Relato de Caso
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Ano 2024 -
Volume 14 -
Número
4
Lactente com Angina de Ludwig complicada: um relato de caso
Ludwig's Angina in infant: a case report
Mariana Digiovanni Pechebea; Angelica Maria Moro Ozosco; Ana Paula Cauduro Couto; Carolina Oliveira de Paulo; Diana Lorena Garavito Ramirez; Luiza Valentim Centenaro; Wendell Paiva Vita
RESUMO
A angina de Ludwig é uma infecção grave e rapidamente progressiva que se origina no espaço submandibular, sublingual ou submental, podendo ocorrer uni ou bilateralmente. É mais comum em indivíduos do sexo masculino, por volta da quarta década de vida. Qualquer infecção ou lesão local pode predispor a essa doença. O diagnóstico é clínico e deve ser aventado em todo paciente com história de febre associada à tumoração endurecida e dolorosa em região cervical. A taxa de mortalidade pode chegar a 50%, caso o diagnóstico seja feito tardiamente. O tratamento é baseado no reconhecimento precoce, antibioticoterapia endovenosa e garantia de vias aéreas pérvias. Este relato traz o caso de um lactente com angina de Ludwig complicada.
Palavras-chave:
Lactente, Angina de Ludwig, Mediastinite, Pericardite, Derrame pleural.
ABSTRACT
Ludwigs angina is a severe and rapidly progressive infection that involves sublingual, submental or submandibular space, and can occur unilaterally or bilaterally. Its more frequent in male sex and in the fourth decade of life. Any recent infection or injury to the area may predispose this disease. The diagnosis is clinical and should be considered in any patient with a history of fever associated, stiff neck, induration and local edema. The mortality rate can exceeded 50% if the diagnosis is late. Treatment is based on early recognition, intravenous antibiotic therapy and ensuring a patent airway. This report presents the case of an infant with complicated Ludwigs angina.
Keywords:
Infant, Ludwig's angina, Mediastinitis, Pericarditis, Pleural effusion.
INTRODUÇÃO
A angina de Ludwig é uma infecção grave que acomete a glândula sublingual, submental ou submandibular causada tanto por germes aeróbios quanto anaeróbios. O quadro é rapidamente progressivo e pode levar à insuficiência respiratória aguda grave por mecanismo obstrutivo, sendo essa a principal causa de óbito, portanto o diagnóstico precoce é essencial1. Este relato apresenta um caso de angina de Ludwig com evolução para mediastinite, pericardite e derrame pleural em um lactente.
RELATO DE CASO
Lactente do sexo masculino, 1 ano e 4 meses de idade, previamente hígido, foi admitido em hospital terciário devido à queixa principal de abaulamento na região submandibular esquerda, com calor, dor e hiperemia. A mãe referiu que essa lesão já estava presente há uma semana. Após quatro dias, observou piora progressiva do volume e da dor e aparecimento de febre alta (40 ºC). Há 1 dia, o paciente iniciou quadro de desconforto respiratório e evoluiu para insuficiência respiratória aguda grave com necessidade de suporte ventilatório avançado. Admitido na unidade de terapia intensiva com sinais de toxemia. Exames de imagem demonstraram coleção submandibular à esquerda, mediastinite e coleções mediastinais em suas porções superiores e anterior e em situação para-cardíaca, pericardite e derrame pericárdico pequeno, desvio de traqueia para a direita e derrame pleural extenso.
Avaliado pela odontologista, apresentava dentição decídua particularmente erupcionada em molar inferior à esquerda, porém sem relação de causa e efeito a celulite submandibular. O diagnóstico foi de angina de Ludwig com disseminação mediastinal por contiguidade. Realizada cervicotomia anterior e drenagem de abscesso faríngeo esquerdo, sendo mantidos com dreno de penrose após. Também foi submetida à toracotomia para drenagem de abscesso mediastinal e de pleura, sendo mantidos com dreno em aspiração contínua a vácuo. Tanto a hemocultura quanto a cultura da secreção coletadas apresentaram positividade para Staphylococcus aureus sensível à meticilina (MSSA). O paciente recebeu antibioticoterapia endovenosa (oxacilina contínua) e apresentou boa evolução clínica após quatro dias de tratamento.
DISCUSSÃO
A angina de Ludwig é uma infecção aguda e grave caracterizada como celulite, que geralmente se inicia no assoalho da boca e se estende rapidamente por contiguidade, pode se estender nos espaços entre as camadas fasciais do pescoço. O local mais frequentemente afetado pela infecção profunda do pescoço é o espaço submandibular2. Mais raramente, ao espaço parafaríngeo e mediastino superior. Quando acomete o espaço parafaríngeo, o paciente apresenta trismo, porém é um achado clínico tardio3. O abscesso submandibular associado à mediastinite aguda é uma complicação incomum, porém grave e de alta mortalidade4. A infecção pode ocorrer em qualquer idade, mas é mais comumente vista em pacientes masculinos na quarta década de vida5.
Na maioria dos casos, a angina de Ludwig tem origem odontogênica, especialmente o segundo e terceiro molar mandibular3. Outras etiologias incluem lesões traumáticas em mucosa oral, fratura de mandíbula e faringotonsilites6. As manifestações clínicas mais comuns são: febre, edema e dor local nos espaços submental e submandibular. Em caso de celulite volumosa, o paciente pode apresentar odinofagia, estridor e cianose e dispneia. O edema das estruturas das vias aéreas pode progredir rapidamente, ocorrendo dentro de 30 a 45 minutos da apresentação inicial3. O diagnóstico de angina de Ludwig é clínico, mas a tomografia do pescoço e tórax com contraste auxiliam na avaliação da extensão do abscesso aos planos profundos2.
Foi publicado em um estudo que a tomografia contrastada combinada com o exame clínico aumenta a especificidade para 80%; a sensibilidade se mantém em 95%3. O manejo terapêutico inclui o uso de antibióticos endovenosos e, em alguns casos, drenagem cirúrgica7. A antibioticoterapia empírica deve cobrir germes aeróbio, anaeróbio e oral1. Os estreptococos do grupo Viridans são encontrados em mais de 40% dos casos, seguidos por Staphylococcus aureus (27%) e Staphylococcus epidermidis (23%)5. O comprometimento das vias aéreas se dá por mecanismo obstrutivo e é a principal causa de mortalidade6. A intubação nasotraqueal na posição sentada é o método preferido de suporte avançado e, em alguns casos, é necessária cricotireotomia ou traqueostomia de emergência6. As taxas de morbidade e mortalidade associadas à angina de Ludwig têm sido historicamente altas (pode chegar a 50%) especialmente no diagnóstico tardio ou no tratamento inadequado3. O caso chama a atenção devido às complicações de coleções no mediastino, pericardite e derrame pleural em um paciente previamente hígido. Pela raridade da condição em pacientes pediátricos, o reconhecimento precoce da angina de Ludwig é essencial para evitar essas e outras complicações potencialmente graves.
REFERÊNCIAS
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Data de Submissão: 25/10/2023
Data de Aprovação: 26/12/2023