ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2025 - Volume 15 - Número 1

Diagnóstico precoce de Síndrome de Klinefelter: um relato de caso

Early diagnosis of Klinefelter Syndrome: a case report

RESUMO

A Síndrome de Klinefelter (SK) é uma condição genética caracterizada por um ou mais cromossomos X extras, em indivíduos do sexo masculino. A prevalência é estimada em 1:600 nascidos vivos1. Apresenta alta variabilidade clínica: ginecomastia, puberdade tardia, redução de pelos pubianos e corporais, micropênis, estatura alta, disfunção testicular, azoospermia, atrasos na fala e na linguagem. Diagnósticos pediátricos ocorrem, geralmente, por acaso, havendo estudos brasileiros demonstrando que aproximadamente 21,2% dos casos de SK foram diagnosticados antes dos 20 anos e 6,1% antes dos 10 anos2. Neste relato, é descrito um diagnóstico precoce da SK, motivado pela presença de malformação congênita e história familiar de deficiência intelectual.

Palavras-chave: Síndrome de Klinefelter, Relatos de casos, Diagnóstico precoce.

ABSTRACT

Klinefelter Syndrome (KS) is a genetic condition characterized by abnormalities in the sex chromosomes, affecting males, with an estimated prevalence of 1:600 live-borns1. It exhibits a wide range of symptoms, including gynecomastia, delayed puberty, reduced pubic and body hair, micropenis, tall stature, testicular dysfunction, azoospermia, speech and language delay. Pediatric diagnosis usually occurs by chance, some Brazilian studies show that approximately 21.2% of individuals with KS were diagnosed before 20 and 6.1% before 10 years old2. In this report, it is described an early diagnosis of Klinefelter Syndrome, motivated by presence of congenital malformation and family history of intellectual disability.

Keywords: Klinefelter Syndrome, Case reports, Early diagnosis.


INTRODUÇÃO

A Síndrome de Klinefelter (SK) é uma anomalia dos cromossomos sexuais, que afeta indivíduos do sexo masculino, com prevalência de 1/600 nascidos-vivos1. Citogeneticamente, apresenta um cromossomo X extra (47, XXY), e clinicamente, grande variabilidade: ginecomastia, atraso puberal, pilificação pubiana e corporal diminuídas, micropênis, alta estatura, disfunção testicular, azoospermia, aumento das gonadotrofinas, atraso de fala e linguagem. Diagnósticos pediátricos ocorrem, geralmente, de forma acidental, havendo estudos brasileiros demonstrando que aproximadamente 21,2% dos casos de SK são diagnosticados antes dos 20 e 6,1% antes dos 10 anos de idade2.

Neste relato, é descrito um diagnóstico precoce da SK. O presente relato fez parte de um projeto maior de vigilância em anomalias congênitas, CAAE: 30886520.9.1001.5327


RELATO DE CASO

Paciente do sexo masculino, nascido de parto vaginal, 40 semanas de idade gestacional, peso 3930g, 51cm de comprimento, Apgar 9/9, perímetro cefálico 33,5cm. Sem informações sobre o pré-natal. Triagens neonatais normais.

Ao exame físico, auscultas cardíaca, pulmonar e exame do abdome normais. Apresentava hidrocele e fenda labiopalatina transforâmica incisiva unilateral esquerda.

Devido à presença da malformação, somada ao histórico familiar de déficit intelectual da mãe e irmãos, foi solicitado cariótipo, cujo resultado foi: 47, XXY (Figura 1) em todas as células analisadas, compatível com SK. Vale ressaltar que mãe e irmãos já haviam sido testados para síndrome do X-frágil e investigados para outras condições não citogenéticas.





Na última consulta, aos 7 meses de idade, o paciente apresentava-se com 9,8kg (escore Z +1 escore Z), 72 cm de estatura (escore Z +1), perímetro cefálico de 47cm (escore Z +2) e desenvolvimento neuropsicomotor adequado para a idade.


DISCUSSÃO

A SK é uma aneuploidia, anomalia numérica dos cromossomos sexuais, podendo haver cromossomos X adicionais nos homens.

A suspeita da SK é rara no pré-natal ou período neonatal e, geralmente, se dá na adolescência ou na vida adulta, devido a achados como ginecomastia e microorquidia3, podendo ser confirmada através de análises citogenéticas: cariotipagem, análise cromossômica por microarray ou hibridação in situ fluorescente (FISH)3. O diagnóstico divide-se em: achado fortuito, muito precoce, precoce e tardio4.

Os diagnósticos fortuito e muito precoce são considerados clinicamente silenciosos. O fortuito é realizado ainda no pré-natal e geralmente acontece quando testes citogenéticos são feitos por outros motivos durante a gestação, como idade materna avançada e histórico familiar de doenças genéticas. O muito precoce pode ser dividido em duas etapas: ao nascimento, com presença de micropênis e criptorquidia, e, na infância e pré-adolescência, com presença de testículos pequenos, pernas longas, estatura alta, aumento da proporção massa gorda/magra, dificuldades na aprendizagem3 e na fala, escassez de pelos pubianos e na face, problemas comportamentais, sociais e alterações psicológicas.

O diagnóstico precoce, ao contrário dos anteriores, é considerado clinicamente evidente. Nesse período, além das evidências vistas no diagnóstico muito precoce, há problemas na puberdade, que se iniciam e sofrem uma parada repentina: hipogonadismo hipergonadotrófico e ginecomastia4. Por fim, o diagnóstico tardio é caracterizado pela síndrome completa. Além do supracitado, pode ocorrer osteopenia ou osteoporose, distúrbios autoimunes, problemas oftalmológicos, odontológicos, cardíacos e sexuais que, somados, levam à infertilidade5,6. Outrossim, há maior risco de obesidade, doenças cardiovasculares, metabólicas, neoplasias (mama, células germinativas extragonadais e tumores de células de Leydig) e trombose e tremor essencial3,7.

Ressalta-se que, apesar do hipogonadismo ser frequente, encontram-se homens com a síndrome não clássica, ocasionalmente mosaicos, apresentando testículos aumentados ou normais8. Ademais, nos achados laboratoriais em adultos, geralmente encontram-se baixas concentrações séricas de testosterona total e livre e altas concentrações dos hormônios folículo-estimulante (FSH) e luteinizante8. Algumas comorbidades são explicadas pelo hipogonadismo, outras pela síndrome em si, e outras ainda não são prontamente explicadas7.

O tratamento varia conforme: idade ao diagnóstico, gravidade do fenótipo e objetivo terapêutico. Envolve equipe multidisciplinar, abrangendo médicos de cuidado primário, endocrinologistas, cirurgiões, profissionais de saúde mental, geneticista e especialistas em infertilidade. O aspecto mais importante a longo prazo no tratamento de pacientes adolescentes e adultos com SK é a terapia com testosterona que impacta o desenvolvimento sexual e osteomuscular9,10.

No Brasil, a síndrome é pouco tardiamente diagnosticada2. O diagnóstico precoce no caso relatado levanta o questionamento sobre benefícios no início precoce da terapia com testosterona, haja vista a possível ocorrência de deficiência androgênica no período pré-natal e da primeira infância, considerando a existência de três picos fisiológicos de secreção androgênica nos homens – pré-natal, 4 primeiros meses de vida e adolescência10. O tratamento androgênico em baixas doses na infância pode ajudar na função psicossocial (ansiedade, depressão, problemas sociais) e no comportamento11.

Para meninos em idade pré-puberal é recomendado orquidopexia entre 6 e 12 meses de idade12, exame físico geral com avaliação testicular, avaliação psiquiátrica e neurológica, dosagem de LH e testosterona nos três primeiros meses de vida, em casos que possa haver benefício terapêutico, ou seja, em pacientes com micropênis13; dosagem de vitamina D e de cálcio e avaliação do status mineral ósseo a cada dois anos, para tratamento precoce de osteoporose13. Na idade pré-puberal, acompanhamento antropométrico, usando percentis e escores de desvio-padrão, determinação das proporções corporais, e idade óssea, visto que a diminuição na testosterona pode acarretar aumento de gordura corporal. Por fim, é recomendado fonoterapia e psicoterapia sempre que necessário13,14.

No cenário atual, porém, a SK não é tratada até a puberdade, mesmo que o diagnóstico tenha sido precoce, não sendo encontrada qualquer diretriz que estruture o tratamento precoce.

No paciente em questão, nenhum tratamento específico está sendo realizado. Ele continuará em acompanhamento para que as vantagens do diagnóstico precoce possam guiar a investigação e monitorar comorbidades, auxiliando na antecipação de problemas e melhorando o prognóstico14.


CONCLUSÃO

Devido à falta de protocolos formalizados e especialistas no assunto, os poucos pacientes que têm diagnóstico precoce carecem de tratamento formal, podendo acarretar risco para a saúde deles, além de consequências como as comorbidades já citadas.

Com efeito, sendo realizado o diagnóstico e tratamento precoces, os cuidados podem apresentar resultados extremamente positivos aos pacientes com SK.


REFERÊNCIAS

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1. Universidade Federal do Rio Grande, Discente de Medicina - Rio Grande - Rio Grande do Sul - Brasil
2. Universidade Federal do Rio Grande, Departamento de Pediatria - Rio Grande - Rio Grande do Sul - Brasil

Endereço para correspondência:
Guilherme Marcondes Ferreira Santos
Universidade Federal do Rio Grande
Rua Visconde de Paranaguá, 102, sala 411, Secretaria Geral da FaMed
Rio Grande, RS, Brasil, CEP 96203-900
E-mail: zguilherme.m@hotmail.com

Data de Submissão: 31/10/2023
Data de Aprovação: 30/11/2023