ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2020 - Volume 10 - Número 2

Síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (MIS-C) temporariamente associada ao SARS-CoV-2

Pediatric inflammatory multisystem syndrome (PIMS) temporally related to SARS-CoV-2

RESUMO

O primeiro relato de caso de uma criança de 6 meses de idade com doença de Kawasaki (DK) e COVID-19 foi publicado nos Estados Unidos em 7 de abril de 2020. Desde esse primeiro relato, os países com surtos de SARS-CoV-2 têm relatado mais casos dessa síndrome, denominada de síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica temporariamente associada ao SARS-CoV-2 (MIS-C), a qual compartilha características clínicas e laboratoriais da doença de Kawasaki (típica ou incompleta), síndrome de choque tóxico estafilocócico e estreptocócico, sepse bacteriana e síndrome de ativação macrofágica. A MIS-C costuma acometer crianças maiores de 5 anos de idade, predominantemente afrodescendentes na maioria dos estudos, e tem maior incidência de alterações cardíacas. A hipótese de uma possível associação temporal com a infecção pelo SARS-COV-2 foi aventada, porque algumas das crianças eram positivas para SARS-CoV-2 por reação em cadeia da polimerase (RT-PCR) ou sorologia. Essas crianças apresentam febre alta prolongada, erupção cutânea e sintomas gastrointestinais proeminentes em 50-60% dos casos (dor abdominal, diarreia não sanguinolenta, ascite e ileíte), conjuntivite, linfadenopatia, irritabilidade e cefaleia. Alguns casos graves apresentam choque decorrente de disfunção cardíaca, com ou sem miocardite ou aneurisma de artérias coronárias. Sintomas respiratórios podem estar presentes, geralmente ocasionados pelo choque concomitante. Neste artigo descrevemos definições e dados clínicos e laboratoriais desta intrigante síndrome para alertar os pediatras e orientar quanto ao diagnóstico e manejo destes pacientes.

Palavras-chave: Inflamação, Síndrome de LinfonodoInflamação, Síndrome de Linfonodos Mucocutâneos, Choque Cardiogênicos, Infecções por Coronavírus.s Mucocutâneos, Choque Cardiogênicos, Infecções por Coronavírus.

ABSTRACT

The first case report of a child, a 6-month-old female infant, with Kawasaki disease (KD) and concurrent COVID-19 was published in the United States on 7 April 2020. Since this first report, countries with outbreaks of SARS-CoV-2 have reported further cases of pediatric inflammatory multisystem syndrome temporally related to SARS-CoV-2 (MIS-C). This syndrome overlaps clinical and laboratorial features of Kawasaki disease (typical or incomplete), staphylococcal and streptococcal toxic shock syndromes, bacterial sepsis and macrophage activation syndrome. This syndrome usually affects mostly children older than 5 years of age, predominantly afro descendent in most studies, and has a higher incidence of cardiac manifestations. A possible temporal association with SARS-COV-2 infection has been hypothesized because some of the children were positive for SARS-CoV-2 either by polymerase chain reaction (RT-PCR) or serology. Those children had prolonged high fever, rash, and prominent gastrointestinal symptoms in 50-60% of the cases (abdominal pain, non-bloody diarrhea, ascites and ileitis), conjunctivitis, lymphadenopathy, irritability and headache. Some severe cases, presented with shock resulting from cardiac dysfunction, with or without myocarditis, or coronary artery aneurysm. Respiratory symptoms could be present, usually correlated with concurrent shock. In this article, we describe definitions, clinical and laboratorial findings of this intriguing syndrome to alert pediatricians and to guide with respect to diagnosis and management of these patients.

Keywords: Inflammation, Mucocutaneous Lymph Node Syndrome, Shock, Cardiogenic, Coronavirus Infections.


O QUE É A DOENÇA DE KAWASAKI E COMO É DIAGNOSTICADA?

A doença de Kawasaki (DK) é uma vasculite sistêmica aguda primária, com predomínio de acometimento de vasos de médio calibre, de etiologia não completamente elucidada. Representa a principal causa de doença cardíaca adquirida na infância nos países desenvolvidos e 5% das síndromes coronárias agudas em adultos com menos de 40 anos de idade. Sabe-se que os aneurismas das artérias coronárias ocorrem em cerca de 25% dos casos não tratados ou incorretamente tratados. Assim, cabe ao pediatra estabelecer seu diagnóstico e instituir medidas terapêuticas precoces1. Diante disso, em 2004, a American Heart Association (AHA) publicou diretrizes para o seu diagnóstico, tratamento e acompanhamento a longo prazo. Em 2017, o documento foi revisto e atualizado, incorporando novas evidências e algoritmos em relação ao seu manejo clínico2.

O quadro clínico clássico da DK baseia-se na presença mandatória de febre por pelo menos 5 dias associada a pelo menos 4 dos 5 critérios estabelecidos pela AHA, são eles: alteração de lábios e cavidade oral, hiperemia conjuntival, alterações de extremidades, exantema polimorfo e linfadenopatia cervical ≥1,5cm, geralmente unilateral2. Deste modo, o seu diagnóstico é primordialmente clínico e faz-se necessário um atendimento médico minucioso que inclua uma anamnese bem feita e um exame físico detalhado. A febre é geralmente alta e contínua, em torno de 39ºC a 40ºC. Caso não se institua o tratamento adequado, pode perdurar por 1 a 3 semanas. As alterações labiais e orais incluem: eritema, ressecamento, fissuras e sangramento labial. Podem estar presentes também hiperemia difusa de mucosa orofaríngea e “língua em framboesa ou morango”. Entre as alterações conjuntivais, a mais comum é a conjuntivite bulbar bilateral não-exsudativa, que na maioria das vezes inicia-se logo após a febre. A uveíte anterior pode ser observada ao exame oftalmológico durante os primeiros dias de febre. As alterações de extremidades são diversas e incluem eritema palmoplantar, edema doloroso do dorso das mãos e pés e descamação periungueal, que pode se tornar difusa dentro de 2 a 3 semanas do início da febre. As erupções cutâneas aparecem por volta do quinto dia de febre, sendo do tipo exantema polimorfo não vesicular. A linfadenopatia cervical é a manifestação clínica menos comum. Geralmente é unilateral, com tamanho ≥1,5cm, localizada no triângulo cervical anterior. Na fase de convalescença podem ser observadas as linhas de Beau, que consistem em sulcos transversais profundos nas unhas e alopecia1-3.

A DK deve ser considerada em qualquer criança com febre inexplicada e prolongada. Na presença de menos de quatro critérios clínicos ou ecocardiograma compatível com dilatação/aneurisma coronariano, deve-se sempre pensar em DK incompleta. Nestes casos o diagnóstico pode ser feito se existirem 3 ou mais das seguintes alterações laboratoriais: velocidade de hemossedimentação (VHS) >40mm/1ª hora, proteína C reativa (PCR) > 3mg/dL; plaquetas >450.000/mm3 (após 7 dias de doença); anemia para a idade; leucocitose >15.000/mm3; TGP >50U/L; albumina <3g/dL; piúria estéril; hiponatremia; e dimensões coronarianas por meio do Z-escore >2,5 ao ecocardiograma2,3. Casos graves de DK podem se apresentar como a síndrome do choque tóxico, definida como hipotensão sistólica sustentada (redução da pressão arterial superior a 20% do nível basal) ou sinais clínicos de má perfusão, sendo uma complicação potencialmente fatal da KD e que pode ser acompanhada de síndrome de disfunção de múltiplos órgãos4.


O QUE É A SÍNDROME DE LIBERAÇÃO/TEMPESTADE DE CITOCINAS (CYTOKINE STORM)?

A síndrome de liberação/tempestade de citocinas (cytokine storm), é uma síndrome hiperinflamatória, multissistêmica e potencialmente letal se não tratada precocemente, incluída no espectro da linfohistiocitose hemofagocítica (HLH). É causada pela ativação descontrolada de células T citotóxicas, com consequente liberação maciça de mediadores pró-inflamatórios (interleucinas 1, 6, 18, fator de necrose tumoral e interferon-γ)5. Os órgãos acometidos (p. ex.: medula óssea e fígado) apresentam acúmulo de macrófagos que causam fagocitose, disfunção e amplificam a ativação de mais células e liberação de mais citocinas6.

A HLH pode ser desencadeada por causas infecciosas (principalmente vírus do grupo herpes vírus, p. ex.: Epstein-Baar e citomegalovírus) e não infecciosas, como neoplasias, pós-transplante, doenças autoimunes, imunodeficiências primárias, fármacos (quimioterápicos, fenitoína, antirretrovirais e agentes biológicos), dentre outros. Quando há presença do fator desencadeante, estamos diante da forma secundária da HLH. Já a forma primária, ocorre devido a mutações nos genes responsáveis por alguma etapa da formação dos grânulos citotóxicos e ativação dos linfócitos T. A síndrome de ativação macrofágica (SAM) é a denominação dada a HLH secundária a doenças reumatológicas, mais frequentemente a AIJ sistêmica, o lúpus eritematoso sistêmico6. A SAM também pode complicar casos de DK, mas há um provável subdiagnóstico de SAM, devido às similaridades clínicas e laboratoriais. Com a pandemia de COVID-19, têm sido diagnosticados um número maior de casos de SAM na DK7.

Seus achados laboratoriais mais característicos são as citopenias (absolutas ou relativas), hiperferritinemia, aumento de transaminases, hipertrigliceridemia, queda o fibrinogênio, queda da VHS e elevação da PCR.


QUAIS SÃO AS PRINCIPAIS MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA MIS-C?

O primeiro relato de caso de uma criança, um lactente de 6 meses, com DK e COVID-19 concomitantes, foi publicado nos Estados Unidos em 7 de abril de 20208. A partir de então, foram publicados relatos de casos e séries de casos em outros países da Europa (Reino Unido, Itália, Espanha, França e Suíça), Estados Unidos e América Latina, de uma síndrome inflamatória multissistêmica, grave, que compartilha características clínicas e laboratoriais com a DK (seja típica ou incompleta), síndrome do choque tóxico estafilocócico ou estreptocócico, sepse bacteriana e síndrome de ativação de macrofágica2-7. Mas também exibe diferenças significativas, como por exemplo, o acometimento preferencial em crianças acima de 5 anos de idade, maiores taxas de envolvimento cardíaco (miocardite, valvulite, pericardite e anormalidades coronarianas) e o predomínio de etnia afrodescendente na maioria dos estudos9-14.

Estes casos ocorreram dias ou semanas após a COVID-19, sugerindo uma possível associação temporal com a infecção pelo SARS-COV-2, porque algumas destas crianças foram positivas para SARS-CoV-2 por reação em cadeia da polimerase (PCR) ou sorologia. Esta síndrome recebeu a denominação de MIS-C ou PIMS-TS4,15. De acordo com relatos da mídia, notas de alerta de sociedades médicas e publicações científicas, até a data de 20 de junho de 2020, mais de 300 casos suspeitos de MIS-C estão atualmente sob investigação. Estes pacientes apresentavam febre alta persistente, manifestações gastrointestinais exuberantes em 50-60% dos casos (dor abdominal intensa, diarreia e vômitos), conjuntivite não purulenta, exantema polimórfico, edema de mãos e pés, mucosite oral, linfadenopatia generalizada (inclusive mediastinal e intra-abdominal), hepatoesplenomegalia, serosite (pleurite, pericardite e ascite), irritabilidade, cefaleia, alteração de nível de consciência4-15. Alguns casos complicaram com choque (hipotensão arterial, taquicardia e distúrbio de perfusão), resultante tanto da disfunção miocárdica quanto da diminuição da resistência vascular periférica, geralmente exigindo ressuscitação com cristaloides e em alguns casos de infusão de aminas vasoativas. Os sintomas respiratórios costumam ser menos frequentes e relevantes, e até podem ser causados pela descompensação hemodinâmica16,17.

Alguns autores sugerem, provisoriamente, a existência de três padrões de doença entre crianças hospitalizadas com MIS-C. Um grupo de crianças apresenta febre persistente e aumento significativo de provas de atividade inflamatória, mas sem características de DK, choque ou falência de órgãos. Um segundo grupo preenche os critérios diagnósticos para DK. E, um terceiro grupo apresenta doença grave com disfunção miocárdica, choque e aneurismas coronarianos, além amplo espectro de manifestações incluindo febre, sintomas gastrointestinais e rash18.


QUAIS SÃO OS EXAMES QUE SOLICITADOS NA SUSPEITA DA MIS-C?

Diante de uma criança/adolescente com quadro de sinais e sintomas sugestivos de MIS-C, devemos fazer uma série de exames para investigar o acometimento de diversos órgãos/sistemas e monitorar a atividade inflamatória e a possibilidade do estado de hipercoagulabilidade. Para investigar a infecção pelo SARS-COV-2, pode ser feito o RT-PCR, a sorologia IgG e IgM) ou a pesquisa do antígeno19,20. A ausência de exames positivos para evidência de infecção pelo SARS-COV-2 não invalida a suspeita diagnóstica, sendo considerada também a história epidemiológica12,21.

Na abordagem inicial, é importante a realização das provas de atividade inflamatórias (velocidade de hemossedimentação [VHS], proteína C reativa [PCR]), hemograma completo para avaliação de alterações hematimétricas, da série branca e plaquetas, avaliação da função renal (ureia e creatinina), função hepática e vias biliares (AST, ALT, proteínas totais e albumina, fosfatase alcalina, γ-GT, bilirrubina totais e frações), glicemia, eletrólitos (sódio e potássio)13,21.

A pesquisa de outras possíveis causas infecciosas para o quadro apresentado deve ser feita com a realização de exames de urina (EAS e urinocultura), coprocultura, ASLO, cultura de orofaringe, hemocultura, sorologias para outras infecções virais, punção lombar para a análise liquórica quando houver sinais de acometimento do sistema nervoso central precedido ou não pela realização de imagem (tomografia computadorizada)18. Em pacientes com sintomas respiratórios, a realização do painel viral para pesquisa de outros vírus pode ajudar no diagnóstico diferencial. Nestes casos também é recomendada a realização de gasometria arterial, radiografia de tórax, ultrassonografia de tórax ou tomografia de tórax dependendo do quadro clínico12,20.

Quando se confirma a suspeita inicial, deve-se completar a avaliação inicial com a solicitação de LDH, triglicerídeos, ferritina, CK, investigação de distúrbios de coagulação com a dosagem de TAP, PTT, D-dímero, fibrinogênio, marcadores de função miocárdica (troponina, CK-MB, mioglobina, pró-BNP) e exames para avaliar a possibilidade das diversas manifestações cardiovasculares com eletrocardiograma, ecocardiograma e radiografia de tórax19,20.

A tomografia computadorizada cardíaca pode ser necessária nos casos com suspeita de aneurisma coronariano distal, em que a avaliação pelo ecocardiograma é difícil e alguns algoritmos sugerem que todos os pacientes que apresentarem disfunção cardíaca, mesmo que transitória, façam ressonância nuclear magnética cardíaca após 2-6 meses de evolução19.

Em casos de acometimento do sistema gastrointestinal, pode ser necessária a realização de exames de imagem abdominal como a radiografia, a ultrassonografia e a tomografia computadorizada para avaliação de complicações como hepatoesplenomegalia, hidropsia vesicular, serosite, adenites, colite, entre outras. Quando disponível a procalcitonina e o painel de citocinas devem ser solicitados para acompanhamento do quadro inflamatório19,20.


COMO SUSPEITAR QUE UMA CRIANÇA TEM A “SÍNDROME INFLAMATÓRIA MULTISSISTÊMICA” (MIS-C)?

O pediatra deve estar atento para o diagnóstico da MIS-C em toda criança ou adolescente que apresentar febre persistente, alterações de provas de atividade inflamatória com acometimento de um ou mais órgãos (cardíaco, renal, respiratório, gastrointestinal ou neurológico), após exclusão de causas infecciosas que possam justificar o quadro. A confirmação diagnóstica da infecção pelo SARS-CoV-2 não é obrigatória, podendo ter apenas história de exposição ao vírus19-23.

Os critérios estabelecidos, até o momento, para o diagnóstico da MIS-C são do Centers for Disease Control (CDC) e Organização Mundial de Saúde (OMS), com pequenas diferenças, podendo auxiliar o pediatra no diagnóstico dessa condição clínica12,13:


COMO TRATAR A MIS-C?

Não existe um protocolo validado para o tratamento da MIS-C e cada serviço, nas várias partes do mundo, tem tido condutas semelhantes, embora nem sempre iguais, baseadas no quadro clínico expresso em cada paciente e sua gravidade. Nos casos que se apresentam com critérios diagnósticos de DK clássica, tem sido indicada a terapia usual com gamaglobulina endovenosa (IVIG) e ácido acetilsalicílico (aspirina)2.




A IVIG deve ser prescrita na dose de 2g/kg com infusão prolongada em 10-12 horas. Pode ser fracionada em 2 ou mais dias, dependendo das condições hemodinâmicas do paciente.

A aspirina pode ser usada na dose de 80-100mg/kg/dia como anti-inflamatório não esteroidal inicialmente, mudando-se para dose 3-5mg/kg/dia (dose antiagregante plaquetária) após defervescência da febre2. Muitos serviços preconizam dose inicial menor da aspirina, de 30-50mg/kg/dia, enquanto outros recomendam a dose de 3-5mg/kg/dia já desde o início, uma vez que parece não existir alteração na evolução e no prognóstico das crianças com doença de Kawasaki com dose baixa, moderada ou alta da droga24.

Nos casos de DK incompleta, é de bom tom tratar desta mesma maneira. Muitos serviços têm indicado IVIG para MIS-C mesmo em casos que não preencham critérios para DK, uma vez que também é muito útil para casos de sepse e para situações com aumento importante de liberação de citocinas, como a SAM e casos graves de MIS-C. Nos casos recentes da DK que parecem estar temporalmente associados ao vírus SARS-CoV-2, tem-se observado acometimento cardíaco com grave disfunção miocárdica, que é descrito, mas não é usualmente encontrado na DK clássica. Nos casos de disfunção miocárdica grave de casos de DK que preencham critérios para MIS-C, recomenda-se que o tratamento seja mais abrangente, como veremos a seguir25-26.

O tratamento da MIS-C merece considerações especiais. Sempre que preencherem critérios para DK completa ou incompleta, o tratamento acima mencionado deve ser iniciado. Muitos pacientes chegam graves, hipotensos, com vasoplegia periférica e desidratados. Reposição hidroeletrolítica imediata deve ser realizada e, pelo menos enquanto não há certeza do diagnóstico e pela semelhança com quadros de sepse, antibioticoterapia deve ser iniciada. Na maioria das vezes, o uso de drogas inotrópicas se faz necessário e estes pacientes geralmente deverão ser internados em unidades de terapia intensiva22,23.

Nos casos leves de MIS-C (dano mínimo de algum órgão, sem necessidade de suporte respiratório) a indicação de terapia de suporte inicial, que poderá ser alterada na dependência da piora da evolução clínica, muitas vezes é suficiente para os pacientes. Considerar o uso de corticosteroide na existência de comprometimento miocárdico, ainda que mínimo. Nos casos leves, pode ser indicada a dose de 2mg/kg/dia de metilprednisolona dividida em 3 a 4 vezes, com redução progressiva em 2-3 semanas (2mg/kg/dia → 1mg/kg/dia → 0,5mg/kg/dia)25,26.

Casos moderados de MIS-C (lesão de um ou mais órgãos de forma leve e necessidade de algum tipo de suporte respiratório) e graves (dano moderada ou severo em vários órgãos, hipotensão, insuficiência respiratória e disfunção ventricular) devem ser manejados, como descrito acima, com IVIG e aspirina, e também com corticosteroide via endovenosa. Para os casos mais graves, é indicado o uso de metilprednisolona em forma de pulsoterapia na dose de 30mg/kg/dia por 3 dias, e nos casos moderados 10-20mg/kg/dia por 1-3 dias. Em ambos os casos deve-se prescrever uma dose de manutenção de 2mg/kg/dia após o período de pulsoterapia. Casos refratários a duas doses de IVIG e corticosteroides podem necessitar de agentes biológicos (anti IL-1, anti IL-6 ou anti-TNF) pois, nestes casos, deve estar ocorrendo uma liberação exacerbada de citocinas (tempestade de citocinas). O uso de anticoagulação nestes pacientes ainda é objeto de controvérsias. Eles têm uma tendência maior a apresentar fenômenos tromboembólicos e a dosagem do D-dímero costuma ser muito elevada. Casos de MIS-C leves a moderados podem ser manejados com dose profilática de enoxaparina e, casos mais graves, com dose terapêutica, embora não haja nenhum consenso sobre o seu uso25. A anticoagulação deve ser avaliada individualmente, levando em consideração o risco de sangramento.

A evolução clínica dos pacientes precocemente tratados tem se mostrado favorável. A recuperação da função do ventrículo esquerdo é muito frequente e ocorre com poucos dias de tratamento26.


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1. Hospital Universitário Antônio Pedro - Universidade Federal Fluminense. Reumatologia Pediátrica
2. Universidade Estácio de Sá. Pediatria
3. Hospital Universitário Antônio Pedro - Universidade Federal Fluminense. Pediatria
4. Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Reumatologia Pediátrica
5. Hospital Universitário Pedro Ernesto - Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Reumatologia Pediátrica

Endereço para correspondência:
Leonardo Rodrigues Campos
Hospital Universitário Antônio Pedro
Rua Marquês de Paraná, nº 303, Centro
Niterói - RJ. Brasil. CEP: 24033-900
E-mail: camposlr@gmail.com

Data de Submissão: 23/06/2020
Data de Aprovação: 24/06/2020