ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Ponto de Vista - Ano 2020 - Volume 10 - Número 2

Quem está olhando pela saúde mental das crianças brasileiras durante a pandemia?

Who is looking after the Brazilian children's mental health during pandemic?

RESUMO

Um novo coronavírus surgiu e em pouco tempo alterou totalmente a dinâmica social no mundo inteiro. O sofrimento decorrente do isolamento social impôs a todos a necessidade de adaptação. Mas, e as crianças, como estão inseridas nesse cenário? Afastadas da escola, confinadas dentro de casa sem a convivência com outras crianças, elas estão sofrendo as consequências tanto quanto os adultos. No entanto, na maioria dos casos, crianças não manifestam os sintomas graves da doença COVID-19. Por esta razão os olhares da saúde estão voltados aos grupos de risco, o que faz com que as crianças estejam esquecidas. Contudo, o impacto do isolamento sobre a saúde mental pode ser devastador na infância, e pouco, ou quase nada, se fala sobre isso. A rotina das famílias mudou, as aulas agora são online, não há lazer, atividades físicas como antes, nem contato com amigos, impactando diretamente no estado emocional das crianças. É certo que o isolamento causará reflexos tanto físicos quanto mentais em nossas futuras gerações, mas quem está olhando por elas agora? Como poderemos evitar consequências maiores? É urgente a necessidade de pensarmos sobre isso e de buscarmos respostas a essas perguntas.

Palavras-chave: Saúde Mental, Infecções por Coronavírus, Criança.

ABSTRACT

A new coronavirus has emerged and in a short time it has totally changed social dynamics worldwide. The suffering resulting from social isolation imposed the need for adaptation on all. But what about children, how are they inserted in this scenario? Away from school, confined within the home without living with other children, they are suffering the consequences as much as adults. However, in most cases, children do not have severe symptoms of COVID-19. For this reason, health looks at risk groups, which causes children to be forgotten. However, the impact of isolation on mental health can be devastating in childhood, and almost not talked about it. The family routine has changed, classes are now online, there is no leisure, physical activities as before, nor contact with friends, directly impacting the childrens emotional state. It is certain that isolation will cause both physical and mental reflexes in our future generations, but who is watching over them now? How can we avoid greater consequences? There is an urgent need to think about this and to seek answers to these questions.

Keywords: Mental Health, Coronavirus Infections, Child.


Pouco se fala das crianças durante a pandemia mundial causada pelo novo coronavírus. Elas não fazem parte do grupo de risco da COVID-19 (coronavirus disease), raramente desenvolvem sintomas graves da doença. Até o dia 22 de junho de 2020, dados do Ministério da Saúde apontam que 2.717 (2,11%) crianças e adolescentes entre zero e 19 anos de idade foram hospitalizadas em decorrência da síndrome respiratória aguda causada por um coronavírus (SARS-CoV-2)1. O olhar, e os números, identificam os danos à saúde física. Perdidas em meio a mudança de rotina imposta bruscamente pelo isolamento social, as crianças sofrem em silêncio. Em raras publicações que abordam o assunto fala-se das crianças terem uma maior capacidade de se adaptar à crise. Será mesmo que são mais resilientes?

O estresse tomou conta das famílias, pais tiveram que repensar o modo de viver. Trabalho, lazer e afazeres domésticos se misturam no decorrer do dia. Tempo e espaço adquiriram um novo significado. Reuniões de trabalho e aulas on-line ocorrem simultaneamente onde antes era refúgio. Em meio ao caos, as crianças buscam seu espaço. Foram privadas do convívio físico de amigos, familiares e professores. Percebem nos olharem aflitos dos adultos a gravidade da situação que vivemos. Será que estão sendo ouvidas?

Em um primeiro momento ficaram aliviadas por não precisarem acordar cedo para ir à escola. Com o passar dos dias se angustiam pelas horas que demoram a passar, pelo confinamento que as impede de jogar bola, andar de bicicleta e pular amarelinha. Estão tolhidas do direito de serem crianças. Qual será a repercussão no futuro?

O ambiente escolar, antes um lugar de convívio e troca de experiências reais, passou a ser virtual. A distância da sala de aula impôs mais uma adaptação à população pediátrica. São horas em frente a uma tela de computador, por vezes de forma passiva, como um expectador. Pouco se questiona sobre o aumento do tempo de tela a que as crianças são submetidas diariamente ao assistirem aulas on-line. Tempo este, que claramente vai contra as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)2, conforme consta no documento de alerta publicado em março deste ano. Órgãos públicos responsáveis pela educação ditam as regras práticas. Escola, professores e pais discutem entre si como se ajustar à nova realidade. Não há dúvidas de que todos sentem-se pressionados3. Adultos têm demonstrado dificuldade em se concentrar, focar em atividades diárias e produzir no trabalho. Será que não está se exigindo algo das crianças que nem mesmo os adultos estão sendo capazes de fazer?

A Organização das Nações Unidas publicou em 17 de abril de 2020 um alerta em que faz um apelo para que se preserve o bem-estar das crianças4. Países que estão à frente do Brasil na pandemia já discutem o impacto emocional nas crianças em decorrência do isolamento social. Itália e Espanha, nações que contabilizaram altos números de óbitos pela COVID-19, começam a perceber a repercussão que a pandemia teve na população infantil, esquecida em grande parte da crise. Consequências imediatas, como alteração no sono e no humor, são observadas. A repercussão a longo prazo é discutida por educadores, médicos e pais: hiperatividade, agitação, apatia e depressão. Na Espanha, cinco semanas após o início do isolamento, os prejuízos já eram observados, o que fez com que o governo orientasse que crianças saíssem de suas casas por um período diário. Uma pesquisa divulgada ainda em abril pela Organização Não Governamental Save the Children constatou que 1 em cada 6 crianças espanholas sentiu-se frequentemente deprimida durante o isolamento5. Falar de depressão na infância infelizmente ainda é um tabu. Crianças ficam deprimidas?

É fato que as crianças estão sofrendo as consequências dessa pandemia tanto quanto os adultos, no entanto, muitas vezes, sua saúde mental é negligenciada. Muitas não compreendem a necessidade do isolamento social, e mesmo as que entendem sua importância, sofrem com o distanciamento físico a que foram impostas. Sentem medo de morrer e de perder pessoas queridas. Pouco são convidadas a falar e opinar sobre assuntos que dizem respeito a seu cotidiano, tão modificado atualmente. Sua segurança está em risco, visto que as comunidades em confinamento favorecem o aumento dos níveis de estresse das famílias, o que pode tornar as crianças tanto vítimas como testemunhas de violência doméstica e abusos. A grande maioria das pesquisas sobre o impacto do isolamento social ou solidão na saúde provém de estudos internacionais. Ainda, a maioria desses estudos são realizados com enfoque na população idosa.

Como traçar um plano de ação no cuidado da saúde emocional das crianças se não soubermos qual o cenário atual? Será que pais e educadores sabem identificar sinais precoces de alteração na saúde mental das crianças? O único caminho capaz de responder a esses questionamentos é o da reflexão. É urgente que se possa tirar as crianças da invisibilidade em que foram colocadas. Não há dúvidas de que repercussões físicas e emocionais irão ocorrer em meio a um isolamento social jamais vivido por grande parte das gerações atuais. No entanto, se não houver um olhar cuidadoso, nossas crianças irão pagar um alto preço em um futuro próximo. Quem está olhando pela saúde mental das crianças brasileiras?


REFERÊNCIAS

1. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Vigilância em Saúde. Boletim epidemiológico especial – Doença pelo Coronavírus COVID-19 - Número 19 [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2020; [acesso em 2020 Jun 22]. Disponível em: http://saude.gov.br/images/pdf/2020/June/25/Boletim-epidemiologico-COVID-19-2.pdf

2. Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento. Pais e filhos em confinamento durante a pandemia de COVID-19: nota de alerta [Internet]. Rio de Janeiro (RJ): SBP; 2020 Mar; [acesso em 2020 Jul 02]. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/22420c-NAlerta_Pais_e_Filhos_em_confinamento_COVID-19.pdf

3. Almeida RS, Brito AR, Alves ASM, Abranches CD, Wanderley D, Crenzel G, et al. Pandemia de COVID-19: guia prático para promoção da saúde mental de crianças e adolescentes. Resid Pediatr [Internet]. 2020; [citado 2020 Jul 02]; 10(2):1-4. Disponível em: http://residenciapediatrica.com.br/detalhes/444/pandemia%20de%20covid-19-%20guia%20pratico%20para%20promocao%20da%20saude%20mental%20de%20criancas%20e%20adolescentes

4. Organização das Nações Unidas (ONU). ONU alerta sobre impacto da COVID-19 nas crianças. ONU News [Internet]. 2020 Abr; [acesso em 2020 Abr 17]. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2020/04/1710752

5. Save the Children International. Children at risk of lasting psychological distress from coronavirus lockdown’: save the children [Internet]. London, UK: Save the Children International; 2020; [acesso em 2020 Jun 20]. Disponível em: https://www.savethechildren.net/news/%E2%80%98children-risk-lasting-psychological-distress-coronavirus-lockdown%E2%80%99-save-children










1. Faculdades Pequeno Príncipe, Professora do curso de Medicina - Curitiba/Paraná - Paraná - Brasil
2. Faculdades Pequeno Príncipe, Medicina - Curitiba - Paraná - Brasil

Endereço para correspondência:
Juliana Gomes Loyola Presa
Faculdade Pequeno Príncipe
Av. Iguaçu, nº 333, Rebouças
Curitiba - PR. Brasil. CEP: 80230-020
E-mail: julianadermatoped@gmail.com

Data de Submissão: 30/06/2020
Data de Aprovação: 03/07/2020