Relato de Caso
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Ano 2016 -
Volume 6 -
Número
3
Hemangioendotelioma Kaposiforme associado a Sindrome de Kassabach Merritt - Relato de Caso
Associated with Kaposiform Hemangioendothelioma Kassabach Merritt Syndrome - Case Report
Hemangioendotelioma Kaposiforme asociado a Síndrome de Kassabach Merritt - Relato de Caso
Pamella Demeciano Mamede1; Kellen Cristina Kamimura Barbosa Silva2; Valéria Cardoso Alves Cunali3
RESUMO
Os autores descrevem um caso de Hemangioendotelioma Kaposiforme em palato, associado a Síndrome de Kasabach Merritt em paciente pré escolar. Durante corticoterapia apresentou recidiva, sendo associado interferon alfa. Desde então, não teve novas internações com remissão quase completa do tumor.
Palavras-chave:
coagulação intravascular disseminada, hemangioendotelioma, Interferon alfa, prednisona, síndrome de Kasabach-Merritt.
ABSTRACT
The authors describe a case of Kaposiform Hemangioendothelioma on the palate, associated Kasabach Merrit Syndrome in childhood. During corticosteroid therapy presented recurrence, being associated interferon alfa. Since then , it had no new admissions with almost complete remission of the tumor.
Keywords:
disseminated intravascular coagulation, hemangioendothelioma, Interferon-alpha, Kasabach-Merritt syndrome, prednisone.
RESUMEN
Los autores describen un caso de hemangioendotelioma kaposiforme en paladar, asociado al síndrome de Kasabach Merritt en paciente preescolar. Durante corticoterapia presentó recidiva, siendo asociado interferón alfa. Desde entonces, no tuvo nuevas internaciones con remisión casi completa del tumor.
Palabras-clave:
coagulación intravascular diseminada, hemangioendotelioma, interferón-alfa, prednisona, síndrome de Kasabach-Merritt.
INTRODUÇÃO
O Hemangioendotelioma Kaposiforme (HK) é um tumor vascular raro, podendo ser cutâneo e/ou visceral. Ele possui características histológicas benignas, porém com alta mortalidade na ausência de tratamento. Há poucos relatos de caso na literatura, desde a sua descrição. Pode estar associado a Síndrome de Kasabach-Merritt (SKM), que se caracteriza por uma coagulopatia de consumo com plaquetopenia grave e anemia hemolítica microangiopatica1.
O tratamento do HK é controverso, devendo ser individualizado1-5. Quando não está associado a SKM, costuma cursar com bom prognóstico. Este se trata de um relato de caso sobre um paciente masculino, pré escolar com HK em palato, associado a SKM fazendo uso de corticoterapia e interferon alfa com boa resposta terapêutica.
RELATO DO CASO
Paciente masculino, 2 anos, natural e procedente de Campo Florido, MG, deu entrada em pronto socorro infantil, com quadro de tosse produtiva e precordialgia importante, há 1 semana. No exame físico havia dispneia, hemangioma 1x1,5cm em palato e hepatoesplenomegalia. Visto, ao ecocardiograma, derrame pericárdico importante, e logo, foi realizado pericardiocentese, que evidenciou apenas linfocitose.
Foram excluídas doenças infecciosas, autoimunes e neoplasias, realizou ultrassom de abdome que revelou hepatomegalia homogênea e esplenomegalia heterogênea. Foi então, iniciado, empiricamente, corticoterapia (prednisona 1mg/kg/dia) com melhora, sem definição diagnóstica. Foi realizado acompanhamento ambulatorial, porém após alguns meses perdeu o seguimento.
Após 1 ano, teve nova internação com mesmo quadro. Evoluiu com coagulação intravascular disseminada (plaquetas = 6000/mm3, TAP = 41,4seg, relação P/T = 1,16 e fibrinogênio = 105mg/dl), anemia hemolítica microangiopática (hemoglobina = 6,2, presença de esquizócitos no esfregaço da lâmina de sangue periférico, DHL = 469(VR).
Recebeu novamente tratamento com corticoterapia (metilprednisolona 1mg/kg/dia, que posteriormente foi trocada para prednisona 20mg/dia), evoluindo com estabilização hemodinâmica e discreta remissão do tumor. Realizou ressonância magnética de abdome que evidenciou hepatomegalia discreta e homogênea associada a múltiplos micronódulos esplênicos vascularizados (estes achados podem ser encontrados nos casos de hemangioendotelioma, sendo seu diagnóstico diferencial relacionados a doenças infecciosas associadas a imunossupressão).
No entanto, foram excluidas doenças infecciosas por meio de exames laboratoriais. Evoluiu com síndrome de cushing, sendo tentado desmame do corticoide,após aproximadamente 3 anos de uso, sem sucesso.
Em dezembro de 2012, foi internado com quadro de pneumonia grave, que evoluiu com nova SKM, sendo associado a corticoterapia o interferon alfa. Paciente teve boa resposta ao tratamento, recebendo alta com prednisona 20mg/dia e interferon alfa 3.000.000UI, três vezes por semana, em uso há aproximadamente 3 anos, sem sofrer novas internações até então, e com remissão gradativa do hemangioma em palato (hoje mede 0,5 X0,5 cm) (figura 1).
Figura 1. Hemangioma em palato, medindo atualmente 0,5 x 0,5 cm. Fonte: autoria própria.
DISCUSSÃO
O HK é um tumor raro e agressivo1, possuindo características histológicas benignas, porém apresenta comportamento maligno com proliferação local e, frequentemente, agressão vascular4. Sua primeira descrição em crianças foi em 1993 por Zukerber, Nickoloff e Weiss6.
Ocorre com maior frequência em crianças abaixo dos 2 anos de idade, embora haja alguns relatos em adultos7 e tem incidência levemente aumentado no sexo feminino. Nos Estados Unidos, os hemangiomas ocorrem em cerca de 2,5% dos neonatos4.
Sua apresentação clínica mais característica é uma placa mal delimitada, de coloração violácea, dura e que se expande centrifugamente, como uma equimose1,2. O paciente pode apresentar hepatoesplenomegalia devido sequestro de plaquetas ou lesões intracavitarias e pode haver derrame pericardico secundario a anemia, como apresentado pelo paciente supracitado. É mais comum em tronco ou extremidades.
Um a cada 300 hemangiomas apresenta coagulopatia como complicação, sendo frequente a associação com linfangiomatose ou SKM, ulceração e sangramento do hemangioma4. A SKM consiste na presença de um tumor vascular que desencadeia uma coagulopatia de consumo com plaquetopenia por aprisionamento de plaquetas e anemia hemolítica microangiopática.
O diagnóstico do HK é histopatológico e se caracteriza como vários nódulos não definidos, separados por tecido conjuntivo que infiltram a derme e o tecido subcutâneo. Estes nódulos são constituídos por pequenos capilares cobertos por células endoteliais fusiformes e aglomerados de células epiteliais de aspecto epitelióide.
Como achados particulares se vê hemossiderina, corpos hialinos intracitoplasmáticos nas células fusiformes e vacúolos no citoplasma eosinofílico das células epitelióides. (Figura 2) As células fusiformes e a presença frequente de células de fibrina simulam o Sarcoma de Kaposi. No entanto, a presença de células epitelióides é o que ajuda a descartar tal doença1,3.
Figura 2. Lâmina histológica - Na microscopia, visto grande quantidade de hemácias extravasadas e depósitos granulares de hemossiderina, com focos de esclerose e células formando pequenos espaços vasculares, ora arredondadas e ora fusiformes. Fonte: autoria própria.
A instalação do quadro de coagulopatia pode ocorrer durante o processo de crescimento do hemangioma ou, mais tardiamente, associada à contusão da lesão. O tratamento consiste em cuidados de suporte e corticoterapia como tratamento de primeira linha até a resolução dos sintomas.
Quando o corticoide não se mostra tão efetivo pode ser associado alguns quimioterápicos como a vincristina, interferon alfa e rampamicina. O interferon alfa é um imunomodulador que limita a angiogênese, basicamente reduzindo o fator de crescimento do fibroblasto e inibindo o fator de crescimento endotelial, sendo evitado em lactentes menores de 1 ano, devido seus efeitos adversos no sistema nervoso central8. Sua maior indicação é no caso de risco de vida e funcional para o paciente, que não teve boa resposta ao uso de corticóide9.Sendo mais efetivo quanto antes for iniciado9.
Na época do relato supracitado, não havia muitos estudos com a rampamicina e a vincristina, sendo então, optado pelo uso do Interferon alfa baseado nos artigos lidos sobre o assunto e a gravidade do caso descrito. O paciente citado, fez uso de corticoterapia num primeiro momento de forma empírica, pois mesmo não fechando critério para doenças autoimunes, havia essa hipótese diagnóstica.
No momento que perdeu o seguimento, também cessou o uso do corticóide, apresentando remissão dos sintomas e consequente internação, que foi descoberto o diagnóstico de HK. Quando foi tentado o desmame da prednisona, devido seus efeitos colaterais a longo prazo, houve remissão do quadro, sendo então, associado o interferon alfa.
Desde seu inicio, o paciente nunca mais apresentou SKM e houve estabilização do hemangioma em palato, e remissão gradativa no último ano. No caso de HK restrito a pele e sem coagulopatia pode ser feita excisão cirúrgica. Pode ser fatal em 20% dos casos, normalmente associado à SKM5. Não há na literatura estudos que mostrem a sobrevida em pacientes com HK associado a SKM. Quando reconhecido e tratado precocemente apresenta bom prognóstico.
REFERÊNCIAS
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9. López Almaraz R, López Gutiérrez LJ, Belendez Bieler C, Herrero Hernández A, Mateos González ME, Ramirez Villar G. Tumores vasculares en la infancia. An Pediatr (Barc). 2010;72(2):143.e1-143.e15.
1. Médica Residente de Pediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Uberaba, MG, Brasil
2. Mestre em Ciências da Saúde - Professor assistente de Pediatria no Departamento Materno Infantil da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Preceptora do Programa de Residência Médica em Pediatria da UFTM, Uberaba, MG, Brasil
3. Doutora Professor adjunto de Pediatria no Departamento Materno Infantil da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Médica diarista da Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica do Hospital de Clínicas da UFTM, Uberaba, MG, Brasil
Endereço para correspondência:
Valéria Cardoso Alves Cunali
Departamento de Pediatria do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Triangulo Mineiro
Rua Getúlio Guaritá, nº 330, Nossa Senhora da Abadia
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