ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2021 - Volume 11 - Número 1

Teratoma maduro de ovário em uma adolescente

Mature ovary teratoma in an adolescent

RESUMO

Os tumores de ovário, apesar de raros na infância, devem ser considerados em meninas com dor em região hipogástrica, massa abdominal ou puberdade precoce. Os sintomas não são esclarecedores na distinção entre massas benignas (teratomas maduros) e malignas (teratomas imaturos) e por isso é necessário estabelecer correto diagnóstico para, sempre que possível, preservar a fertilidade da paciente. Paciente de 11 anos, apresentando massa palpável dolorosa em fossa ilíaca direita, compatível com teratoma maduro. Devido à raridade do diagnóstico e idade precoce da paciente foi desafiador definir a melhor conduta, optando-se por exérese tumoral com ooforectomia direita e salpingectomia ipsilateral. Espera-se que esse caso motive novos estudos sobre o tema.

Palavras-chave: Teratoma, Ovário, Neoplasias Ovarianas.

ABSTRACT

Ovarian tumors are rare in childhood and, despite this, should always be considered in girls with hypogastric pain, abdominal mass or precocious puberty. The symptoms do not differentiate between benign masses (mature teratomas) and malignant ones (immature teratomas). Therefore, it is necessary to establish a correct diagnosis to preserve patient’s fertility whenever possible. An 11-year-old patient presented painful palpable mass in the right iliac fossa, compatible with mature teratoma. It was challenging to define the best conduct, due to the rarity of the diagnosis and patients early age. Tumor excision was performed with right oophorectomy and ipsilateral salpingectomy. We hope this case motivate new studies about this theme.

Keywords: Teratoma, Ovary, Ovarian Neoplasms.


INTRODUÇÃO

Os teratomas ovarianos são tumores de células germinativas do ovário, no entanto, sua embriologia e base genética ainda não são compreendidas¹. A forma mais comum das neoplasias germinativas é o teratoma maduro do ovário (TMO)1,2, representando cerca de 95% desses tumores3.

Teratoma ovariano é o tumor mais frequente em crianças e adolescentes1,4-6, refletindo mais da metade das neoplasias do ovário em mulheres com menos de 20 anos de idade7. É bilateral em cerca de 12% dos casos e a incidência de neoplasias unilaterais ocorrem mais frequentemente no lado direito (72,2%)3. São caracterizados por crescimento lento (1,8mm por ano) e, por essa razão, pode-se considerar um manejo não cirúrgico das lesões menores que 6cm2. Porém, cerca de 20% dos pacientes com TMO podem ter complicações, como torção, ruptura, infecção e transformação maligna8.

Retratamos a seguir as condutas diagnósticas e tratamento de uma paciente de 11 anos, sintomática e que apresentava grande volume da massa anexial. Diante da raridade do caso, e precocidade da faixa etária, espera-se que este relato de caso contribua por promover novos estudos sobre o tema.


RELATO DE CASO

Adolescente de 11 anos de idade, sexo feminino, com história de dor abdominal em fossa ilíaca direita e hipogástrio de 30 dias de evolução, acompanhada de importante distensão abdominal. Referia alívio parcial da dor com uso de dipirona. Sem história de diarreia, vômitos, febre e relação da dor com a alimentação.

História patológica pregressa de dor abdominal recorrente associada à distensão abdominal gasosa de longa data, constipação desde o nascimento e um episódio de infecção do trato urinário no período neonatal. História familiar de câncer de útero e ovário em avó materna entre 50 e 65 anos de idade. Telarca aos nove anos, pubarca aos dez e sem menarca.

À inspeção, abdome globoso. Timpânico à percussão, exceto em fossa ilíaca direita (FID) que se encontrava maciço. À palpação de FID foi evidenciada massa de consistência firme, não aderente, dolorosa à palpação e à deambulação, medindo aproximadamente 10 centímetros em seu maior eixo. Não havia sinal de irritação peritoneal.

A paciente foi avaliada pela cirurgia pediátrica que solicitou exames laboratoriais. Hemograma completo e glicemia normais, alfa-fetoproteína: 1,5ng/mL (valor de referência (VR): até 9ng/mL).

O exame de imagem inicial para avaliação da massa foi a ultrassonografia (USG) de abdome total (Figura 1), com necessidade de investigação complementar por ressonância magnética (RM) (Figura 2). Neste último, ficou evidenciada volumosa massa sólido-cística ocupando a cavidade abdominal, flanco direito, parte da região do hipocôndrio direito e as regiões mesogástrica e hipogástrica, com extensão discreta à região pélvica, medindo pelo menos 17,7x15,0x9,4cm em seus maiores eixos. Porção sólida heterogênea com realce irregular e heterogêneo pelo meio de contraste. Haviam septações grosseiras e realce linear periférico de toda a lesão, que comprimia e deslocava as estruturas adjacentes, predominantemente a veia cava inferior, parte das estruturas retroperitônio, aorta, artéria ilíaca comum direita (essa última com redução do seu calibre), comprimindo e deslocando de forma significativa as alças intestinais regionais. Demais estruturas preservadas.


Figure 1. USG de abdome total demonstrando massa volumosa heterogênea em região infra-umbilical medindo 12,6x7,3x10,8 cm, volume de 516,5 cm3.


Figure 2. Ressonância magnética de abdome superior e pelve.



A paciente foi encaminhada para exérese tumoral, com ooforectomia e salpingectomia à direita. Dimensões da massa: 12,0x10,0x7,0cm e peso: 415g. Ao corte, evidenciado cisto multiloculado com conteúdo ora líquido e translúcido, ora pardo-esverdeado e gelatinoso, ou pastoso e amarelado, com pelos de permeio e áreas de calcificação. Os anexos esquerdos estavam preservados.

A peça cirúrgica foi enviada ao estudo anatomopatológico, que evidenciou teratoma maduro com focos de imaturidade tecidual. Epíplon e tuba uterina não apresentaram alterações histológicas.

No pós-operatório, paciente evoluiu com febre até o quarto dia, respondendo bem aos antitérmicos. O abdome apesar de distendido apresentava-se flácido, sem sinais de irritação peritoneal. Teve alta no sétimo dia de pós-operatório, sem intercorrências adicionais e foi encaminhada ao ambulatório de oncopediatria para seguimento.

O projeto deste artigo foi aprovado pelo comitê de ética da EMESCAM (nº 09295419.3.0000.5065).


COMENTÁRIOS

Segundo à clínica, as lesões malignas ou benignas do ovário são indistinguíveis¹. Geralmente, pacientes com teratoma maduro do ovário (TMO) são assintomáticas2,9,10 e, quando sintomáticas, a queixa principal é dor abdominal, que pode estar associada à distensão abdominal, náuseas, vômitos e urgência miccional9-11. Neste e em outros estudos, a dor abdominal foi o sintoma guia, acompanhada de distensão abdominal6,7.

Ao exame físico, um estudo identificou massa palpável em 13% das meninas menores de 20 anos e 3% das mulheres maiores de 20 anos em uma série de 545 mulheres e meninas com teratoma11. Se há torção ou ruptura ovariana, complicações comuns do teratoma, podem apresentar sensibilidade anexial e sensibilidade ao movimento cervical4,12.

A USG é o exame comumente escolhido para avaliação inicial e determinação de sítio1,2,5,6,9,10. Têm a desvantagem de baixo poder de penetração no osso e ar – sínfise púbica e intestino – também em pelos e material sebáceo – conteúdo do cisto. Tomografia computadorizada (TC) e RM podem ser utilizadas para elucidação diagnóstica9.

TC, RM e tomografia por emissão de pósitrons (PET) não são recomendados na avaliação inicial de massas anexiais5. O estudo histopatológico confirma o diagnóstico, além de excluir transformação maligna ou componente imaturo em teratoma cístico maduro2,10.

Ressaltamos que a RM por ser não invasiva e ter alta resolução, pode ser considerada por alguns autores método de escolha no diagnóstico ou exclusão da patologia ovariana em crianças e adolescentes. Bekiesińska-Figatowska et al. (2007)13 avaliaram pacientes do sexo feminino com idade entre 9 e 19 anos com suspeita de massa ovariana após exame ginecológico e exames ultrassonográficos com resultados pouco claros. Entre 11 pacientes com dor abdominal crônica, sete tiveram diagnóstico de teratoma ovariano maduro por RM e houve ainda, precisão de 100% na localização de lesões ovarianas, colocando a RM em local de destaque dentre os métodos de imagem.

No presente estudo, a RM também foi necessária, ratificando o último autor citado. Em contrapartida, alguns autores consideram a RM de alto custo devendo apenas ser utilizada em casos de em casos de imagens inconclusivas à USG e TC11.

Em relação aos marcadores tumorais, a literatura aponta benefícios da dosagem associados ao estudo de imagem8. O CA 19-9 tem importância clínica como uma ferramenta para auxiliar no diagnóstico de teratoma ovariano, embora não seja suficiente como uma única ferramenta8. Dosagem do Beta hCG deve ser obtido em mulheres em idade reprodutiva, se indicado5. Mais recentemente, a proteína epididimal humana 4 foi identificada como um biomarcador potencialmente útil na distinção entre massas benignas e malignas5.

A avaliação da alfa-fetoproteína (AFP) é um importante fator prognóstico em muitos tratamentos de tumores malignos de células germinativas1. Também é usado na suspeita5 e acompanhamento dos pacientes1. Em relação aos seus níveis em teratomas ovarianos, foi revelado que eles raramente são elevados1. Na paciente estudada, os níveis encontrados também foram baixos.

O procedimento cirúrgico realizado é bastante diferente para tumores benignos e malignos, por isso, o diagnóstico diferencial é muito importante para mulheres com massa ovariana8. As massas anexiais em mulheres com menos de 20 anos apresentam um risco muito baixo de malignidade, assim, quase sempre é permitido a manutenção do ovário. Contudo, em meninas pré-menarca (presente caso), cerca de 40% das massas ováricas são malignas9.

A cistectomia simples é o tratamento preferencial do teratoma cístico maduro sintomático do ovário, particularmente em mulheres na pré-menopausa que desejam preservar a fertilidade e em crianças e adolescentes5,6,9,14.

Diante dos avanços na cirurgia minimamente invasiva, o manejo laparoscópico de presumíveis massas anexiais benignas geralmente é recomendado em crianças devido à redução de permanência hospitalar6,10. A laparotomia é o tratamento de escolha em grandes massas, suspeitas de malignidade e se o estadiamento cirúrgico for necessário¹. No presente estudo, a laparotomia foi necessária diante do volume da massa.

Embora a cirurgia permaneça o esteio do tratamento, as indicações para a quimioterapia variam entre os estudos1, devendo ser estudada caso a caso.

A dor abdominal crônica é responsável por 5% dos motivos de consulta pediátrica15, por isso, o conhecimento das causas e o manejo desse sintoma devem ser constantemente revisitados pela comunidade médica. Diante da raridade aqui apresentada, espera-se que este estudo contribua para sinalizar a hipótese diagnóstica de teratoma maduro. Além disso, que novos protocolos sejam estabelecidos para que os pacientes tenham tratamento direcionado o mais precocemente possível, preservando sua qualidade de vida e fertilidade.


REFERÊNCIAS

1. Łuczak J, Bagłaj M. Ovarian teratoma in children: a plea for collaborative clinical study. J Ovarian Res. 2018 Ago;11(1):75.

2. Saba L, Guerriero S, Sulcis R, Virgilio B, Melis GB, Mallarini G. Mature and immature ovarian teratomas: CT, US and MR imaging characteristics. Eur J Radiol. 2009 Dez;72(3):454-63.

3. Ulbright TM. Germ cell tumors of the gonads: a selective review emphasizing problems in differential diagnosis, newly appreciated, and controversial issues. Mod Pathol. 2005 Fev;18(Supl 2):S61-S79.

4. DynaMed Plus. Mature cystic teratoma of the ovary [Internet]. Ipswich: EBSCO Information Services; 1995; [acesso em 2019 Mai 23]. Disponível em: http://www.dynamed.com/topics/dmp~AN~T115294/Mature-cystic--teratoma-of-the-ovary

5. American College of Obstetricians and Gynecologists (ACOG). Evaluation and management of adnexal masses. Obstet Gynecol. 2016 Nov;128(5):e210-e26.

6. Figueiras FN, Duarte ML, Duarte ER, Solorzano DB, Ferreira JBA. Giant ovarian teratoma: an important differential diagnosis of pelvic masses in children. Radiol Bras. 2017 Set;50(5):338-48.

7. Agarwal M, Mishra S. A case of mature cystic teratoma in an 8 year old girl: a rare case report. Indian J Med Paediatr Oncol. 2017 Abr/Jun;28(2):210-1.

8. Cho HY, Kim K, Jeon YT, Kim YB, No JH. CA19-9 elevation in ovarian mature cystic teratoma: Discrimination from ovarian cancer – CA19-9 level in teratoma. Med Sci Monit. 2013 Mar;19:230-5.

9. Carvalho M, Sucesso MB, Ferreira AM, Norton L, Estevinho N. Patologia ovárica num centro oncológico pediátrico. Nascer Crescer. 2011;20:69-72.

10. Okafor OO, Crotty JE. Abdominal swelling in a teenaged girl. JAMA. 2013 Mai;309(17):1828-9.

11. Kim MJ, Kim NY, Lee DY, Yoon BK, Choi D. Clinical characteristics of ovarian teratoma: age-focused retrospective analysis of 580 cases. Am J Obstet Gynecol. 2011 Jul;205(1):32.e1-4.

12. Kruszka PS, Kruszka SJ. Evaluation of acute pelvic pain in women. Am Fam Physician. 2010 Jul;82(2):141-7.

13. Bekiesińska-Figatowska M, Jurkiewicz E, Iwanowska B, Uliasz M, Romaniuk-Doroszewska A, Bragoszewska H, et al. Magnetic resonance imaging as a diagnostic tool in case of ovarian masses in girls and young women. Med Sci Monit. 2007 Mai;13(Supl 1):116-20.

14. Liu JH, Zanotti KM. Management of the adnexal mass. Obstet Gynecol. 2011 Jun;117(6):1413-28.

15. Alves SC, Cenci EFF, Watanabe KY, Silveira LW, Cruz AS. Perfil epidemiológico da dor abdominal crônica em crianças e adolescentes. Resid Pediatr. 2015;5(2):61-7.










1. Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória, Departamento de Pediatria - Vitória - Espírito Santo - Brasil
2. Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM), Departamento de Pediatria - Vitória - Espírito Santo - Brasil
3. Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM), Scientific Writing Office (SWO) - Vitória - Espírito Santo - Brasil
4. Faculdade de Medicina do ABC, Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciências da Saúde - Santo André - São Paulo - Brasil
5. Hospital Materno Infantil Francisco de Assis, Departamento de Pediatria - Cachoeiro de Itapemirim - Espírito Santo - Brasil

Endereço para correspondência:
Juliana Marques Coelho Bastos
Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM)
Av. Nossa Sra. da Penha, nº 2190
Bela Vista, ES, Brasil. CEP: 29027-502
E-mail: julianamcbastos@hotmail.com

Data de Submissão: 31/03/2019
Data de Aprovação: 17/06/2019