas (sífilis congênita, toxoplasmose ou citomegalovírus congênito); testagem para HIV dos irmãos, tipo de alimentação e carga viral dos recém-nascidos.

Os dados foram registrados em tabela Excel, realizou-se estatística descritiva com frequência e percentuais para as variáveis categóricas, média e mediana para a variável idade, software de apoio foi SPSS STATISTICS 20.0.0®.


RESULTADOS

Variáveis Demográficas

Analisaram-se 678 prontuários classificados com o CID Z.206, nos quais 14 (2,0%) apresentaram resultado confirmado para a infecção. Em relação às variáveis demográficas, observou-se que 348 (51,0%) eram do sexo masculino e com idade entre 14 dias e 21 meses no primeiro atendimento ambulatorial.

Quanto à cor, 579 (85,4%) eram brancos e em 556 (82,0%) prontuários a mãe era a responsável pelas informações. As demais variáveis estão descritas na Tabela 1.



Variáveis do pré-natal

Em relação ao diagnóstico materno do HIV, observou-se que em 434 (64,0%) casos o diagnóstico de HIV foi anterior à gestação e 18 (2,65%) no parto. Já as gestantes com diagnóstico durante a gestação foram 182 (26,8%), dentre as quais 102 (56%) tiveram o diagnóstico no primeiro trimestre de gestação.

Observaram-se mais de 6 consultas de pré-natal em 413 (61,0%) pacientes, 534 (78,7%) não tiveram coinfecções e 68 (10,0%) apresentaram sífilis na gestação.

O uso de TARV foi evidenciado em 601 (88,6%) gestantes, assim como as medicações predominantes foram os inibidores de transcriptase reversa análogos de nucleotídeos associado aos inibidores de protease em 162 (23,9%) casos, em 360 (53%) prontuários analisados não constavam a terapia antirretroviral utilizada pela gestante. A carga viral indetectável foi observada em 414 (61%) das gestantes. Em 662 (97,4%) dos registros, constava a informação referente à sorologia dos pais das crianças, com resultado negativo em 464 (68,4%) casos. Em 527 (77,7%) casos, as gestantes negaram o uso de substâncias ilícitas. As demais variáveis relacionadas ao pré-natal estão descritas na tabela 2.



Variáveis do parto

O parto vaginal foi descrito em 292 (43,0%) casos. Sobre a quantificação do RNA viral (carga viral), 414 (61,0%) gestantes apresentavam resultado indetectável e 376 (55,4%) gestantes receberam o AZT endovenoso no momento do parto.

Variáveis do recém-nascido

A profilaxia antirretroviral foi realizada em 650 (95,8%) recém-nascidos imediatamente após o nascimento, sendo que 136 (20,1%) utilizaram AZT associado à nevirapina e 514 (76,8%) somente AZT. Para a profilaxia da pneumocistose, 660 (97,3%) crianças expostas ao HIV utilizaram sulfametoxazol-trimetoprim.

Sífilis congênita foi descrita em 30 (4,4%) casos.

A primeira carga viral foi indetectável em 653 (96,3%) pacientes, a segunda foi indetectável em 606 (89,3%), com 58 (8,6%) perdas do seguimento. O teste sorológico realizado após os 18 meses foi negativo em 381 (56,2%) casos, com 283 (41,7%) perdas de seguimento. Demais dados são apresentados na Tabela 3.



Em relação à triagem sorológica dos irmãos, apresentavam descrição de testes em 373 (55,0%) casos e 15 (4,0%) apresentaram o teste anti-HIV reagente.

Em relação à alimentação, 667 (98,3%) recém-nascidos receberam fórmula infantil, três mães (0,4%) amamentaram e em dois (0,29%) casos houve amamentação cruzada. Em seis prontuários (0,88%) não constavam informações sobre a alimentação.

Entre os pacientes expostos, 14 (2%) confirmaram a infecção pelo HIV, todos iniciaram terapia antirretroviral imediatamente e cinco (35,7%) realizaram a primeira consulta com o infectologista pediátrico até dois meses de vida. Em relação aos casos confirmados para HIV, observa-se referente aos dados do pré-natal: cinco (35,7%) realizaram mais que seis consultas, seis (42,8%) gestantes utilizaram TARV e três (21,4%) apresentavam adesão à terapia. Demais informações estão descritas na Tabela 4.



DISCUSSÃO

A exposição vertical ao HIV é prevalente e necessita de medidas preventivas e políticas de saúde pública para diminuir o número de crianças com novas infecções. A transmissão vertical ocorre em cerca de 25% das gestações das mulheres vivendo com o HIV; porém, caso haja realização das medidas de prevenção, esse número reduz para 1-2%. As medidas para minimizar a transmissão vertical são: diagnóstico precoce (durante o pré-natal), utilização de TARV na gestação, cuidados específicos durante o parto, AZT endovenoso no parto, manejo do recém-nascido exposto e fornecimento de fórmula infantil5. A taxa de transmissão encontrada na presente pesquisa corrobora os dados da literatura, com resultado de 2% de transmissão vertical do HIV.

Entre os estudados, somente 0,3% foi amamentado pela mãe; isso, porque essas mulheres desconheciam seu diagnóstico para o HIV. No Brasil, o aleitamento materno é contraindicado para os bebês das mães que vivem com HIV; assim, o governo federal garantiu o fornecimento de fórmula infantil pelas Portarias GM/MS nº 2.104 e nº 1071/GM6. O estado de Santa Catarina garante o fornecimento de fórmula infantil para os bebês das mães que vivem com HIV até 1 ano de idade, medida essencial para a prevenção da transmissão vertical do HIV7.

No presente estudo, observou-se maioria de pacientes com cor branca; porém, segundo a pesquisa nacional por amostra de domicílio (PNAD) de 2021, 45,0% dos brasileiros consideram-se brancos, 44,8% pardos e 9,0% pretos8. Uma hipótese que explica a discordância do achado da pesquisa com o resultado do PNAD seria que não foi uma autodeclaração, mas uma informação preenchida no cadastro do paciente por terceiros que pode não traduzir uma informação verídica.

A transmissão vertical pode ocorrer na gestação, no parto ou na amamentação3,9,10. Na presente pesquisa, o diagnóstico do HIV anterior à gestação foi de 64,0%, sendo que, quando este foi realizado na gestação, 56,0% tiveram o diagnóstico no primeiro trimestre. Os dados encontrados são promissores, visto que a transmissão vertical aumenta com o atraso no diagnóstico materno, devido à redução do tempo de uso da profilaxia antirretroviral. Já o diagnóstico no momento do parto aumenta consideravelmente a possibilidade da transmissão, pois a carga viral é elevada na infecção recente e no leite materno11. É fundamental o uso de preservativo com todas as parcerias sexuais, independentemente do estado sorológico, inclusive durante o período do puerpério e amamentação, como forma de prevenir a transmissão vertical do HIV e de outras IST12, tornando-se uma importante ação de saúde pública com impactos sobre a transmissão vertical do HIV e outas IST.

O Ministério da Saúde do Brasil preconiza que o tratamento da gestante vivendo com HIV deve incluir a combinações de três medicamentos antirretrovirais13. No entanto, na presente pesquisa, encontraram-se 17 (2,5%) gestantes com uso de apenas um antirretroviral, sendo pertinente o questionamento se desconhecia o nome de todas as medicações usadas, ou se, pela presença de efeitos colaterais importantes, houve descontinuidade do esquema terapêutico proposto. Contudo, não foi possível realizar tal diferenciação, visto o caráter retrospectivo do estudo.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) preconiza um mínimo de oito consultas no pré-natal, verificando-se aumento do número de óbitos maternos quando se realiza apenas quatro consultas14. O Ministério da Saúde do Brasil recomenda no mínimo seis encontros13. Nesta pesquisa, 21,9% das gestantes não efetuaram o mínimo de 6 consultas pré-natais, postergando o diagnóstico precoce e o tratamento oportuno em caso de HIV ou outra IST. Aventam-se algumas explicações para a não realização do pré-natal adequado, pois algumas mulheres estavam em situação de rua (estima-se que havia, aproximadamente, 1.000 pessoas nessa condição na cidade de Florianópolis em 2017)1-5, atraso no diagnóstico da gravidez e ausência de políticas públicas de incentivo para a adesão às consultas.

As gestantes constituem uma população de interesse para monitoramento sorológico devido aos riscos de transmissão vertical. No Brasil, entre 2014 e 2017, estima-se uma prevalência de 3,12% de IST e 2,46% para sífilis na gestação11. Neste estudo, 10,0% das gestantes e 4,4% dos recém-nascidos apresentaram sífilis congênita, sendo uma possível explicação para a divergência nos valores, o aumento de diagnósticos pela expansão dos testes rápidos em todas as unidades de saúde no estado de Santa Catarina16. Outra possível justificativa é a taxa de detecção superior em Santa Catarina comparada aos outros estados, segundo o Boletim Epidemiológico de Sífilis de 2021. Evitar a infecção congênita pela sífilis é essencial, pois é grave, podendo levar a óbito fetal, agravos à saúde da criança e aumentar o risco de transmissão vertical do HIV17.

O risco de transmissão vertical do HIV aumenta com menos de seis consultas de pré-natal, ausência de profilaxia adequada pela gestante e quando a primeira consulta especializada é realizada após os dois meses de idade18. Em relação aos recém-nascidos com resultado confirmado para o HIV, verificou-se que 35,8% das gestantes realizaram mais que seis consultas no pré-natal, 42,8% usaram TARV, 21,4% aderiram à terapia antirretroviral e somente 35,7% dos recém-nascidos iniciaram a consulta especializada antes dos 2 meses de idade. Tais dados sugerem que ainda há necessidade de maior intervenção e estratégias para diminuir a taxa da transmissão vertical do HIV.

A transmissão vertical do HIV é multifatorial, e, desde a sua identificação, foram desenvolvidas medidas profiláticas para minimizá-la. Os resultados apontam que ainda são necessários muitos investimentos, pois o atraso no diagnóstico do HIV dificulta a oportunidade da prevenção. Torna-se importante fortalecer o apoio às mães que vivem com HIV, sendo fundamental a prevenção da infecção pelo HIV nas mulheres em idade fértil, gestantes e puérperas soronegativas.

Salientam-se as limitações inerentes ao delineamento retrospectivo da pesquisa. Os autores sugerem pesquisas com caráter prospectivo para evidenciar melhor a realidade.

Na presente pesquisa, concluía-se que a taxa de infecção vertical do HIV corrobora os dados da literatura. Não se encontrou diferença significativa entre o sexo dos recém-nascidos, e a grande maioria das mães realizaram o pré-natal com o número de consultas preconizado pelo MS. Houve um predomínio de diagnósticos do HIV materno anterior à gestação. Entre as coinfecções, a mais frequente foi sífilis. Dos lactentes com infecção confirmada pelo HIV, menos da metade das gestantes usou TARV ou teve adesão à terapia; pouco mais de um terço realizou mais de 6 consultas de pré-natal e os lactentes com diagnóstico confirmado de HIV iniciaram consulta especializada antes dos 6 meses de idade. É imprescindível ofertar medidas preventivas para as mulheres soronegativas para o HIV e informação para as mulheres e gestantes que vivem com HIV referente à adesão ao tratamento como forma de minimizar os riscos de uma infecção futura e suas consequências.


REFERÊNCIAS

1. United Nations Programme on HIV/AIDS (UNAIDS). Homepage [Internet]. Unaids.org; 2016; [access in 2021 May 9]. Available from: https://www.unaids.org/en

2. Silva IS, Martin L, Lemes MA, Sommer P. Terapêuticas que reduzem a transmissão vertical do HIV. Rev Soc Bras Clin Med [Internet]. 2020 Jun 30; [citado 2021 Jun 6]; 18(2):120-4. Disponível em: https://www.sbcm.org.br/ojs3/index.php/rsbcm/article/view/751.

3. Ministério da Saúde (BR). Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Boletim Epidemiológico HIV/Aids 2020. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020; [acesso em 2021 Nov 9]. Disponível em: http://antigo.aids.gov.br/pt-br/pub/2020/boletim-epidemiologico-hivaids-2020.

4. Redmond AM, McNamara JF. The road to eliminate mother-to-child HIV transmission. J Pediatr (Rio J). 2015 Nov;91(6):509-11.

5. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Boletim Epidemiológico HIV/Aids 2020. [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020 Dez; [acesso em 2021 Nov 9]. Disponível em: http://antigo.aids.gov.br/pt-br/pub/2020/boletim-epidemiologico-hivaids-2020.

6. Ministério da Saúde (BR). Biblioteca Virtual em Saúde MS [Internet]. 2002 Nov 19; [acesso em 2021 Abr 13]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2002/prt2104_19_11_2002.html.

7. Prefeitura de Florianópolis (SC). Secretaria Municipal de Saúde. Saúde da criança. [s.d.]; [acesso em 2021 Nov 9]. Disponível em: https://www.pmf.sc.gov.br/entidades/saude/index.php?cms=saude+da+crianca&amp.

8. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Indicadores IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - Primeiro Trimestre de 2021. Rio de Janeiro: IBGE; 2021 Jan-Mar; [acesso em 2021 Nov 9]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/2421/pnact_2021_1tri.pdf.

9. Ministério da Saúde (BR). Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Homepage; [s.d]; [acesso em 2021 Nov 9]. Disponível em: https://www.gov.br/aids/pt-br.

10. Quinn TC. Global epidemiology of HIV infection. UpToDate [Internet]. 2024; [cited 2022 May 2]. Available from: https://www.uptodate.com/contents/global-epidemiology-of-hiv-infection?search=global%20epidemiology%20hiv&source=search_result&selectedTitle=1~150
&usage_type=default&display_rank=1


11. Freire JO, Schuch JB, Miranda MF, Roglio VS, Tanajura H, Victa AGLB, et al. Prevalence of HIV, Syphilis, Hepatitis B and C in pregnant women at a maternity hospital in Salvador. Rev Bras Saúde Mater Infant [Internet]. 2021 Oct 25; [cited 2022 Feb 1]; 21(3):945-53. Available from: https://www.scielo.br/j/rbsmi/a/JBCfVv484DZgnkm66trdhTF/?lang=en#.

12. Governo do Estado de Goiás (GO). Secretaria de Estado da Saúde. Pré-Natal. [s.d.]; [acesso em 2022 Mai 2]. Disponível em: https://www.saude.go.gov.br/biblioteca/7637-pr.

13. Ministério da Saúde (BR). Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. PCDT atualizado da Transmissão Vertical para HIV, sífilis e hepatites virais está disponível. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2022; [acesso em 2022 Jul 10]. Disponível em: http://antigo.aids.gov.br/pt-br/noticias/pcdt-atualizado-da-transmissao-vertical-para-hiv-sifilis-e-hepatites-virais-esta-disponivel.

14. Maternal and Child Survival Programa (MCSP). Departamento de Saúde Materna, Neonatal, Infantil e do Adolescente da OMS. Departamento de Saúde e Pesquisa Reprodutiva da OMS. Departamento de Nutrição para Saúde e Desenvolvimento da OMS. Recomendações da OMS sobre atendimento pré-natal para uma experiência gestacional positiva 1 Recomendações da OMS sobre atendimento pré-natal para uma experiência gestacional positiva: Resumo. 2018 Jan; [citado 2022 Mai 2]. Disponível em: https://www.mcsprogram.org/wp-content/uploads/2018/07/ANCOverviewBrieferA4PG.pdf.

15. Prefeitura de Florianópolis (SC). Floripa Social. Projeto de atendimento integrado às pessoas em situação de rua [Internet]. [s.d.]; [acesso 2022 Mai 2]. Disponível em: https://www.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/Projeto_Floripa_Social_Pessoas_em_Situacao_de_Rua.pdf.

16. Governo do Estado de Santa Catarina (SC). Secretaria de Estado da Saúde. Saúde divulga boletim sobre sífilis em Santa Catarina. 2018; [acesso em 2022 Jan 26]. Disponível em: https://www.saude.sc.gov.br/index.php/noticias-geral/todas-as-noticias/1629-noticias-2018/10458-saude-divulga-boletim-sobre-sifilis-em-santa-catarina.

17. Ministério da Saúde (BR). Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis (DCCI). Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). Boletim Epidemiológico de Sífilis 2021. Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2021; [acesso em 2022 Jan 28]; 5(1). Disponível em: http://antigo.aids.gov.br/pt-br/pub/2021/boletim-epidemiologico-de-sifilis-2021.

18. Siqueira PGBS, Miranda GMD, Souza WV, Silva GAP, Mendes ACG.Hierarchical analysis of determinants of HIV vertical transmission: a case-control study. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2020 Dec;20(4):985-95.










1. Hospital Infantil Joana de Gusmão, Residente Pediatria - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil
2. Universidade Federal de Santa Catarina, Professor Departamento Pediatria - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil
3. Hospital Infantil Joana de Gusmão, Médica Infectologista Pediátrica - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil
4. Hospital Infantil Joana de Gusmão, Médico Infectologista Pediátrico - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil
5. Universidade Federal de Santa Catarina, Professora Departamento Pediatria - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil

Endereço para correspondência:
Emanuela da Rocha Carvalho
Hospital Infantil Joana de Gusmão, Médica Infectologista Pediátrica - Florianópolis - Santa Catarina – Brasil; Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento Pediatria - Florianópolis - Santa Catarina - Brasil
R. Rui Barbosa, 152 - Agronômica
Florianópolis - SC, 88025-301

R. Eng. Agronômico Andrei Cristian Ferreira, s/n - Trindade
Florianópolis, SC, Brasil. CEP: 88040-900
E-mail: emanuela.carvalho@ufsc.br

Data de Submissão: 27/02/2023
Data de Aprovação: 16/04/2024