ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2021 - Volume 11 - Número 3

Diagnóstico precoce de osteocondrodisplasia: um relato de caso

Early diagnosis of steochondrodysplasia: a case report

RESUMO

As displasias esqueléticas ou osteocondrodisplasias são um grupo heterogêneo de condições que afetam o desenvolvimento ósseo. Os pacientes acometidos por essa afecção apresentam-se com atraso no crescimento, desenvolvendo baixa estatura desproporcional. A inteligência encontra-se preservada. Esse relato de caso descreve um paciente masculino com 3 meses de idade, face atípica, desenvolvimento neuropsicomotor adequado, com baixa estatura para idade (score-z entre -2 e -3) e desproporção entre os membros; associado às manifestações radiológicas precoces que se enquadram no espectro das osteocondrodisplasias, mais especificamente dos subtipos displasia epifisária múltipla ou pseudoacondroplasia. A importância de estabelecer um diagnóstico precoce reside na possibilidade de acompanhar eventos adversos, como o atraso no desenvolvimento motor, estenose espinhal, osteoartrose prematura, movimentos articulares limitados, cifoscoliose e frouxidão ligamentar.

Palavras-chave: Nanismo, Genética, Osteocondrodisplasias.

ABSTRACT

Skeletal dysplasias or osteochondrodysplasia are a heterogeneous group of conditions which affect bone development. Patients affected by this condition present a growth retardation, developing disproportionate short stature. The intelligence is preserved. This case report describes a 3-month-old male patient with atypical face, appropriate neuropsychomotor development, short stature for his age (z-score between -2 and -3) and disproportion between limbs; associated with early radiological manifestations that fall within the spectrum of osteochondrodysplasia, specifically the multiple epiphyseal dysplasia or pseudoachondroplasia subtypes. The importance of providing an early diagnosis lies in the possibility of following adverse events, such as delay of motor development, spinal stenosis, premature osteoarthritis, limited range of motion, kyphoscoliosis and ligaments limpness.

Keywords: Dwarfism, Genetics, Osteochondrodysplasias.


INTRODUÇÃO

As displasias esqueléticas (DE) são um grupo heterogêneo de condições que afetam o desenvolvimento ósseo, com mais de 400 desordens descritas. Grande parte dos casos são resultantes de defeitos genéticos1,2. Existem duas formas distintas de DE: aquelas com início pré-natal e aquelas com início pós-natal2. Os casos pré-natais são frequentemente suspeitos de achados em ultrassonografia fetal2. No entanto, a maioria das DE são suspeitadas durante a infância devido a manifestações como baixa estatura, que ocorre quando o crescimento linear está além de dois desvios padrão abaixo da média, deformidades ósseas, fraturas recorrentes e achados anormais em radiografias2. Pacientes com suspeita de DE requerem uma história clínica completa, história familiar, exame físico e estudos radiográficos. Deve-se pesquisar baixa estatura nos pais, presença de fraturas recorrentes, arqueamento do membro, descolamento de retina, polidactilia e doença renal2.

O histórico familiar pode ajudar a identificar outros membros da família afetados de forma semelhante e pode sugerir diagnósticos específicos2. É importante estabelecer se a baixa estatura é resultado de déficit de crescimento no período pré ou pós-natal. Como exemplo, a acondroplasia é facilmente reconhecida no nascimento. No entanto, outras condições, como a pseudoacondroplasia, podem não ser suspeitadas até 2 a 3 anos de idade, quando o paciente apresenta uma falha de crescimento e deformidades no joelho2.


OBJETIVOS

Relatar o caso de um paciente masculino com manifestação precoce de osteocondrodisplasia, mais provavelmente dos subtipos psuedoacondroplasia ou displasia epifisária múltipla, com pais clinicamente e radiograficamente sem alterações, salientando os aspectos mais prevalentes desta afecção bem como suas repercussões clínicas.


RELATO DE CASO

Paciente do gênero masculino, nascido de parto cesáreo indicado por sofrimento fetal agudo, com 39 semanas e 2 dias gestacionais. Apresentou APGAR 3/8, peso de 3.100kg e 47cm de comprimento. Mãe refere acompanhamento pré-natal sem intercorrências. Não realizou ultrassonografia (US) morfológica. Aos 3 meses de idade, lactente foi internado para tratamento de bronquiolite viral aguda. Na admissão hospitalar, percebeu-se durante ectoscopia que o mesmo apresentava membros curtos e desproporcionais (Figura 1). Possuía histórico familiar negativo para displasias esqueléticas e doenças crônicas. Pais não consanguíneos e de estatura mediana. Durante análise de desenvolvimento neuropsicomotor, observou-se sorriso social, ruídos guturais e sustentação do polo cefálico. Curva de crescimento com estatura adequada ao nascimento e baixa ao terceiro mês de vida (Figura 2). No decorrer da investigação, realizou US transfontanelar, sem alteração, e radiografia de inventário ósseo esquelético, cujo laudo radiográfico evidenciou deformidades do gradil costal, destacando-se alargamento das porções anteriores dos arcos costais, hipoplasia das porções caudais dos ossos ilíacos, cifose toracolombar, encurtamento difuso dos membros do tipo rizomélico, com acentuado atraso da ossificação metáfisoepifisiária e metáfises alargadas “em taça”, de cantos afilados, enquadrando-se no espectro das osteocondrodisplasias, mais especificamente dos subtipos displasia epifisária múltipla ou pseudoacondroplasia.


Figura 1. Paciente masculino, com baixa estatura e desproporção entre os membros.


Figura 2. Transição de estatura adequada para idade ao nascimento, para baixa estatura aos três meses de vida.



Após a resolução do quadro respiratório o paciente recebeu alta hospitalar e foi encaminhado para acompanhamento com serviços de fisioterapia e ortopedia, visando minimizar possíveis dores e alterações de marcha; ambulatório de pediatria da mesma instituição e à genética médica para diagnóstico específico.


DISCUSSÃO

A pseudoacondroplasia (PSACH), descrita em 1959, é uma displasia óssea generalizada, com prevalência de 4 casos para 1.000.000 habitantes3,4, que apresenta poucos sinais ou sintomas ao nascimento, porém tem seu crescimento e desenvolvimento motor grosso afetados por volta dos 2 a 3 anos de vida4. É causada por mutações heterozigóticas no gene da proteína oligomérica da cartilagem (COMP)1,3 no cromossomo 19 e está estreitamente relacionada com a displasia epifisária múltipla3,5. A mutação da COMP causa um defeito na matriz da proteína da cartilagem, interferindo na estratificação de proteínas e levando ao acúmulo dessas no retículo endoplasmático, causando intenso estresse oxidativo, inflamação e morte celular prematura dos condrócitos na placa de crescimento, o que corrobora para uma diminuição das células da matriz óssea viável e uma redução no seu tamanho6.

Esses pacientes possuem fácies atípicas e inteligência normais, porém, desenvolvem baixa estatura desproporcional, distúrbio de marcha, joelhos proeminentes e cifoescoliose1,3. Geralmente, a altura do paciente afetado é limitada a 90 e 145cm quando adulto4. A complicação mais debilitante do distúrbio é a dor nas articulações desde a infância, cuja extensão e gravidade são mal definidas7. Segundo estudos, 47% dos pacientes referem que a algia foi o sintoma inicial de apresentação da PSACH, e que acomete principalmente articulações que suportam peso, como joelhos, quadris e costas7. As características radiográficas são típicas do nanismo rizomélico e incluem corpos vertebrais ovalados, formação de osteófitos anteriores, platispondilia, displasia odontoide, alargamento discal, ossos longos curtos com metáfises alargadas, epífises pequenas, irregulares e alargadas com retardo de desenvolvimento3 e braquidactilia1.

O diagnóstico da PSACH baseia-se principalmente na história pessoal e familiar e nos achados físicos e radiográficos característicos5. O achado de concentração sérica de COMP diminuída pode ser um marcador diagnóstico adicional, e sempre que possível, a verificação genética do transtorno deve ser realizada5. Ensaios sistemáticos com a utilização terapêutica de hormônio de crescimento (GH) em displasias esqueléticas são escassos, mas a relação entre o comprimento do tronco e as pernas não parece depender do grau de deficiência de GH, bem como não se altera com seu tratamento8. Dessa forma, segundo estudos, o uso de GH nessas crianças não produz benefícios e altera ainda mais as proporções corporais6. O tratamento da PSACH baseia-se em fisioterapia, manejo das deformidades da coluna vertebral e cirurgia ortopédica corretiva; esta última deve ser programada para após o fim do período de crescimento5.


REFERÊNCIAS

1. Bacino AC, Hahn S, TePas E. Skeletal dysplasias: specific disorders. Waltham: UpToDate; 2018.

2. Bacino AC, Hahn S, TePas E. Skeletal dysplasias: approach to evaluation. Waltham: UpToDate; 2018.

3. Dahnert W. Radiologia - manual de revisão. 7ª ed. Rio de Janeiro: Thieme Revinter; 2016.

4. Gaebe G, Kruse R, Rogers K, Mackenzie WG, Holmes L. Dynamic lower extremity deformity in children with pseudoachondroplasia. J Pediatr Orthopaed. 2018;38(3):157-62.

5. Radlovic V, Smoljanic Z, Radlovic NP, Jakovlkevic M, Lekovic Z, Ducic S, et al. Pseudoachondroplasia: a case report. Srpski Arhiv Za Celokupno Lekarstvo. 2013 Set;141(9-10):676-9.

6. Chueca MJ, Berrade S, Oyarzábal M. Talla baja y enfermedades raras. Anal Sis San Navarra. 2008;31(Supl 2):31-53.

7. Gamble C, Nguyen J, Hashmi SS, Hecht JT. Pseudoachondroplasia and painful sequelae. Am J Med Genet A. 2015 Nov;167A(11):2618-22.

8. Hagenäs L, Hertel T. Skeletal dysplasia, growth hormone treatment and body proportion: comparison with other syndromic and non-syndromic short children. Horm Res. 2003;60(Supl 3):65-70.










Hospital de Clínicas de Passo Fundo, Pediatria - Passo Fundo - RS - Brasil

Endereço para correspondência:
Pâmilly Bruna de Araújo Barzzotto
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E-mail: pamilly.bruna@hotmail.com

Data de Submissão: 22/09/2019
Data de Aprovação: 09/11/2019