ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo de Revisao - Ano 2020 - Volume 10 - Número 2

Fatores determinantes de evolução grave e crítica da COVID-19 em crianças: revisão sistemática e metanálise

Determinant factors of serious and critical evolution of COVID-19 in children: systematic review and metanalysis

RESUMO

OBJETIVOS: Realizar revisão sistemática de fatores associados à evolução da infecção pelo SARS-CoV-2 para casos graves e críticos e hospitalização em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) na população pediátrica.
MÉTODOS: Pesquisa de artigos publicados em português, espanhol e inglês nas bases de dados SCOPUS em 2019/2020 e no Portal Regional da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) em 2020 até quatro e seis de julho de 2020, respectivamente. Utilizou-se os termos “COVID-19” and (“child” or “infant” or “newborns” or “preschool”). Para avaliar a qualidade dos estudos utilizou-se a escala de New Castle-Otawa e na análise estatística, o cálculo da Odds Ratio para os artigos e do valor médio pelos métodos de Mantel-Haenszel e de DerSimonian e Laird.
RESULTADOS: Dos 1.141 artigos iniciais, 13 foram selecionados para revisão sistemática e três para metanálise. O sexo masculino foi predominante. Prematuridade, doenças congênitas, comorbidades e predisposição genética foram descritas na evolução para quadros graves/críticos e internação em UTI e a idade inferior a um ano considerada fator de risco significante (OR=4,324 e IC=2,160; 8,656).
CONCLUSÃO: A evolução da COVID-19 para casos graves/críticos e a necessidade de internação em UTI é pouco frequente em crianças e em geral está associada à prematuridade, comorbidades, idade inferior a um ano e condições presentes ao nascimento.

Palavras-chave: Infecções por Coronavírus, Pandemias, Revisão Sistemática, Criança, Lactente, Fatores de Risco.

ABSTRACT

OBJECTIVES: To carry out a systematic review of factors associated with the evolution of SARS-CoV-2 infection to severe and critical cases and to hospitalization in Intensive Care Units (ICU) in the pediatric population.
METHODS: The search was conducted for articles published in Portuguese, Spanish and English in the SCOPUS databases during 2019/2020 and in the Regional Portal of the Virtual Health Library (VHL) in 2020 until July 4 and 6, 2020, respectively. The terms “COVID-19” and (“child” or “infant” or “newborns” or “preschool”) were used. To assess the quality of the studies, the New Castle-Ottawa scale was used and in the statistical analysis, the Odds Ratio calculation for articles was performed and it average value by the Mantel-Haenszel and DerSimonian and Laird methods.
RESULTS: Of the 1,141 initial articles, 13 were selected for systematic review and three for meta-analysis. Male gender was predominant. Prematurity, congenital diseases, comorbidities and genetic predisposition were described in the evolution to severe/critical conditions and admission to the ICU and the age under one year was considered a significant risk factor (OR=4.324 and CI=2.160; 8.656).
CONCLUSION: The COVID-19 evolution for severe/critical cases and the need for admission to the ICU is uncommon in children and is generally associated with prematurity, comorbidities, age under one year and conditions present at birth.

Keywords: Coronavirus Infections, Pandemics, Systematic Review, Child, Infant, Risk Factors.


INTRODUÇÃO

A infecção humana causada pelo SARS-CoV-2 (severe acute respiratory syndrome - related coronavirus 2), conhecida como coronavirus disease 2019 (COVID-19), foi diagnosticada pela primeira vez em Wuhan, na China, no final de 2019. Em 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o surto como uma emergência de saúde global e em março como pandemia, com proporções catastróficas e sem precedentes no mundo globalizado1.

Dados epidemiológicos têm demostrado que a COVID-19 acomete menos a faixa etária pediátrica e em geral cursa de forma mais branda do que em adultos. Em crianças a doença pode ser classificada segundo a gravidade em: (1) Infecção assintomática: sem sinais e sintomas clínicos ou alterações radiológicas, mas com exames laboratoriais positivos para o vírus; (2) Leve: sintomas de infecção aguda de vias aéreas superiores, incluindo febre, fadiga, tosse, dor de garganta, espirros e coriza nasal com congestão faríngea, mas ausculta normal. Pode apresentar sintomas digestivos (náusea, vômitos, dor abdominal ou diarreia) ou ser afebril; (3) Moderada: pneumonia, inicialmente com tosse seca evoluindo para produtiva, ausculta com sibilos e estertores. Pode ser assintomática e apresentar alterações pulmonares à tomografia computadorizada (TC); (4) Severa: início precoce dos sintomas respiratórios evoluindo com dispneia, cianose central e outros sinais de hipóxia (SatO2 <92%). Sintomas gastrointestinais podem estar presentes; (5) Crítica: progressão rápida para síndrome da angústia respiratória grave (SARG), falência respiratória, podendo haver choque, encefalopatia, lesão miocárdica, insuficiência cardíaca, distúrbios da coagulação e insuficiência renal aguda2.

Embora a evolução para formas graves e complicações na população pediátrica sejam pouco frequentes, podem ocorrer e causar importantes prejuízos sociais e econômicos, tornando-se imperativo identificar suas causas. Portanto, o objetivo deste estudo é realizar uma revisão sistemática e metanálise dos fatores associados à evolução para formas grave/crítica e hospitalização em Unidades de Terapia Intensiva (UTI), gravidade e complicações em crianças infectadas pelo SARS-CoV-2.


MÉTODOS

Estratégia de busca


Realizou-se a busca de artigos nas bases de dados SCOPUS (https://www.scopus.com/) e do Portal Regional da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS: https://bvsalud.org/) que congrega as bases MEDLINE, LILACS, IBECS, Recursos Multimídia, Localizador de Informação em Saúde (LIS), Coleciona SUS, WHO IRIS, PAHO-IRIS, CONASS, SES-GO, BISSAL, BINACIS, ARGMSAL, UNISALUD e LIPECS.

Foi formulada a pergunta a partir da estratégia PICO (População, Interesse, Comparação, Desfecho; Outcome): “Em crianças, quais fatores determinantes de evolução grave e crítica da COVID-19?” Em seguida, para a pesquisa nas bases de dados foram utilizados os seguintes operadores boleanos: “COVID-19” and (“child” or “infant” or “newborns” or “preschool”). Foi utilizado o filtro de idioma, selecionando artigos publicados em inglês, espanhol e português. Na base SCOPUS foram selecionados ainda filtros para publicações de 2020 e os assuntos “medicine”, “Immunology and Microbiology”, “Biochemistry”, “Genetics and Molecular Biology”, “Nursing”, “Pharmacology, Toxicology and Pharmaceutics” e “Neuroscience”. Tanto na BVS quanto na SCOPUS foi fixada a data de procura aos artigos que houvessem sido incluídos até a data de 04 e de 06 de julho de 2020, respectivamente.

A seleção dos estudos foi feita pelos pesquisadores de forma independente e a permanência ou retirada dos artigos selecionados para a análise final foi decidida em reunião com todos os autores da presente revisão.

Critérios de elegibilidade

Foram incluídos artigos publicados nos anos de 2019 e 2020 na base BVS e do ano de 2020 na SCOPUS que se referissem: (1) aos casos de COVID-19 classificados como graves e/ou críticos na população pediátrica e (2) quanto ao delineamento, os estudos de coorte (retrospectivos e prospectivos), caso-controle, transversais, relatos de caso, série de casos ensaios clínicos e artigos de referência das revisões sistemáticas selecionadas.

Foram excluídos: (1) as publicações em que não houvesse concordância com o tema, que não fossem artigos científicos; (2) que não apresentassem casos graves e/ou críticos ou os fatores associados à gravidade e a quadros críticos em crianças; (3) estudos com casos de gravidade sem confirmação diagnóstica de COVID-19; (4) artigos retidos da rede (retirados de circulação); e (5) estudos com populações não pediátricas.

Extração de dados

Utilizou-se uma planilha elaborada no software Microsoft Excel versão 2019 (Microsoft Office 365 ProPlus, Redmond-WA, EUA) para extração dos seguintes dados: nome do artigo, base de dados, autor, data de publicação, delineamento do estudo, tamanho da amostra, idade/idade média, local/população em estudo, período de prevalência, prevalência de COVID-19, prevalência de hospitalizações e complicações referentes à COVID-19, critérios de internação e classificação de gravidades, outros dados importantes observados e link do artigo.

Além disso, foram verificadas as referências dos artigos de base de revisão sistemática para que não houvesse o viés de duplicação de dados. A qualidade metodológica dos artigos transversais selecionados foi avaliada pela Escala de New Castle-Otawa modificada para estudos transversais por dois dos autores da presente revisão e, em seguida, foi realizada a metanálise.

Análise estatística

A partir dos estudos transversais incluídos na análise foi realizada extração dos dados e criação de variável de exposição categórica a partir da classificação dicotomizada em indivíduos portadores de comorbidades e/ou fatores associados ou não, sendo os desfechos considerados “internação em UTI” ou “quadro grave/crítico da doença”. Após avaliação dos artigos, identificou-se que a “idade <1 ano” como fator associado ao desfecho foi o dado descrito com maior qualidade, motivo pelo qual foi o único que recebeu tratamento estatístico. Após as devidas classificações, procedeu-se o cálculo da medida de associação Odds Ratio de cada estudo e metanálise a partir da combinação dos dados sob efeito fixo pelo método de Mantel-Haenszel e pelo método de efeito aleatório de DerSimonian e Laird. Foi realizado o cálculo da medida de inconsistência (I2) para avaliação da heterogeneidade dos resultados. A tabulação foi feita no programa Microsoft Excel© e as análises estatísticas no software MedCalc©, ao nível de significância de 5%3.


RESULTADOS

Inicialmente foram identificados 1.141 artigos, dos quais 693 na base de dados BVS e 448 na SCOPUS. Após a retirada de artigos em duplicata e que não preenchessem os critérios de elegibilidade e da inclusão de um artigo de base, dez publicações foram selecionadas para o processo de revisão sistemática: um artigo que estava nas bases MEDLINE e SCOPUS simultaneamente, cinco na BVS e MEDLINE e quatro na SCOPUS. Quanto ao desenho, foram quatro estudos transversais, dois relatos de caso, três séries de casos e um relatório (Figura 1).


Figura 1. Seleção dos artigos incluídos na análise.



Conforme observado na Tabela 1, nas publicações selecionadas o número de participantes variou de uma a 2.572 crianças. Cinco estudos foram realizados na China, dois nos Estados Unidos (EUA), um na Inglaterra, um na Itália e um com população dos EUA e Canadá. A população masculina foi predominante nos relatos de caso3,4 e nas duas séries de casos representou 80% da amostra de um estudo5 e 56% de outro6. Nos estudos transversais a proporção de participantes do sexo masculino variou de 75% a 52%2,7,8,9. Por sua vez, a maior parcela de pacientes graves com comorbidades foram do sexo feminino no estudo de Ng et al.10 (2%) e de Garazzino et al. (59,9%)11.




Comorbidades e complicações foram mais frequentes em menores de um ano de idade. Quanto aos relatos de casos, um se refere a uma criança de oito meses3 e outro a uma criança com seis semanas4. Em uma série de casos a idade variou de três meses a 14 anos6 e outra de dois meses a 5,6 anos5. No relatório semanal, de zero a 17 anos8. No estudo de Garazzino et al.12. Os participantes tinham idades entre um dia e 17,7 anos11, de Shekerdemian et al.10 entre 4,2 a 16,6 anos9, de Sun et al. dois meses a 15 anos7, de Ng et al. cinco dias a 12 meses10 e Dong et al.2 entre um dia e 18 anos2.

Analisando-se complicações, hospitalizações em UTI e/ou casos graves e críticos, observou-se que no estudo de Garazzino et al., 33 (19,6%) desenvolveram complicações e dois necessitaram de internação em UTI11. O estudo de Shekerdemian et al.10, realizado apenas com crianças que receberam tratamento em UTI, relatou 33 (68,75%) casos graves/críticos9 e Sun et al. apresentaram dados de oito crianças internadas em UTI, das quais cinco casos graves e três críticos7.

No estudo de Ng et al., dentre oito crianças, duas necessitaram internação em UTI10, enquanto Dong et al.2 relataram que dentre 728 casos confirmados, 18 (2,5%) foram classificados como graves e três (0,4%) como críticos2. Na série de casos de Zheng et al. dois casos (8%) foram considerados críticos6 e na de Cai et al., dois (40%)5 casos graves e dois críticos (40%). No relatório semanal de Bialek et al. dos 15 admitidos em UTI, cinco eram crianças com menos de um ano8. Um relato apresentou um caso de doença crítica3 e outro de evolução atípica grave4.

Garazzino et al. identificaram como fatores associados à internação em UTI a prematuridade e cardiopatia congênita11. Shekerdemian et al. verificaram que 41 (85%) participantes com comorbidades prévias tinham histórico de dependência por longo prazo de suporte vital tecnológico e anomalias genéticas/atrasos no desenvolvimento (40%), imunossupressão/malignidade (23%), obesidade (7%), diabetes (8%), convulsões (6%) e cardiopatias congênitas (6%), entre outras9.

O estudo de Sun et al.8 evidenciou que, dentre três pacientes críticos, um possuía leucemia linfoide aguda7. Crianças que necessitaram internação em UTI apresentavam cardiopatia congênita na série de casos de Zheng et al., enquanto no estudo de Ng et al.10 a complicação ocorreu em um recém-nascido pré-termo. Menores de um ano apresentaram gravidade em dois documentos2,8 e um relato de caso4.

Em pacientes que evoluíram com gravidade ou casos críticos foram relatados intussuscepção, apendicite perfurada, lesão cerebral traumática, hidronefrose, nefrolitíase e coinfecção com rotavírus6, histórico de cirurgia para cardiopatia congênita, desnutrição e doença metabólica hereditária5. Bialek et al., descreveram crianças com doença pulmonar crônica, cardiopatia e imunossupressão8. No caso relatado por Qiu et al. a criança apresentava história de cirurgia cardíaca, pneumonias prévias, restrição de crescimento e desnutrição (inflamação crônica)3.

Um relato de caso aponta evolução atípica semelhante à doença de Kawasaki (DK). De uma menina com seis meses de idade diagnosticada com DK clássica e testou positivo para COVID-1912. Em uma publicação não incluída na análise pelos critérios de elegibilidade relata o caso de menino de seis anos que testou positivo para coronavírus e clinicamente atendeu aos critérios de DK incompleta associada à hipotensão13.

Foi descrito também na literatura um surto de DK na França com aumento de 13 vezes na incidência de DK em oito dias, comparado aos ocorridos em 2 anos anteriores. Das 17 crianças com DK, 14 apresentaram anticorpos da classe IgG positivos para SARS-CoV-214. Todos tiveram sintomas digestivos precedendo o quadro e apenas seis com história recente de infecção respiratória aguda. Os autores apontam ainda possível predisposição genética, visto que 60% eram procedentes da África subsaariana ou Caribe e 12% da Ásia.

Outras complicações observadas nas crianças com quadros graves e críticos pode-se citar a pneumonia intersticial, SARG, vasculite periférica11, choque séptico3,5,7, disfunção orgânica múltipla (DOM)5,7,9, gastroenterite7, apneias recorrentes, injúria renal aguda3, quadros neurológicos4, infecção bacteriana secundária6, importantes alterações laboratoriais3,5,6,7 e óbitos5,9 (Tabela 1).

Utilizou-se a Escala de Avaliação da Qualidade Newcastle-Ottawa adaptada para os estudos transversais. Esta escala considera: seleção dos participantes, comparabilidade e resultado, sendo que cada um destes critérios recebe, no máximo, cinco, duas e três estrelas, respectivamente. Entre os estudos elegíveis três foram considerados de boa qualidade metodológica2,9,11 e um com baixa qualidade7 metodológica (Tabela 2).





Crianças menores de um ano de idade evidenciaram porcentagens maiores de quadros graves/críticos ou internação em UTI (Tabela 3). Esta faixa etária pode ser considerada como fator de risco para esses desfechos na análise individual do estudo de Bialek et al.9 (OR=3,706 e IC=1,237-11,102) e Dong et al.2 (OR=4,324 e IC=1,689-11,069), assim como na metanálise dos três estudos avaliados (figura 2) considerando-se os modelos de efeito fixo (OR=4,324 e IC=2,160-8,656) e efeito variável (OR=4,201 e IC=2,097-8,419), apesar dos amplos IC.




Figura 2. Associação entre idade <1 ano e formas graves/críticas ou internação em UTI por Covid-19.



DISCUSSÃO

O presente estudo observou que a maioria dos casos graves e/ou com complicações de COVID-19 ocorre em crianças menores de um ano de idade, faixa etária que necessitou também mais hospitalizações e internações em unidades de terapia intensiva (UTI)5,6,10,11,12. A razão para isso ainda não é claramente elucidada, embora um estudo multicêntrico realizado na Itália tenha justificado que o alto número de crianças menores de um ano (40%) em sua amostra pudesse refletir uma maior tendência entre as famílias de procurarem atendimento médico para crianças mais novas, além de maior propensão dos médicos para admiti-las em hospitais11.

Corroborando esse achado, dois relatos de caso descreveram acometimento de crianças menores de um ano3,4, enquanto no estudo de Garazzino et al.11 a criança tinha oito meses de idade e apresentava diversas comorbidades como cirurgia neonatal cardíaca, pneumonias prévias, distúrbio de crescimento e má nutrição, fatores contribuintes para um estado inflamatório crônico no paciente3.

Estudo transversal norte-americano também constatou que 80% dos pacientes admitidos na UTI apresentavam comorbidades, das quais duas crianças tiveram DOM e vieram a óbito, uma delas apresentando sepse por bactéria gram-negativa previamente à infecção por SARS-CoV-29.

Outro fator de risco associado a quadro graves pediátricos de COVID-19 relatado foi a prematuridade10. Em estudo retrospectivo, um prematuro de 34 semanas nascido por parto cesárea emergencial, em decorrência de diagnóstico materno de COVID-19, necessitou de internação em UTI aos cinco dias de vida. Apresentava diminuição da amamentação, letargia e icterícia, evoluindo com apneia e queda na saturação de oxigênio, ou seja, um quadro grave decorrente da prematuridade associada à infecção por SARS-CoV-210.

No estudo de Zheng et al.6, 25 crianças foram diagnosticadas com COVID-19, a maioria previamente saudável. No entanto, duas crianças (8%) evoluíram para estado crítico, sendo internadas em UTI, ambas apresentando histórico de correção cirúrgica de cardiopatia congênita, uma delas também má nutrição e suspeita de doença metabólica hereditária6. Enquanto em adultos e idosos os fatores de risco associados à gravidade estão em geral ligados a doenças crônico-degenerativas em crianças, por sua vez, destacam-se doenças congênitas, embora a obesidade possa ser um fator de risco para crianças mais velhas9.

Por outro lado, em estudo reportando cinco casos pediátricos de COVID-19 dois pacientes apresentaram estado crítico e possuíam condições subjacentes: intussuscepção, infecção por rotavírus, hidronefrose e cálculo renal. Porém, outros dois pacientes também apresentavam comorbidades (apendicite aguda complicada, hemorragia subdural em consequência de lesão cerebral) e não desenvolveram quadro crítico, desconhecendo-se o motivo pelo qual não evoluíram com gravidade5.

Quanto ao quadro clínico relacionado à gravidade, um relato de caso descreve características críticas típicas, incluindo febre alta, choque séptico, apneia recorrente, hematúria grave, hipofibrinogenemia, linfopenia e lesão renal aguda. A manifestação clínica inicial foi choque séptico, semelhante aos adultos3.

Entretanto, os demais estudos descrevem características clínicas de gravidade pouco frequentes em adultos tais como repercussões neurológicas (olhar sustentado para cima, extensão distônica bilateral das pernas e responsividade alterada e encefalopatia tóxica)4,7; aumento da enzima desidrogenase lática (DHL), hiponatremia, infecção bacteriana secundária6, choque séptico, DOM, intussuscepção, coagulação intravascular disseminada (CIVD), cálculo renal, hidronefrose, insuficiência cardíaca, coagulopatia, hipoglobulinemia e gastroenterite7. Além disso, foram descritos distúrbios gastrointestinais como sintomas iniciais, enquanto nos casos graves em adultos, em geral, são respiratórios5.

Quanto à necessidade de suporte ventilatório, em estudo transversal dos 81% dos pacientes admitidos em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP), 44% foram tratados de forma não invasiva, 38% necessitaram de ventilação endotraqueal ou traqueostomia e 13% de intervenções ventilatórias adjuvantes ou terapias extracorpóreas9.

Há relatos na literatura que sugerem que a infecção pelo novo coronavírus possa desencadear uma resposta imune semelhante à DK. O conhecimento da possibilidade de ocorrência destas formas atípicas de apresentação possibilita o encaminhamento precoce dos pacientes acometidos para os cuidados terciários15.

Existem algumas hipóteses que explicam a menor gravidade da COVID-19 em crianças, como: baixa prevalência de comorbidades16 e diferenças no sistema imunológico entre crianças e adultos. Além de possuírem uma resposta imune inata mais forte, as crianças não apresentam uma exagerada liberação de citocinas na resposta pró-inflamatória, como acontece nos adultos, fato importante para o desenvolvimento de sintomas severos da COVID-1917,18.

Outras hipóteses seriam o maior contato das crianças com outros coronavírus, ocorrendo uma resposta imune cruzada, e uma maior colonização da mucosa nasal por vírus e bactérias, o que poderia limitar o crescimento de outro microrganismo, como o SARS-CoV-219. Também, o fato de que em crianças a enzima conversora de angiotensina (ECA2), que funciona como porta de entrada do vírus na célula e possui papel na patogênese da COVID-19, é mais imatura. Corroborando para quadros menos graves na faixa etária pediátrica20,21.

É importante destacar que o presente estudo, embora apresente dados relevantes, possui algumas limitações: devido à descoberta recente da doença, mesmo diante do grande número de publicações, existem poucos estudos com dados primários sobre os quadros graves/críticos e do tipo coorte e casos-controle na população pediátrica. Na grande maioria os estudos são transversais e relatos de caso, limitando o estabelecimento de evidências mais sólidas a partir da metanálise com relação a associação da doença com os fatores envolvidos.

Além disso, apesar de destacarem as características de base dos pacientes diagnosticados com a doença, a maior parte dos estudos não aborda fatores associados a complicações e evolução para gravidade, inclusive por serem eventos menos frequentes na população pediátrica e o que o presente estudo tinha como objetivo avaliar.

Apesar dos resultados serem significativos, nota-se que os intervalos de confiança possuem grande amplitude, diminuindo a força da associação. Nesse sentido, uma metanálise com maior número de estudos e com amostras maiores poderá, no futuro, trazer melhores evidências.


CONCLUSÃO

Enfim, a revisão sistemática demonstrou maior chance de evolução para as formas graves/críticas e para a necessidade de internações em UTI em crianças com doenças congênitas, comorbidades e prematuros, enquanto a metanálise evidenciou maior chance de evolução para esse desfecho em crianças menores de um ano de idade. É imprescindível a realização de novos estudos com destaque para esses fatores, visando aumentar a força da evidência e ampliação do conhecimento científico a respeito da COVID-19 na faixa etária pediátrica.


REFERÊNCIAS

1. Nussbaumer-Streit B, Mayr V, Dobrescu AI, Chapman A, Persad E, Klerings I, et al. Quarantine alone or in combination with other public health measures to control COVID-19: a rapid review. Cochrane Database Syst Rev. 2020 Abr;4(4):CD013574. DOI: https://doi.org/10.1002/14651858.CD013574

2. Dong Y, Mo X, Hu Y, Qi X, Jiang F, Jianget Z, et al. Epidemiology of COVID-19 among children in China. Pediatrics. 2020 Jun;145(6):e20200702. DOI: https://doi.org/10.1542/peds.2020-0702

3. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Ciência e Tecnologia. Diretrizes Metodológicas: elaboração de revisão sistemática e metanálise de estudos observacionais comparativos sobre fatores de risco e prognóstico. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2014.

4. Qiu L, Jiao R, Zhang A, Chen X, Ning Q, Fang F, et al. A case of critically ill infant of coronavirus disease 2019 with persistent reduction of T lymphocytes. Pediatr Infect Dis J. 2020;39(7):e87-e90. DOI: https://doi.org/10.1097/INF.0000000000002720

5. Dugue R, Cay-Martínez KC, Thakur KT, Garcia JA, Chauhan LV, Williams SH, et al. Neurologic manifestations in an infant with COVID-19. Neurology. 2020 Jun;94(24):1100-2. DOI: https://doi.org/10.1212/WNL.0000000000009653

6. Cai X, Ma Y, Li S, Chen Y, Rong Z, Li W. Clinical characteristics of 5 COVID-19 cases with non-respiratory symptoms as the first manifestation in children. Front Pediatr. 2020 Mai;8:258. DOI: https://doi.org/10.3389/fped.2020.00258

7. Zheng F, Liao C, Fan QH, Chen HB, Zhao XG, Xie ZG, et al. Clinical characteristics of children with coronavirus disease 2019 in Hubei, China. Curr Med Sci. 2020;40(2):275-80. DOI: https://doi.org/10.1007/s11596-020-2172-6

8. Sun D, Li H, Lu X, Xiao H, Ren J, Zhang F, et al. Clinical features of severe pediatric patients with coronavirus disease 2019 in Wuhan: a single center’s observational study. World J Pediatr. 2020;16:251-9. DOI: https://doi.org/10.1007/s12519-020-00354-4

9. Bialek S, Gierke R, Hughes M, McNamara LA, Pilishvili T, Skoff T. Coronavirus disease 2019 in children — United States, February 12–April 2, 2020. Morb Mortal Wkly Rep. 2020 Abr;69(14):422-6.

10. Shekerdemian LS, Mahmood NR, Wolfe KK, Riggs BJ, Ross CE, McKiernan CA, et al. Characteristics and outcomes of children with coronavirus disease 2019 (COVID-19) infection admitted to US and Canadian Pediatric Intensive Care Units. JAMA Pediatr. 2020 May 11; [Epub ahead of print]. DOI: https://doi.org/10.1001/jamapediatrics.2020.1948

11. Ng KF, Bandi S, Bird PW, Wei-Tze TJ. COVID-19 in neonates and infants: progression and recovery. Pediatr Infect Dis J. 2020 Jul;39(7):e140-2. DOI: https://doi.org/10.1097/INF.0000000000002738

12. Garazzino S, Montagnani C, Donà D, Meini A, Felici E, Vergine G, et al. Multicentre Italian study of SARS-CoV-2 infection in children and adolescents, preliminary data as at 10 April 2020. Euro Surveill. 2020;25(18):2000600. DOI: https://doi.org/10.2807/1560-7917.ES.2020.25.18.2000600

13. Jones VG, Mills M, Suarez D, Hogan CA, Yeh D, Segal JB, et al. COVID-19 and Kawasaki Disease: novel virus and novel case. Hosp Pediatr. 2020 Jun;10(6):537-40. DOI: https://doi.org/10.1542/hpeds.2020-0123

14. Rivera-Figueroa EI, Santos R, Simpson S, Garg P. Incomplete Kawasaki disease in a child with Covid-19. Indian Pediatr. 2020 May 9; [Epub ahead of print].

15. Toubiana J, Poirault C, Corsia A, Bajolle F, Fourgeaud J, Angoulvant F, et al. Outbreak of Kawasaki disease in children during COVID-19 pandemic: a prospective observational study in Paris, France. medRxiv. 2020 May 14; [Epub preprint]. DOI: https://doi.org/10.1101/2020.05.10.20097394

16. Rauf A, Vijayan A, John ST, Krishnan R, Latheef A. Multisystem inflammatory syndrome with features of atypical Kawasaki disease during COVID-19 pandemic. Indian J Pediatr. 2020 May 28; [Epub ahead of print]. DOI: https://doi.org/10.1007/s12098-020-03357.-1

17. Zhou F, Yu T, Du R, Fan G, Liu Y, Liu Z, et al. Clinical course and risk factors for mortality of adult inpatients with COVID-19 in Wuhan, China: a retrospective cohort study. Lancet. 2020;395(10229):1054-62. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30566-3

18. Mehta P, McAuley DF, Brown M, Sanchez E, Tattersall RS, Manson JJ. COVID-19: consider cytokine storm syndromes and immunosuppression. Lancet. 2020;395(10229):1033-4. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30628-0

19. Valiathan R, Ashman M, Asthana D. Effects of ageing on the immune system: infants to elderly. Scand J Immunol. 2016 Abr;83(4):255-66.

20. Gonzalez AJ, Ijezie EC, Balemba OB, Miura TA. Attenuation of Influenza A virus disease severity by viral coinfection in a mouse model. J Virol. 2018;92(23):e00881-18.

21. Wrapp D, Wang N, Corbett KS, Goldsmith JA, Hsieh CL, Abiona O, et al. Cryo-EM structure of the 2019-nCoV spike in the prefusion conformation. Science. 2020 Mar;367(6483):1260-3.










1. Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Medicina - Goiânia - GO - Brasil
2. Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Faculdade de Medicina - Goiânia - GO - Brasil

Endereço para correspondência:
Vinícius da Silva Oliveira
Universidade Federal de Goiás, Faculdade de Medicina
Câmpus Colemar Natal e Silva (Câmpus I) - R. 235, s/n - Setor Leste Universitário
Goiânia, GO, Brasil. CEP: 74605-050
E-mail: vinicius-bk@live.com

Data de Submissão: 05/07/2020
Data de Aprovação: 08/07/2020