ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Artigo Original - Ano 2018 - Volume 8 - Supl.1

Transtorno do espectro autista

Autism spectrum disorder

RESUMO

OBJETIVO: verificou-se um aumento na prevalência do transtorno do espectro autista (TEA) nos últimos anos em vários países. Dados brasileiros estimaram, em 2010, aproximadamente 500 mil pacientes. O objetivo deste artigo é rever a epidemiologia, a etiologia, o diagnóstico diferencial e o tratamento do TEA à luz dos recentes avanços publicados na literatura científica.
METODOLOGIA: revisão sobre o diagnóstico e a abordagem do autismo em crianças baseada em artigos publicados nos últimos 5 anos selecionados por meio das palavras-chave “autismo” e “espectro autista” nos bancos de dados PubMed e CAPES, além de consultas a edições recentes de livros relevantes.
RESULTADOS: o diagnóstico do TEA é clínico e baseia-se na história clínica contada pela família, pela observação e exame físico da criança e por registros em vídeos domésticos dos pais ou dos responsáveis nos primeiros anos de vida da criança. A expressão clínica do transtorno varia ao longo dos anos, de acordo com os critérios diagnósticos do DSM-V. Acredita-se que a etiologia tenha base genética, neurobiológica e neuropsicológica. Pode estar associada a diversas enfermidades ou a síndromes genéticas já conhecidas. O tratamento baseia-se na reabilitação multidisciplinar.
CONCLUSÕES: o pediatra necessita conhecer os sinais de alerta que levam à suspeita do diagnóstico de TEA, a fim de coordenar a intervenção precoce e o tratamento interdisciplinar, contribuindo assim para a recuperação do desenvolvimento da criança, e defender as necessidades das crianças e adolescentes acometidos.

Palavras-chave: Criança, Transtorno Autístico, Transtornos do Neurodesenvolvimento.

ABSTRACT

OBJECTIVE: there was an increase in autism spectrum disorder (ASD) prevalence over the past years in many countries. Brazilian data have reached an estimate of 500 thousand affected individuals in 2010. This paper’s aim is to review the epidemiology, etiology, differential diagnosis, and treatment of ASD considering recent published advances from the scientific literature.
METHODS: review on the diagnosis and approach to autism in children based on the published papers over the past five years selected through keywords “autism” and “autistic spectrum” in databases PubMed and CAPES, as well as recent editions of pertinent scientific books.
RESULTS: ASD diagnosis is clinical and based on the clinical history obtained from the patient’s family, child’s clinical observation and physical examination, and video-recording made at home by parents or guardians during the first years of life. Its clinical picture varies throughout time, according to DSM-5 diagnostic criteria. The etiology is thought to have a genetic, neurobiologic, and neuropsychologic basis. ASD may be associated with a variety of known condition and genetic syndromes.
CONCLUSIONS: the pediatrician is required to familiarize with red flags that lead one to suspect an ASD diagnosis, in order to coordinate an early intervention and multidisciplinary treatment for the patient, thus contributing to his/her development recovery, and to advocate in favor of affected children and adolescents needs.

Keywords: Child, Autistic Disorder, Neurodevelopmental Disorders.


INTRODUÇÃO

O transtorno do espectro autista (TEA) é um dos transtornos do neurodesenvolvimento mais prevalentes na infância. Caracteriza-se pelo comprometimento de dois domínios centrais: 1) déficits na comunicação social e interação social e 2) padrões repetitivos e restritos de comportamento, interesses ou atividades. A partir da 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) em 20131, o rótulo diagnóstico TEA engloba o transtorno autista (autismo), a síndrome de Asperger, o transtorno desintegrativo da infância e o transtorno global do desenvolvimento sem outra especificação, que apareciam como subtipos do transtorno global do desenvolvimento na edição anterior, DSM-IV. A síndrome de Rett não pertence mais à mesma categoria diagnóstica, mas é uma das causas genéticas do TEA.

A interação social ocorre de forma atípica, há pouca resposta ao outro, principalmente com o contato visual, e a aproximação, muitas vezes, na tentativa de interagir, ocorre de forma inapropriada ou inadequada. Em determinadas situações sociais, como no recreio escolar ou no refeitório, é um desafio manter a reciprocidade e há uma dificuldade em entender as regras sociais e interpretá-las2.

A marca do TEA é o déficit na comunicação não verbal que varia desde a total falta de expressão facial até a inexistência da integração da comunicação gestual (contato visual, sorriso, apontar, acenar com a cabeça, mandar beijo, dar de ombros) com a comunicação verbal3,4. A linguagem receptiva, geralmente, é menos comprometida do que a linguagem expressiva em crianças altamente verbais com TEA5.

A falta do brincar lúdico ou uma brincadeira com roteiro repetitivo é uma característica típica das crianças com TEA. A relação de amizade é um desafio e, quando ocorre, é usualmente por algum interesse específico de compartilhamento3.

Infelizmente, as crianças com TEA são vulneráveis a provocações e ao bullying2. A capacidade de imaginar ou de compreender o ponto de vista do outro ou formar a autorrepresentação da realidade é denominada, no campo de estudo da cognição, de teoria da mente. Acredita-se que as características cognitivas de indivíduos com TEA decorrem da ausência de teoria da mente6.

Há uma diversidade de sintomas e um espectro de intensidade destes nos indivíduos com TEA7. Uma manifestação bastante comum é o déficit de coordenação motora, que se manifesta principalmente como dificuldade em realizar movimentos de coordenação motora fina, no uso de ferramentas e no aprendizado de habilidades motoras complexas8.

O padrão de comportamento, de interesses ou de atividades restritos e repetitivos pode ocorrer de várias formas:


• Discurso repetitivo comum ou a repetição de perguntas feitas ao indivíduo (ecolalia) – pode ser imediata ou após a criança ter ouvido uma frase de televisão ou ter memorizado alguma conversa2.

• Movimentos estereotipados, que ocorrem sempre que a criança está empolgada ou chateada, como sacudir as mãos, bater palmas, correr sem um objetivo, balançar o tronco, pedalar, ranger os dentes, andar na ponta dos pés, assumir posturas desconfortáveis e estranhas ou repetir ações como abrir e fechar a porta ou acender e apagar a luz etc2.

• Reação exagerada ou diminuída a dor ou temperatura2.

• Interesse intenso por alguns estímulos ao redor, como luzes, padrões e movimentos2.

• Rigidez extrema ou rituais relacionados com cheiros, texturas e aparência da comida são comuns e podem causar restrição alimentar excessiva2.


O início dos sintomas pode se tornar aparente no primeiro ano de vida, ou pode ocorrer um desenvolvimento normal até 12-18 meses de idade, e então sobrevém a regressão da linguagem e/ou das habilidades sociais, o que ocorre em até 30% dos casos. O mais típico é acontecer uma parada no desenvolvimento após os 6 meses de idade, como um platô, ou ocorrer a desaceleração do desenvolvimento acompanhado de alguma perda das habilidades na comunicação social, como a atenção conjunta, afeto compartilhado e uso da linguagem2.


EPIDEMIOLOGIA

Segundo as estimativas do estudo Autism and Developmental Disabilities Monitoring (ADDM), a prevalência de TEA em crianças de 8 anos nos Estados Unidos aumentou de 1/150 no ano de 2000, para 1/88 em 2008 e 1/68 no ano de 20123. No Brasil, em 2010, a estimativa foi de 500 mil autistas9. O TEA é diagnosticado em todos os grupos raciais, étnicos e socioeconômicos10.

A chance do irmão de uma criança autista também ser afetado é 20 vezes maior, pois a prevalência salta de 0,5% para 10,1%. Se já houver dois irmãos prévios com o transtorno, a chance do terceiro irmão também ser autista alcança 25%. O risco de recorrência em um familiar de autista é significativamente maior que na população geral2. A proporção entre meninos e meninas é de 4:12,9.

Existe uma alta prevalência de deficiência intelectual na população autista, variando de 30% a 50%. O TEA também pode estar associado a um transtorno mental, cuja prevalência chega a 70%. Ademais, 40% dos autistas têm dois ou mais transtornos mentais comórbidos1.

A prevalência de epilepsia entre os indivíduos autistas é maior entre aqueles com deficiência intelectual e na segunda década de vida. O risco de epilepsia persiste na idade adulta11,12. O risco de TEA em crianças com epilepsia é mais alto quando as crises epilépticas surgem precocemente e se apresentam como espasmos epilépticos11.


ETIOLOGIA

Os indivíduos que apresentam TEA podem ser divididos em dois grandes grupos:


• Forma primária ou essencial: não há uma causa específica;

• Forma secundária ou sindrômica: uma causa é identificada13.


As formas secundárias subdividem-se, segundo a etiologia, em:


• Genéticas: são geradas por anomalias cromossômicas como a síndrome de Down ou de Turner, defeitos estruturais do genoma (desde alterações de pares de bases específicos, as chamadas variantes de nucleotídeos únicos ou SNV [single nucleotide variants] até deleções ou duplicações de muitos pares de bases, as chamadas variantes do número de cópias ou CNV [copy number variants]) e síndromes genéticas como as síndromes de Rett ou de Angelman, a esclerose tuberosa e a síndrome do X frágil, entre outras13,14.

• Ambientais: podem ser causadas por infecções, intoxicações fetais e outros possíveis fatores, como exposição in utero ao ácido valproico, que interajam com o genoma por meio de mecanismos epigenéticos13.


A interação entre o material genético e o ambiente é estudada pela Epigenética15.

Provavelmente, é a partir da epigenética que se poderia explicar a variabilidade na expressão dos sintomas do TEA, pois as mutações e inversões gênicas são insuficientes para identificar completamente a origem desse transtorno15.

A disfunção do córtex cerebral associativo no TEA decorre de alteração na conectividade entre os hemisférios cerebrais, com zonas de pouca e muita conectividade, o que acarreta dificuldade na integração das informações e na coordenação entre os diferentes sistemas neurais16,17. Um dos principais fatores que contribuem para a manifestação e sintomatologia dos distúrbios do desenvolvimento neurológico, como o TEA e a esquizofrenia, é a interrupção do delicado equilíbrio de sinalização excitatória/inibitória no cérebro, particularmente no córtex pré-frontal. Os comportamentos sociais exigem o envolvimento coordenado de várias regiões cerebrais e, de fato, irregularidades em qualquer uma dessas regiões poderiam contribuir para os distúrbios do comportamento social18.

Estima-se que as alterações genéticas sejam responsáveis por 10-30% dos diagnósticos de TEA, por outro lado alguns estudos delinearam uma herdabilidade de até 90%, o que sugere a participação de causas genéticas ainda não esclarecidas14,19.

Vários mecanismos etiológicos para o TEA estão sendo discutidos além da suscetibilidade genética e da epigenética, como a desregulação autoimune. Os achados sugestivos dessa hipótese incluem níveis anormais de citocinas e de fatores de crescimento, bem como anticorpos fetais e maternos encontrados no tecido cerebral. Outros mecanismos hipotéticos são aumento do estresse oxidativo, disfunção mitocondrial, anormalidades na serotonina cerebral, conectividade anormal da substância branca, diminuição do número das células de Purkinje cerebelares e defeitos da migração neuronal20. A despeito dos avanços na fisiopatologia neurobiológica do TEA, ainda não existe um marcador específico para o diagnóstico21.

Fatores de risco

Inúmeros fatores de risco podem contribuir para o aparecimento do transtorno, e pode-se classificá-los como pré-natais, perinatais, ambientais ou mutacionais, a saber:

Fatores de risco pré-natais

Há uma possível associação com a influenza; exposição a pesticidas e a inseticidas; exposição a fármacos como misoprostol, talidomida e inibidores seletivos de recaptação de serotonina (ISRS); exposição à cocaína; ou a deficiência de ácido fólico20.

A associação é provável com febre materna, doenças autoimunes, diabetes, pré-eclâmpsia e exposição à poluição atmosférica intensa20.

Há uma associação definitiva do TEA com infecções por citomegalovírus ou rubéola na gravidez; inflamação materna e ativação autoimune; ou exposição na gravidez ao ácido valproico e a níveis elevados de etanol20.

Por outro lado, não existe associação com algumas infecções durante a gravidez, por exemplo, herpes-vírus, vírus de Epstein-Barr, vírus varicela-zóster e parvovírus; tabagismo materno; e deficiência de vitamina D20.

Fatores de risco perinatais

A prematuridade extrema é um fator de risco alto e se associada a complicações perinatais como pré-eclâmpsia, hemorragia intracraniana, edema cerebral, baixo índice de Apgar e convulsões2,7.

Fatores de risco ambientais

Tais fatores incluem idade avançada dos pais, principalmente a mãe. A idade avançada do pai também eleva o risco independentemente, pois podem ocorrer mutações novas2,7.

Fatores mutacionais

Os fatores que poderiam acarretar mutações implicadas no TEA abrangem contato com mercúrio, cádmio, níquel e tricloroetileno, bem como a poluição do ar ambiente2.


COMORBIDADES

A prevalência de distúrbios psiquiátricos, como transtorno do déficit de atenção/hiperatividade [TDAH], transtorno de ansiedade, depressão e transtorno bipolar, associados ao TEA, é de até 79% e mais alta que na população geral22.

Outras comorbidades prevalentes são a deficiência intelectual, a epilepsia e distúrbios do sono. Bastante interessante é a modulação da deficiência intelectual sobre a gravidade dos sintomas do TEA e da epilepsia11.

Os fatores de maior risco para epilepsia no TEA é a regressão de habilidades, o sexo feminino e a função cognitiva geral. Porém, o déficit cognitivo exerce maior influência11.

Além disso, a epilepsia e o TEA estão associados a múltiplos distúrbios do neurodesenvolvimento, como os distúrbios de linguagem e aprendizagem, TDAH, paralisia cerebral, ansiedade e transtornos do humor. A epilepsia e o TEA compartilham mecanismos fisiopatológicos comuns, o que aumenta a ocorrência concomitante11.

A prevalência de problemas do sono entre crianças com desenvolvimento típico aumentou em todas as faixas etárias. É bastante comum também nos transtornos do neurodesenvolvimento, tais como no TEA, na deficiência intelectual (DI) e no TDAH. Os distúrbios do sono prejudicam a função e aumentam o ônus e o estresse para as famílias de crianças com TEA. Ademais, agravam os sintomas dos domínios centrais do TEA, como as habilidades sociais e déficits de comunicação, maiores taxas de comportamentos estereotipados e maior apego a rotinas disfuncionantes23.


DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Devem-se considerar os seguintes diagnósticos na criança suspeita de TEA:


• Síndrome de Rett: acomete quase exclusivamente o sexo feminino; observa-se ruptura da interação social, principalmente no momento do diagnóstico, durante a fase regressiva entre 1 a 4 anos; mas após esse período a maioria melhora as habilidades de comunicação social1.

• Mutismo seletivo: a criança é muda em alguns ambientes, mas não há prejuízo na reciprocidade social nem padrões de comportamento restritivos ou repetitivos1.

• Transtornos da linguagem e transtorno da comunicação social (pragmática): a comunicação não verbal costuma ser normal no distúrbio específico da linguagem1,21. Quando há prejuízo apenas da comunicação social e das interações sociais, mas na ausência de comportamentos ou interesses restritos ou repetitivos, o transtorno da comunicação social (pragmática) deve ser diagnosticado em vez do TEA1.

• Deficiência intelectual sem TEA: essa diferenciação é difícil em crianças muito jovens. É o diagnóstico apropriado quando não há discrepância aparente entre o nível das habilidades de comunicação social e outras habilidades intelectuais1.

• Transtorno do movimento estereotipado: a criança apresenta apenas estereotipias, porém quando estas causam autolesão e se tornam um foco do tratamento, o diagnóstico de TEA talvez seja apropriado1.

• TDAH: as anormalidades da atenção, como foco exagerado ou distração fácil, são comuns no TEA, assim como a hiperatividade1. Ambos os diagnósticos podem ser válidos, mas a diferenciação baseia-se no maior comprometimento das habilidades da comunicação social no TEA24.

• Esquizofrenia: alucinações e delírio são características definidoras da esquizofrenia e não do TEA. Há descrição de um estado prodrômico no qual há prejuízo social, interesses e crenças atípicos, o que poderia se confundir com os déficits sociais observados no TEA1.



AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA

A investigação clínica começa com uma anamnese completa com atenção especial aos fatores de risco descritos acima e um exame físico e neurológico completo, com ênfase na pesquisa de dismorfismos e dos sinais das síndromes genéticas potencialmente implicadas. Deve-se incluir a triagem para deficiência visual e auditiva.

O American College of Medical Genetics publicou diretrizes, atualizadas em 2013 (Tabela 1), preconizando a análise cromossômica por microarray (CMA), que é capaz de detectar deleções ou duplicações cromossômicas, isto é, variantes do número de cópias, as quais estão implicadas em até 30% dos casos. Ademais, os meninos devem realizar um teste molecular para a síndrome do X frágil e as meninas, o sequenciamento do gene MECP2 implicado na síndrome de Rett25.




Outras avaliações, como exames de neuroimagem e testes metabólicos, devem ser empreendidas apenas na presença de achados clínicos sugestivos2.

Se houver regressão do desenvolvimento, deve-se obter um eletroencefalograma (EEG) prolongado por 6-8 horas, idealmente noturno, a fim de registrar o sono profundo, visando esclarecer o diagnóstico diferencial com a síndrome de Landau-Kleffner, que cursa com afasia e atividade epileptiforme com pontas-ondas lentas contínuas durante a maior parte do traçado no sono de ondas deltas2.

Esforços recentes tentam encontrar um biomarcador do TEA no traçado do EEG. Um algoritmo computadorizado que analisa a superposição de frequências nas diferentes regiões cerebrais foi capaz de predizer, aos 3 meses de idade, o diagnóstico de TEA no segundo ano de vida com sensibilidade de 95% em 99 lactentes que possuíam um irmão mais velho previamente diagnosticado com TEA26. Serão necessários estudos adicionais em amostras maiores para validar esse método de diagnóstico.

Quando pensar em transtorno do espectro autista?

O pediatra deve permanecer atento aos sinais de alerta de comprometimento do desenvolvimento da comunicação social nos primeiros anos de vida:

1. Ausência de vocalização aos 6 meses de idade2;

2. Ausência de balbucio de sílabas com consoantes aos 12 meses de idade2;

3. Ausência de comunicação por gestos aos 12 meses de idade; por exemplo, a criança não aponta para um objeto desejado nem olha para o indicador de outra pessoa2;

4. A fala não inclui palavras simples, além de “mamã” e “papá”, ditas espontaneamente aos 16 meses de idade2;

5. A fala não inclui frases de duas palavras aos 24 meses de idade ou de três ou mais palavras aos 36 meses de idade2;

6. Regressão ou estagnação dos marcos do desenvolvimento a partir da perda de habilidades da comunicação verbal e não verbal2.

A partir da constatação de um ou mais sinais de alerta, o pediatra pode lançar mão de um instrumento de triagem diagnóstica, como a escala M-CHAT (Modified Checklist for Autism in Toddlers) que pode ser aplicada entre 16 e 30 meses de idade. Existem dois instrumentos adicionais que fortalecem o diagnóstico: a Entrevista para o Diagnóstico do Autismo (ADI-R, Autism Diagnostic Interview) e a Escala de Observação para Diagnóstico do Autismo (ADOS, Autism Diagnostic Observation Schedule, 2ª edição)9,16.

Tais testes de triagem devem evidenciar o risco de distúrbios do desenvolvimento neurológico, incluindo o TEA, e podem não fornecer o diagnóstico definitivo, mas indicam um possível transtorno do desenvolvimento e possibilitam a identificação de bebês e famílias que necessitam de apoio precoce27.


TRATAMENTO

Atualmente não há tratamento farmacológico para os sintomas centrais do TEA, mas existem estudos em andamento que, por enquanto, geraram evidências limitadas22.

Os estudos recentes acerca do papel da epigenética no TEA representam uma área crescente e promissora de pesquisas28, que buscam permitir a modificação dos processos epigenéticos patológicos9.

A partir da complexa natureza etiológica do TEA, um tratamento bastante benéfico é a inclusão da criança em equipes de reabilitação interdisciplinar, compostas por especialistas de várias áreas, por exemplo, médicos, psicopedagogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, terapeutas comportamentais e psicólogos29. As intervenções oferecem programas de educação especial, promoção das habilidades de linguagem/comunicação e interações sociais, treinamento dos pais e técnicas de mudanças do comportamento29.

A seguir, alguns exemplos de programas terapêuticos concebidos para o TEA:

ABA (Análise de Comportamento Aplicado): esse método utiliza técnicas de ensino baseadas em evidências para incentivar comportamentos funcionais e reduzir os comportamentos prejudiciais ou que interfiram na aprendizagem. Mostrou-se capaz de melhorar as habilidades de comunicação, interação social e vocacional29.

DIR (Modelo Baseado nas Relações, Diferenças Individuais e Desenvolvimento): também chamado de floortime ou terapia do tempo, os pais e os terapeutas seguem a liderança da criança ao brincarem enquanto a dirigem para que se engajem em interações cada vez mais complexas29.

TEACCH Autism Program: promove o engajamento nas atividades, a existência, a independência e a educação por meio de estratégias baseadas no que a criança tem de mais forte e nas dificuldades de aprendizagem29.

Alguns tratamentos farmacológicos ainda não possuem evidências que favoreçam seu uso em crianças, porém em adultos há dados que comprovam o uso dos agentes serotoninérgicos, particularmente para comportamentos repetitivos. A fluoxetina parece ser a mais tolerada, dentre os estudos, porém não houve comparação direta de fluoxetina com outros agentes22.

As pesquisas com os antipsicóticos risperidona e aripiprazol mostraram eficácia modesta no manejo de comportamentos repetitivos (nível de evidência IIa), porém esses estudos se concentraram em indivíduos com altos níveis de irritabilidade e não está claro se os achados generalizariam a população de TEA mais ampla. Deve-se lembrar dos efeitos colaterais antes de iniciar o tratamento, e os mais comuns são ganho ponderal, hipercinesia, agitação e labilidade emocional22.

O resultado de estudos preliminares com a ocitocina mostrou uma ação importante para os pacientes com déficits de cognição social (nível de evidência Ib), mas ainda são necessários ensaios clínicos randomizados de grande escala em longo prazo22.

Dessa forma, para cada comorbidade, apesar de não existir medicação para os sintomas centrais do TEA, pode-se tentar um tratamento farmacológico a fim de melhorar comportamentos específicos e assim trazer algum benefício para os sintomas centrais e ajudar na intervenção da equipe interdisciplinar.

Comorbidades importantes de tratamento são ansiedade, movimentos repetitivos estereotipados, sintomas do transtorno obsessivo-compulsivo, impulsividade, depressão, oscilações no humor, agitação, hiperatividade e agressividade2.

As classes de medicamentos que podem ser usados no tratamento dessas comorbidades abrangem os antiepilépticos, antipsicóticos atípicos, estimulantes do sistema nervoso central (SNC), antidepressivos e estabilizadores do humor2.

A partir da premissa de que a modulação das respostas inflamatórias no SNC poderia melhorar a sintomatologia do TEA, surgiram ensaios clínicos sobre o uso de células-tronco, incluindo a infusão de sangue do cordão umbilical autólogo ou células mononucleares da medula óssea autóloga, com resultados promissores mas ainda incipientes30,31. O emprego de fármacos imunomoduladores, como os esteroides, é outra proposta terapêutica a ser mais bem estudada, pois os resultados de um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado com placebo foram encorajadores32.

As propostas de intervenção nutricional, como as dietas com isenção de glúten e/ou caseína e a suplementação de vitaminas e ômega-3, carecem de fundamentação científica33.


PROGNÓSTICO

A evolução clínica do paciente com TEA está vinculada, principalmente, aos fatores que influenciam o prognóstico, a saber:


• Presença ou ausência de deficiência intelectual e comprometimento da linguagem; a linguagem funcional presente aos 5 anos de idade é um sinal de bom prognóstico1;

• Epilepsia, como um diagnóstico de comorbidade, está associada a maior deficiência intelectual e menor capacidade verbal1.


Os antiepilépticos atuais e as intervenções cirúrgicas na epilepsia são eficazes para a redução de crises epilépticas, mas a evolução do neurodesenvolvimento, mesmo quando não há mais crises, é altamente variável11.


CONCLUSÃO

Os recentes desdobramentos nos critérios e instrumentos de diagnóstico na compreensão da etiologia multifatorial, incluindo fatores genéticos, ambientais e epigenéticos e em novos recursos terapêuticos alçaram o TEA a uma posição de destaque dentre os problemas de saúde pública no mundo inteiro. O aumento da prevalência do transtorno nos oferece um cenário futuro em que todas as instituições deverão criar condições para acolher os indivíduos afetados. Logo, temos boas razões para expandir os estudos científicos sobre o tema, explorando as diferentes causas, as particularidades individuais e as modalidades de tratamento.

Nesse contexto de intensas transformações, o pediatra está na linha de frente e deve habilitar-se para reconhecer os sinais de alerta que levam à suspeita do diagnóstico e assumir um papel de coordenador dos esforços terapêuticos e defensor das necessidades das crianças e adolescentes acometidos.


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1. Hospital Naval Marcílio Dias, Pediatria - Rio de Janeiro - RJ - Brasil
2. Universidade Federal Fluminense, Pediatria - Niterói - RJ - Brasil

Endereço para correspondência:
Marcio Moacyr Vasconcelos
Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Medicina
Av. Marquês do Paraná, 303 - Centro
Niterói - RJ, Brasil. CEP: 24220-000
Telefone: (21) 2629-9012
E-mail: mmdvascon@gmail.com / mmdvascon@gmail.com

Data de Submissão: 20/06/2018
Data de Aprovação: 19/07/2018