Artigo Original
-
Ano 2018 -
Volume 8 -
Número
3
Lesões purpúricas - reconheça os sinais de gravidade
Purpuric lesions: recognizing signs of severity
Mariana Canato1; Danielle Arake Zanatta2; Nara Frota André2; Iwyna França Souza Gomes Vial2; Kerstin Taniguchi Abagge3; Vânia Oliveira Carvalho3
RESUMO
As doenças dermatológicas que se manifestam com lesões purpúricas podem ser difíceis de diagnosticar. A história clínica acurada e reconhecimento das características clínicas das lesões cutâneas de cada dermatose possibilitam o correto diagnóstico e a instituição da terapêutica adequada. Apresentamos três pacientes com diferentes doenças que cursam com lesões purpúricas, para desafiar o leitor a fazer o diagnóstico.
Palavras-chave:
Dermatologia, Criança, Púrpura de Henoch- Schonlein, Infecção Meningocócica.
ABSTRACT
Dermatological diseases that manifest with purpuric lesions may be difficult to diagnose. An accurate clinical history and the recognition of the clinical characteristics of the cutaneous lesions of each dermatosis allow the correct diagnosis and implementation of adequate therapy. We report the cases of three patients with different diseases who presented with purpuric lesions and challenge the reader to make the diagnosis.
Keywords:
Dermatology, Child, Henoch–Schönlein Purpura, Meningococcal infection.
Selecione a melhor resposta dentre as seguintes:
A) Meningococcemia
B) Abuso infantil
C) Púrpura de Henoch-Schonlein
D) Fitofotodermatite
E) Edema agudo hemorrágico da infância
CASO 1
Menino de 5 anos de idade com dor no joelho esquerdo que limitava a deambulação. Após 2 dias surgiram pápulas e placas purpúricas palpáveis nos membros inferiores bilateralmente (Figura 1), associado a vômito e dor abdominal. Exames laboratoriais evidenciaram discreta leucocitose, sem plaquetopenia ou distúrbios de coagulação e havia hematúria no parcial de urina.
Figura 1. Pápulas e placas purpúricas nos membros inferiores, seguindo distribuição linear nos locais de maior pressão (elástico das meias).
CASO 2
Menina de 1 ano e 2 meses, em bom estado geral, iniciou com placas purpúricas de 3 a 4 cm nos membros inferiores (Figura 2), nádegas e face, há 2 dias, associado a febre e discreto edema da face. Os exames laboratoriais não evidenciavam plaquetopenia e o coagulograma era normal.
Figura 2. Pápulas e placas purpúricas bem delimitadas, algumas coalescentes, nos membros inferiores de um lactente.
CASO 3
Lactente de 7 meses iniciou há 12 horas com febre, irritabilidade e gemência, e evoluiu nas últimas 2 horas com petéquias e máculas purpúricas localizadas nas extremidades (Figura 3), com aumento progressivo do tamanho e do número de lesões, associado a piora do estado geral e abaulamento de fontanela anterior. Exames laboratoriais evidenciaram leucopenia, plaquetopenia e distúrbio de coagulação.
Figura 3. Pápulas purpúricas de tamanhos variados e petéquias nos membros inferiores de um lactente.
RESPOSTAS
CASO 1
A resposta é a letra C – púrpura de Henoch-Schonlein (PHS). É a vasculite mais frequente na infância, com maior incidência entre os 4 e 6 anos1. Infecção de vias aéreas superiores é fator desencadeante da deposição de imunoglobulina A na parede dos vasos de pequeno calibre, principalmente na pele, articulações, intestino e rins1. Manifesta-se pela presença de púrpuras palpáveis que acometem, principalmente, nádegas e membros inferiores simetricamente, com distribuição linear nos locais de pressão, como no contato com as meias (Figura 1)1,2. Dor e edema nas articulações dos membros inferiores limitam a deambulação, mas não há sequelas após resolução da doença1,2. Dor abdominal é menos frequente e, ocasionalmente, se associa a vômitos1,2. A principal complicação é glomerulonefrite e está indicado acompanhamento da função renal durante 6 meses após início dos sintomas2. O diagnóstico é clínico e os achados laboratoriais auxiliam na exclusão de púrpuras trombocitopênicas2.
CASO 2
A resposta é a letra E – edema agudo hemorrágico da infância (EAHI). É uma vasculite de pequenos vasos, rara e que acomete crianças entre 4 e 24 meses1,3,4. Manifesta-se por febre de baixa intensidade, edema de face e extremidades, e lesões purpúricas de 1 a 5 cm que se localizam, principalmente, nos membros inferiores (Figura 2), nádegas e face. Lesões localizadas na hélice auricular são características do EAHI1,3. Apesar da aparência alarmante das lesões, a criança está em bom estado geral e não necessita de tratamento3,4. Raramente ocorre vasculite de outros órgãos além da pele3. Diferente da PHS, a criança não apresenta artralgia, dor abdominal ou comprometimento renal, e o acompanhamento após a resolução da doença é dispensável1,3. O diagnóstico é clínico e os achados laboratoriais são inespecíficos1,3.
CASO 3
A resposta é a letra A – meningococcemia. É a forma mais grave dentre as doenças meningocócicas e ocorre por reação da microvasculatura às endotoxinas da Neisseria meningitidis5. Após instituição da vacina meningocócica conjugada, houve redução gradativa na incidência da doença. A transmissão ocorre pelo contato com secreções respiratórias e a incidência é maior até os 5 anos de vida, especialmente nos menores de 1 ano, e nos adolescentes5. Apresenta-se como petéquias e púrpuras disseminadas pelo tronco e extremidades, associadas a choque séptico e distúrbios de coagulação5,6. As lesões de pele surgem horas após o início da febre, como no caso aqui relatado, e podem ser acompanhadas de prostração e irritabilidade5,6. A rapidez no surgimento dos sinais e sintomas e o comprometimento do estado geral diferenciam essa doença da PHS ou AHEI. O diagnóstico é confirmado por cultura do líquido cefalorraquidiano e/ou sangue, que devem ser coletados antes do início da antibioticoterapia5. Identificar as lesões cutâneas permite o diagnóstico e a instituição terapêutica precoce, o que melhora o prognóstico. As cefalosporinas de terceira geração são a primeira escolha, caso não haja a confirmação de sensibilidade do agente à penicilina G5. A quimioprofilaxia está indicada para os familiares e contatos próximos5.
REFERÊNCIAS
1. Lakdawala N, Fedeles F. Vasculitis: Kids are not just little people. Clin Dermatol. 2017; 35(6):530-40. doi:http://dx.org/10.1016/j.clindermatol.2017.08.004.
2. Milani GP, Lava SAG, Ramelli V, Bianchetti, MG. Prevalence and characteristics of nonblanching, palpable skin lesions with a linear pattern in children with Henoch-Schönlein Syndrome. JAMA Dermatol. 2017; 153(11):1170-3. doi:http://dx.org/10.1001/jamadermatol.2017.
3. Savino F, Lupica MM, Tarasco V, et al. Acute hemorrhagic edema of infancy: a troubling cutaneous presentation with self-limiting course. Pediatr Dermatol. 2013; 30(6):149-52. doi:http://dx.org/10.1111/pde.12004.
4. Fiore E, Rizzi M, Rizzi M, et al. Acute hemorrhagic edema of Young children (cockade purpura and edema): A case series and systematic review. JAMA Dermatol. 2008; 59(4):684-95. doi:http://dx.org/10.1016/j.jaad.2008.06.005.
5. Vaz LE. Meningococcal Disease. Pediatr Rev. 2017; 38(4):158-69. doi:http://dx.org/10.1542/pir.2016-0131.
6. Thompson MJ, Ninis N, Perera R, et al. Clinical recognition of meningococcal disease in children and adolescents. Lancet. 2006; 367:397-403. PMID:16458763. doi:http://dx.org/10.1016/S0140-6736(06)67932-4.
1. Dermatologia Pediátrica pela Universidade Federal do Paraná, Divisão de Dermatologia Pediátrica, Hospital de Clínicas da UFPR, Curitiba, Paraná, Brasil
2. Especializanda em Dermatologia Pediátrica pela Universidade Federal do Paraná, Divisão de Dermatologia Pediátrica, Hospital de Clínicas da UFPR, Curitiba, Paraná, Brasil
3. MD - Professora da Divisão de Dermatologia Pediátrica - Departamento de Pediatria - da Universidade Federal do Paraná, Hospital de Clínicas da UFPR, Curitiba, Paraná, Brasil
Endereço para correspondência:
Mariana Canato
Faculdade de Medicina da Universidade Federal Fluminense
Rua Schiller, 1140, apartamento 23G. Alto da XV
Curitiba, Paraná - Brasil. CEP 80045-300
E-mail: marianacanato@hotmail.com
Data de Submissão: 11/03/2018
Data de Aprovação: 10/08/2018