ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2024 - Volume 14 - Número 4

Descrição dos primeiros recém-nascidos monitorizados por meio de eletroencefalograma de amplitude integrada em uma maternidade privada do Nordeste do Brasil

Description of the first newborns monitored using amplitude-integrated electroencephalogram in a private maternity hospital in Northeast Brazil

RESUMO

A monitorização cerebral contínua por meio da eletroencefalografia de amplitude integrada (aEEG) permite a detecção de crises convulsivas subclínicas e seu tratamento precoce, promovendo a neuroproteção e a prevenção de lesões neurológicas permanentes. O objetivo deste trabalho foi analisar o perfil dos recém-nascidos (RN) monitorados à distância com o uso da aEEG com a finalidade de detectar crises convulsivas, em uma maternidade privada da região Nordeste do Brasil.
METODOLOGIA: Trata-se de um estudo clínico observacional, descritivo e transversal. Utilizou-se amostra de conveniência, que incluiu todos os RN sequenciais submetidos à neuromonitorização de fevereiro de 2021 a junho de 2022. Por meio de formulário confeccionado pelos pesquisadores, os dados maternos e clínicos dos RN foram coletados e posteriormente submetidos à análise estatística descritiva por meio do software R Core Team 2022 (Versão 4.2.2). O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética CAAE 55437521.8.0000.5371.
RESULTADOS: Um total de 16 RNs foram incluídos. As indicações mais comuns de monitoramento com aEEG foram a suspeita de crise convulsiva sem tratamento (37,5%) e RNs tratados por crise convulsiva (18,75%). Na evolução, 5 RNs (31,25%) puderam ter o anticonvulsivante suspenso precocemente após monitoramento com aEEG; 5 RNs (31,5%) com suspeita de crise clínica tiveram a hipótese descartada e não iniciaram o uso de anticonvulsivante, e em 18,8% (n=3) dos pacientes observou-se a presença de crises subclínicas ao exame, sendo iniciado o tratamento.
CONCLUSÃO: O aEEG permitiu à equipe médica suspender ou evitar o uso desnecessário de anticonvulsivantes na grande maioria (81,2%) dos RNs investigados e permitiu ainda manter ou iniciar com segurança anticonvulsivantes no restante dos casos (18,8%).

Palavras-chave: Eletroencefalografia, Recém-nascido, Convulsões.

ABSTRACT

Continuous brain monitoring using amplitude-integrated electroencephalography (aEEG) enables the detection of subclinical seizures and their early treatment, promoting neuroprotection and preventing permanent neurological injuries. The objective of this study was to analyze the profile of newborns (NB) monitored remotely by a team using this methodology in a private maternity hospital in the northeastern region of Brazil.
METHODOLOGY: This was an observational, descriptive, and cross-sectional clinical study. A convenience sample was used, including all sequential newborns submitted to neuromonitoring from February 2021 to June 2022. Maternal and clinical data of the NB were collected through a form designed by the researchers and subsequently subjected to descriptive statistical analysis using R Core Team 2022 software (Version 4.2.2). The study was submitted and approved by the Ethics Committee under CAAE 55437521.8.0000.5371.
RESULTS: A total of 16 NB were included. The most common indications for aEEG monitoring were suspected seizures (37.5%) and the presence of witnessed clinical seizures (18.75%). During the study, 5 NB (31.25%) could have their anticonvulsant medication discontinued early after aEEG monitoring; 5 NB (31.5%) with suspected clinical seizures had the hypothesis ruled out and did not start anticonvulsant therapy, and in 18.8% (n=3) of patients, subclinical seizures were observed in the examination, leading to the initiation of treatment.
CONCLUSION: aEEG allowed the medical team to suspend or avoid the unnecessary use of anticonvulsants in 81.2% of the investigated NB and safely maintain or initiate anticonvulsant therapy in 18.8% of cases.

Keywords: Electroencephalography, Infant, Seizures.


INTRODUÇÃO

O período neonatal é o de maior propensão a crises convulsivas durante toda a vida1. A incidência de crises convulsivas no período neonatal varia de 1 a 3,5 para cada 1.000 nascidos vivos2.

As etiologias mais comuns para as crises convulsivas nessa fase são: encefalopatia hipóxico-isquêmica, acidente vascular cerebral isquêmico, hemorragia intracraniana, malformação cerebral, erros inatos do metabolismo, infecções e outras de menor incidência3. Importante destacar que 80% das crises epilépticas são completamente subclínicas dentro de uma unidade de terapia intensiva neonatal4,5. Outra dificuldade enfrentada é a grande variedade de movimentos não epilépticos paroxísticos nessa faixa etária, difíceis de diferenciar de crises clínicas, podendo levar a tratamentos desnecessários6,7. Com o avanço da tecnologia, uma simplificação da eletroencefalografia contínua convencional (EEG) feita por meio de uma quantidade menor de canais foi desenvolvida visando simplificar a neuromonitorização cerebral, sendo denominada eletroencefalografia de amplitude integrada (aEEG). Trata-se de uma modalidade também não invasiva, realizada à beira do leito e em tempo real e que possui uma boa correlação com o EEG8-11.

A aEEG geralmente é registrada a partir de um ou dois canais oriundos de derivações parietais, centrais ou frontais e é muito útil para identificar crises convulsivas em RN. Os monitores atuais exibem, além do traçado comprimido, também o EEG convencional correspondente (aEEG / EEG), o que aumenta a probabilidade de detecção de crises breves e únicas. Associa-se ainda à monitorização por vídeo, permitindo ao profissional que emite o laudo a distância correlacionar o traçado com a clínica do paciente, reduzindo erros na interpretação e permitindo troca de informações entre as equipes12-14.

Recém-nascidos de alto risco de crises convulsivas ou dano cerebral permanente necessitam de monitorização contínua para detecção de crises convulsivas e prognóstico de lesões neurológicas em RN que sofreram hipóxia neonatal. As principais vantagens do aEEG sobre o EEG são: menor número de eletrodos no couro cabeludo, que podem ser aplicados pela equipe neonatal e mantidos por longos períodos para monitoramento contínuo; a visualização em tela é mais fácil de interpretar, até por equipe neonatal à beira do leito devidamente treinada, e menos tempo é necessário para revisar o traçado devido à natureza de tempo comprimido do aEEG. Devido às vantagens, o aEEG está ganhando popularidade em unidades de terapia intensiva neonatal (UTIN) em todo o mundo e é usado pela equipe neonatal para auxiliar no manejo do paciente14.

Nosso objetivo foi analisar o perfil epidemiológico e o desfecho clínico dos primeiros RNs monitorizados por meio do aEEG em uma maternidade privada na região Nordeste. Foi testado o uso do monitoramento à distância com o uso pioneiro do equipamento na região Nordeste, onde se procurou entender a viabilidade e reais benefícios da tecnologia para os RNs monitorizados.


METODOLOGIA

Trata-se de um estudo clínico observacional, analítico-descritivo e transversal. Utilizou-se amostra de conveniência, do tipo não probabilística, que incluiu todos os RNs sequenciais que foram submetidos à neuromonitorização no período de fevereiro de 2021 a junho de 2022. A tecnologia de neuromonitorização utilizada foi eletroencefalografia de amplitude integrada associada à leitura de EEG bruto (aEEG/EEG) com uso de 3 canais (C3-P3; C4-P4; P3-P4). Foram excluídos os RNs em que não foi possível concluir pelo menos 12 horas de monitorização e aqueles em que não foi possível completar a planilha de coleta de dados. Por meio de formulário confeccionado pelos pesquisadores, os dados referentes às comorbidades e complicações maternas, dados epidemiológicos do RN, condições de nascimento, evolução clínica, tratamentos realizados e desfecho foram coletados e tabulados em planilha Microsoft Excel®. A análise estatística descritiva foi realizada por meio do software R Core Team 2022 (versão 4.2.2). Para as variáveis quantitativas foram apresentadas medidas de tendência central (média e mediana), medidas de dispersão (desvio-padrão - DP) e medidas de posição (intervalo interquartil – IIQ); para as variáveis categóricas, frequências relativas e absolutas.

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética sob o número CAAE 55437521.8.0000.5371.


RESULTADOS

Foram incluídos 16 pacientes que receberam a neuromonitorização durante o período.

A idade média das gestantes foi de 31,7 (± 5,4 anos), sendo que a maioria (75%) realizou ao menos 6 consultas de pré-natal. A maioria das genitoras não apresentavam nenhuma comorbidade antes da gestação (87,7% n=14). Os únicos diagnósticos prévios foram (n=2): prolapso uterino (com uso de pessário) e diabetes mellitus tipo 2. Cerca de 56,6% das gestantes apresentaram complicações (n=9), sendo que dessas 33,3% apresentaram doença hipertensiva específica da gravidez (n=3), seguido de outras pacientes com alterações sobrepostas ou não, como alteração na quantidade do líquido amniótico, quer seja polidrâminio ou oligodrâmnio (n=2), óbito fetal ou neonatal anterior (n=2), infecção do trato urinário (n=2), descolamento prematuro da placenta (n=2) e ainda rotura prematura de membranas (n=1), diabetes mellitus gestacional (n=1) e malformação fetal (n=1). A maioria dos partos foram do tipo cesariano (81,3% / n=13).

Sobre os dados demográficos referentes aos RNs, a média de peso destes foi 2.343,1g e a mediana 2.915g; já a média de idade gestacional foi de 34,1 semanas e a mediana de 37 semanas. Na sua grande maioria (81,3%), os RNs foram classificados como adequados para a idade gestacional (AIG), sendo ainda 12,5% PIG e 6,3% GIG.

Dentre os RNs da amostra, 62,5% (n=10) apresentaram alguma intercorrência no período periparto. A apresentação não cefálica ocorreu em 4 (25%) dos RNs e 18,8% deles eram provenientes de parto prematuro (n=3) e 12,5% apresentando líquido amniótico meconeal (n=2). Outras complicações com apenas um paciente cada foram: bradicardia fetal, uso de fórceps ou extração a vácuo e rotura de membranas >18 horas.

A maioria dos RNs (87,7%) necessitou de algum tipo de manobra de reanimação na sala de parto (n=14). A mais utilizada (62,5%) foi o uso de ventilação por pressão positiva com a bolsa valva máscara (n=10). Outras manobras também utilizadas foram, em ordem de frequência: aspiração de vias aéreas superiores (50%; n=8), intubação orotraqueal (43,4%; n=7), massagem cardíaca (18,8%; n=3), uso de adrenalina (12,5%; n=2) e, em apenas um, feita expansão com SF 0,9%. A grande maioria dos RN (93,8%) apresentaram um escore de Apgar ≥6 no quinto minuto (n=15).

O diagnóstico de internação na UTIN foi principalmente (26,30%) por episódios de cianose a esclarecer (n=5), em que o diagnóstico diferencial com crises convulsivas se fazia necessário ou já era altamente suspeito (com uso de anticonvulsivante com tratamento clínico em um deles). Em segundo lugar (21%), suspeita de asfixia neonatal (n=4). Além disso, outros diagnósticos mais comuns sobrepostos ou não como causas de internamento foram: prematuridade extrema (21%; n=4) e diagnósticos isolados em apenas um paciente cada: sepse neonatal, extremo baixo peso, hidrocefalia congênita e convulsões.

Durante o período de internação, 14 pacientes (87,5%) apresentaram alguma complicação, sendo a mais comum sepse (56,6%) em 9 pacientes. Além disso, 2 pacientes (12,5%) apresentaram hemorragia pulmonar e 2 pacientes (12,5%) apresentaram convulsão clínica. Outras complicações menos comuns descritas em apenas um paciente cada: distúrbio de coagulação, insuficiência renal, infecção de trato urinário, hipertensão pulmonar e um paciente apresentou disfunção leve do ventrículo esquerdo.

A gasometria coletada na primeira hora de vida em 9 pacientes (56,3%) apresentou uma média no pH de 7,2 (± 0,1) e mediana 7,1. Com relação ao base excess, realizado em 8 pacientes na primeira hora de vida (50%), a média foi -9,2 (± 6,6) e a mediana -7,5.

As indicações para a neuromonitorização são apresentadas na Tabela 1 a seguir, sendo que a maioria (56,2%) foi indicada por crises convulsivas suspeitas ou já em tratamento (n= 9).





A maioria dos pacientes (62,5%) estava em uso de medicamentos sedativos no momento da neuromonitorização (n= 10). Dexmedetomidina foi o mais comumente usado (56,6%, n=9), seguindo de midazolan (12,5%, n=2) e fentanil em um paciente. Medicamentos vasoativos estavam em uso por 9 (56,3%) pacientes, sendo 8 (50%) em uso de dobutamina, 6 (37,5%) em uso de adrenalina e 3 (18,8%) em uso de dopamina.

Ao todo, 13 RNs (81,3%) utilizaram a neuromonitorização durante o período de 24h. Apenas 1 RN durante 12h, 1 RN durante 48h e 1 RN durante 72h, sendo que 13 RNs (81,3%) utilizaram o tempo preconizado no protocolo, de acordo com a indicação. Somente 2 (12,5%) pacientes realizaram 24h a menos do que o sugerido e 1 paciente realizou 36h a menos. 3 RNs (18,8%) apresentaram crises epilépticas tratadas e controladas durante o período de monitoramento.

Dentre os pacientes, 13 (81,2%) realizaram o pagamento do exame de forma particular e 3 (18,8%) através de convênio. Os resultados dos laudos da monitorização estão apresentados na Tabela 2.





Quanto ao desfecho da internação, a alta da UTI/Hospital foi o mais prevalente (75%; n= 12). Outros desfechos foram óbito (18,75%; n=3) e alta da UTI/Transferência (6,25%; n=1).

Em relação ao uso de anticonvulsivantes (ACV), a tabela a seguir mostra isoladamente os laudos e a conduta adotada após a realização do aEEG. (Tabela 3).





DISCUSSÃO

O estudo mostrou que o exame aEEG foi importante para dar a segurança necessária à equipe médica de suspender os anticonvulsivantes iniciados anteriormente diante de uma suspeita clínica prévia não fundamentada, na maioria dos casos. Além desse grande benefício, permitiu ainda iniciar ou manter a medicação diante da confirmação de crises convulsivas suspeitas.

A amostra de gestantes se caracterizou por uma média de idade acima de 30 anos, confirmando uma tendência nacional, sendo que a idade gestacional isoladamente não comprovou ser um fator de risco para hipóxia neonatal. É bem demonstrado que doenças como pré-eclâmpsia e eclâmpsia podem aumentar em até 10 vezes o risco de asfixia neonatal. Por se tratar de maternidade privada, a maioria das gestantes seguiu a rotina de consultas pré-natais e não apresentava comorbidades. A predominância de partos cesarianos reflete uma tendência da própria maternidade onde o estudo foi realizado, por ser particular e com elevada taxa de partos cesarianos eletivos. Inclusive a maioria dos RN foi classificada como a termos, adequados para idade gestacional e com peso adequado ao nascer. É importante perceber que a hipóxia neonatal pode ocorrer mesmo nessa população de gestantes sem grandes fatores de risco, o que reforça a necessidade de manter uma equipe capacitada nas maternidades e casas de parto, pois não se pode desconsiderar as complicações do período periparto, que podem afetar negativamente o desfecho no RN, exigindo um cuidado igualmente cauteloso 15,16.

Os eventos estressores que culminaram em hipóxia aconteceram no intraparto ou no pós-parto imediato, em que a maioria dos RNs monitorizados necessitou previamente reanimação em sala de parto e continuidade dos cuidados em ambiente de UTIN, reforçando a imprevisibilidade da situação. Esse perfil reforça a importância de uma avaliação adequada de todo RN ao nascimento, prestando assistência imediata e avaliando clinicamente a evolução neurológica (uso da escala de Sarnat), bem como coletando precocemente gasometria nos casos que necessitaram reanimação para a indicação adequada da monitorização cerebral. Dentre os sinais neurológicos clínicos que alertam os médicos quanto à possibilidade de dano cerebral, as convulsões são o sinal neurológico mais frequentemente observados na UTIN.

Nesse quesito, o pediatra e neonatologista enfrenta um grande desafio, detectar as crises convulsivas por meio de exame clínico tão somente. A grande dificuldade aqui é diferenciar os movimentos benignos, tremores que podem afetar tanto os recém-nascidos sem doenças quanto aqueles com problemas neurológicos. Por exemplo, a mioclonia do sono benigna, que pode ocorrer desde o nascimento até as 6 semanas de idade. Portanto, as manifestações paroxísticas não epilépticas podem, sim, ocorrer no RN, sendo importante identificá-las através de fundamentos clínicos e, eventualmente, auxílio do aEEG, visto que recém-nascidos com crises convulsivas não bem conduzidas cursam com aumento de 10% na mortalidade e de até 50% na morbidade neurológica17-20. Com relação ao seu diagnóstico, reforçando, é necessária a confirmação com eletroencefalografia através de monitoramento contínuo, sendo o único meio de detectar convulsões neonatais principalmente em recém-nascidos prematuros, por possuírem um espectro de movimentos descoordenados, e uma semiologia sutil, de forma que, na maioria dos casos, as convulsões em recém-nascidos são apenas eletrográficas ou subclínicas.

Por isso, a triagem para crises convulsivas por meio de exames já é uma realidade e recomendação da American Clinical Neurophysiology Society for Neonates21. Portanto, o diagnóstico clínico de convulsão neonatal pode ser extremamente falho, necessitando de uma forma de monitorização que consiga identificar crises convulsivas subclínicas, como o aEEG, por possuir monitorização contínua, ser prontamente disponível, menos invasivo, fácil de configurar e permitir gravações prolongadas22. O aEEG possui uma sensibilidade de 85% e 90% de especificidade quando interpretado por pessoas experientes, como é o caso do presente estudo, através de uma equipe de neurologistas de prontidão, treinados para o método23. Existem diversas doenças no período neonatal associadas a alto risco de desenvolvimento de sequelas e que devem ser indicações da neuromonitorização com aEEG contínuo. Como exemplo, a asfixia perinatal, que representa a terceira causa mais comum de morte neonatal após o nascimento prematuro. As infecções graves, a encefalopatia grave ou moderada e a prematuridade, que tem alto risco de sobrevivência acompanhada de déficits neurológicos24-28. Por todas essas informações, evidencia-se que o aEEG é uma ferramenta de triagem adequada para detectar recém-nascidos que precisam de eletroencefalografia convencional na UTIN, principalmente se as duas técnicas forem associadas. Com um uso apropriado do aEEG, é possível evitar e identificar previamente as convulsões neonatais que estão associadas a resultados cognitivos e neuromotores adversos a longo prazo. Levando em consideração a gravidade da lesão hipóxico-isquêmica, a piora do resultado do neurodesenvolvimento com o aumento da gravidade das convulsões pode prejudicar o cérebro humano em desenvolvimento, principalmente em RNs prematuros29-31.

Se por um lado deixar de tratar adequadamente essas crises convulsivas pode levar a sequelas e danos neurológicos a longo prazo, por outro lado, e não menos importante, tratar desnecessariamente os movimentos benignos do RN com anticonvulsivantes pode levar a danos causados pelo uso do medicamento, pois a grande maioria leva a danos neurológicos, renais, hepáticos e às células da medula, sendo que para o serviço público onde exames como eletroencefalografia e neurologistas são de difícil acesso, geram uso prolongado dessas medicações por longos períodos geralmente acima de dois anos. Os anticonvulsivantes levam a danos, como observado em um estudo prévio. A carbamazepina foi o medicamento mais prescrito entre os antiepilépticos para as crianças e seus efeitos colaterais são: retenção de água, sedação, reações de hipersensibilidade, ataxia, leucopenia, visão turva e, a mais rara, falência hepática. O valproato também oferece riscos em função dos seus efeitos indesejáveis de ganho de peso, náuseas, perda de cabelo e más formações fetais. Ambos os medicamentos, como também a fenitoína, oferecem riscos para a má formação do cérebro, podendo causar degeneração cerebral. Por essa razão, o uso desses deve ter uma indicação bem precisa a fim de evitar efeitos colaterais indesejados, principalmente se o seu uso for mal indicado32-34. Já o fenobarbital, que é a droga mais usada no período neonatal, leva a rebaixamento do sistema nervoso central e respiratório, apoptose de células cerebrais, colestase e aumenta o risco de doenças neurológicas a longo prazo35. Por essa razão, o uso desses deve ter uma indicação bem precisa, a fim de evitar efeitos colaterais indesejados, principalmente se o seu uso for mal indicado e se houve um grande benefício na retirada precoce desses fármacos.

O presente estudo mostrou que o médico pôde ter sua conduta direcionada pela neuromonitorização, sendo que, na maioria dos casos, a medicação antiepiléptica foi suspensa ou não iniciada, evitando efeitos colaterais que essas drogas podem causar.

Estudos recentes mostram que aEEG antes da alta permite a retirada precoce dos anticonvulsivantes de forma a reduzir os efeitos colaterais a longo prazo nos lactentes36.

A iniciativa em estudo permitiu a monitorização por meio de uma equipe à distância, de forma a permitir que uma maternidade no Nordeste pudesse usufruir da tecnologia atual37.

Citamos algumas limitações do estudo, por ter sido realizado em uma única unidade de saúde e com um número ainda pequeno de pacientes. Como ainda está em fase de contratualização com os convênios, depende na grande maioria dos casos de custeio particular, dificultando a realização em todos os casos indicados. Apesar das dificuldades, mostra o potencial da tecnologia em auxiliar o médico na tomada de decisão dentro da UTIN em benefício do cuidado do RN.


CONCLUSÃO

A realização do eletroencefalografia de amplitude integrada permitiu à equipe médica tomar decisões importantes em todos os pacientes avaliados, ora permitindo suspender ou evitar o uso desnecessário de anticonvulsivantes (81,2% dos casos) ou permitindo ainda manter ou iniciar com segurança anticonvulsivantes no restante da amostra (18,8% dos casos).


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1. Universidade Federal do Rio Grande, Faculdade de Medicina - Rio Grande - Rio Grande do Sul - Brasil
2. Hospital Pequeno Príncipe, Residência Pediatria - Curitiba - Paraná - Brasil
3. Universidade Federal do Rio Grande, Departamento de Pediatria

Endereço para correspondência:
Lucas Rocha Barreto de Almeida
Universidade Tiradentes, Curso de Medicina - Aracaju - Sergipe - Brasil
Av. Murilo Dantas, 300 - Farolândia
Aracaju - SE, 49032-490
E-mail: lucassrochab@gmail.com; lucas.rbarreto@souunit.com.br

Data de Submissão: 24/07/2023
Data de Aprovação: 29/09/2023