ISSN-Online: 2236-6814

https://doi.org/10.25060/residpediatr



Relato de Caso - Ano 2021 - Volume 11 - Número 1

Meningite causada por herpesvírus humano tipo 6: um relato de caso

Meningoencephalitis caused by human herpesvirus-6: a rare case report

RESUMO

Meningites assépticas são comumente causadas por vírus. Na maioria dos casos (90%) o agente etiológico é o enterovírus, seguido por arbovírus, HIV, adenovírus, influenza e os vírus da famí-lia Herpesviridae. Entre estes, destaca-se o herpes simplex, o qual causa aproximadamente de 0,5% a 3% dos casos de meningite asséptica, sendo o herpes simplex 1 o mais frequente deste grupo. O herpesvírus humano tipo 6 (HHV-6), em casos mais raros, também pode estar associ-ado à meningite em combinação com exantema súbito. Este relato objetiva apresentar um caso raro de meningite causada por HHV-6 em um lactente. No caso apresentado temos um lactente do sexo masculino, 1 ano e 2 meses de idade, com história prévia de epilepsia e atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, encaminhado a hospital terciário após avaliação em pronto atendimento com queixa de febre, irritabilidade, sonolência e vômitos com 7 dias de evolução. Análise do líquido cefalorraquidiano com PCR positiva para HHV-6. Recebeu alta em bom estado geral após 14 dias de correto tratamento medicamentoso. A infecção pelo HHV-6 é, muitas vezes, subdiagnosticada por possuir sintomas pouco específicos que remetam o quadro à doença. A identificação etiológica é recomendada em crianças com manifestações atípicas ou imunodeficiência, permitindo tratamento adequado de forma precoce, a fim de se evitarem complicações e sequelas principalmente neurológicas.

Palavras-chave: Meningite Viral, Criança, Exantema Súbito, Herpesvirus Humano 6.

ABSTRACT

Virus are a common cause of aseptic meningitis. In most cases (90%) the etiological agent is enterovirus, followed by arbovirus, HIV, adenovirus, influenza and the viruses of the Herpesviridae family. These include herpes simplex, which causes approximately 0.5% to 3% of aseptic meningitis, with herpes simplex 1 being the most frequent in this group. Human herpesvirus-6 (HHV-6), in rare cases, may also be associated with meningitis in combination with exanthema subitum. This report aims to present a rare case of meningoencephalitis caused by HHV-6 in an infant. In the present case, we have a male infant, 1 year and 2 months old, with a previous history of seizure and delayed neuropsychomotor development, referred to a tertiary hospital after a prompt evaluation with complaint of fever, irritability, somnolence and vomit-ing with 7 days of evolution. Analysis of cerebrospinal fluid with PCR positive for HHV-6. He was discharged in good general condition after 14 days of correct drug treatment. HHV-6 infection is often underdiagnosed because it has few specific symptoms. The etiologic identification is rec-ommended in children with atypical manifestations or immunodeficiency, allowing adequate treatment in an early manner, in order to avoid complications and mainly neurological sequelae.

Keywords: Meningitis, Viral, Child, Exanthema Subitum, Herpesvirus 6, Human.


INTRODUÇÃO

Meningites assépticas são comumente causadas por vírus. Na maioria dos casos (90%) o agente etiológico é o enterovírus, seguido por arbovírus, HIV, adenovírus, influenza e os vírus da família Herpesviridae. Entre estes, destaca-se o herpes simplex, o qual causa aproximadamente de 0,5% a 3% dos casos de meningite asséptica, sendo o herpes simplex 11 o mais frequente deste grupo. O herpesvírus humano tipo 6 (HHV-6), em casos mais raros, também está associado à meningite em combinação com exantema súbito2. Neste artigo, relata-se um caso de meningoencefalite causada por HHV-6.


RELATO DE CASO

Lactente do sexo masculino, 1 ano e 2 meses de idade, procedente de Prudentópolis/PR, foi encaminhado ao hospital terciário após avaliação em pronto atendimento com queixa de febre (temperatura axilar de 39,5oC), irritabilidade, sonolência e vômitos com 7 dias de evolução. Questionada, a mãe referiu presença de lesões de pele hiperemiadas dias antes do internamento. Foi iniciado tratamento com aciclovir e ceftriaxona.

Dois dias antes do início do quadro recebeu diagnóstico de amigdalite bacteriana e foi tratado com cefalexina. Tem história de um episódio único de crise convulsiva no primeiro trimestre de vida, tendo sido diagnosticado externamente como epilepsia; atraso no desenvolvimento neuropsicomotor (não conseguia segurar objetos com as mãos, sem controle cervical, quando colocado em decúbito ventral não levantava a cabeça), nistagmos e ausência de fixação do olhar, percebidos aos 4 meses de vida. No momento da consulta, ainda não ficava em pé sem apoio e nem andava, falava apenas “mama” e “papa”. Atualmente em tratamento com fenobarbital e acompanhamento com neuropediatra. Sem histórico de convulsão desencadeada por estado febril ou de rash cutâneo. Gestação de 39 semanas sem intercorrências, apresentou icterícia após 7 dias do nascimento com bilirrubina total de 18mg/dL, tratado com fototerapia por 5 dias.

Pais possuem consanguinidade (primos de quarto grau), ambos com histórico de tratamento de crises convulsivas com fenobarbital, e um irmão sem patologias ou atrasos de desenvolvimento.

Ao exame físico inicial apresentou-se em regular estado geral, hipocorado, hipoativo, irritado, com hipotonia axial, eupneico, afebril e ausência de rash cutâneo. Frequência cardíaca de 120 batimentos por minuto e frequência respiratória de 30 movimentos por minuto, temperatura axilar de 36,8oC. Murmúrio vesicular presente e simétrico sem ruídos adventícios. Bulhas cardíacas rítmicas e normofonéticas sem sopros. Abdome sem alterações. Pupilas isocóricas e fotorreagentes, nistagmo com predomínio horizontal.

Exames laboratoriais de admissão evidenciaram apenas anemia, com funções hepática e renal normais. Prova de atividade inflamatória, proteína C-reativa de 10mg/dL (VR<1mg/dL). Análise do líquido cefalorraquidiano (LCR) com 6.800 hemácias/mm3, 79 leucócitos/mm3 (5% de neutrófilos, 55% de linfócitos e 39% de monócitos), proteína 48,3mg/dL; ácido lático 2,4mmol/dL; glicose 69mg/dL; baciloscopia negativa; Pandy negativo e PCR positiva para HHV-6 (Tabela 1).




Após a descoberta do agente etiológico foram suspensos ceftriaxona e aciclovir, sendo substituídos por ganciclovir 10mg/kg/dia e mantido por 14 dias. Criança apresentou evolução satisfatória, melhora da irritabilidade e sonolência. Recebeu alta em bom estado geral, após 14 dias de tratamento medicamentoso.

Um ano após o quadro de meningoencefalite o paciente retornou ao serviço de infectopediatria por repetidos quadros de candidíase oral e infecções de vias aéreas superiores. A investigação laboratorial descartou imunodeficiência. À avaliação e exame físico, ainda com atraso para a idade, mas já apresentava melhora no desenvolvimento: andava com apoio de uma mão, falava palavras simples “mamãe”, “papai”, “vovó” e “água”.

Permanece em acompanhamento com o serviço de neuropediatria para análise do atraso psicomotor e do episódio convulsivo o qual foi único e isolado. Eletroencefalograma apresentou padrão normal; ressonância magnética apresentou plagiocefalia, acentuação do sulco frontotemporal e assimetria entre formações hipocampais. Descartado o diagnóstico de epilepsia, orientada a suspensão de fenobarbital. Início de investigação com geneticista com painel para erro inato do metabolismo que até o momento da descrição deste relato de caso não apresentaram achados que justifiquem o quadro.


DISCUSSÃO

O HHV-6 faz parte da família Herpesviridae, um DNA vírus dividido em duas variantes, HHV-6A e HHV-6B sendo que a variante HHV-6B é causadora da maior parte de casos relatados4 e a HHV-6A tendo como característica grande neurotropismo e neurovirulência5. O vírus HHV-6 infecta geralmente crianças nos dois primeiros anos de vida6, é raramente adquirido na vida adulta, sua soroprevalência em países industrializados chega a 95%6. A forma mais comum de transmissão parece ser via saliva, de mãe para filho8, sendo possível também a transmissão perinatal, pela via do parto. Sua replicação se dá de forma relativamente lenta em linfócitos T CD4+ ativados, por volta de 3 dias após a infecção os efeitos citopáticos podem ser observados, sendo que o período de incubação é de aproximadamente 9 dias. Como os outros herpesvírus, o HHV-6 estabelece latência após a infecção primária, inclusive no sistema nervoso central (SNC), tendo sido demonstrada sua existência no líquido cefalorraquidiano de pessoas assintomáticas, podendo ser reativado em pacientes imunocomprometidos2.

As manifestações clínicas variam com a idade e com o estado imunológico dos pacientes. As infecções congênitas ocorrem em 1% de recém-nascidas, sendo a maioria assintomáticas9. Podem ocorrer alterações no neurodesenvolvimento como atraso neuropsicomotor10. Apesar da infecção congênita estar associada com manifestações mais severas (falência respiratória, anomalias cardíacas e gastrointestinais), o papel do HHV-6 ainda não foi determinado11.

Em crianças imunocompetentes a manifestação clássica da infecção primária por HHV-6 é o exantema súbito (roséola infantum) (Figura 1). Hepatite, miocardite e encefalites podem ocorrer algumas vezes em coinfecção com outras doenças virais12. A infecção por HHV-6 também se mostrou associada a convulsões febris e a manifestações menos comuns como meningoencefalites, epilepsia de lobo temporal mesial e hepatite2.


Figura 1. Roséola infantum, manifestação típica da infecção por HHV-6.



O diagnóstico de infecções primárias na infância é baseado na clínica. A investigação laboratorial é raramente utilizada, pois a doença em crianças imunocompetentes, com a apresentação clássica, é autolimitada. Entretanto, é preciso sempre estar atento às manifestações atípicas. A identificação etiológica é recomendada em crianças com manifestações atípicas ou imunodeficiência, permitindo tratamento adequado de forma precoce, a fim de se evitar complicações e sequelas principalmente neurológicas.

Para os casos que necessitem de tratamento é recomendado o uso de foscarnet ou ganciclovir. Cidofovir também é efetivo contra HHV-6A e HHV-6B, porém possui maior nefrotoxicidade13.

A infecção pelo HHV-6 é, muitas vezes, subdiagnosticada por possuir sintomas pouco específicos que remetam o quadro à doença. Mas seu reconhecimento é importante, haja vista os casos relacionados à infecção do sistema nervoso central, como a meningite descrita neste relato, nas quais o tratamento inadequado poderia resultar em danos irreversíveis ao desenvolvimento e a vida dos pacientes. A identificação laboratorial do vírus é necessária em crianças com manifestações atípicas ou em crianças imunocomprometidas, permitindo o início do tratamento correto no tempo mais breve possível a fim de evitar complicações.


REFERÊNCIAS

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12. Irving WL, Chang J, Raymond DR, Dunstan R, Grattan-Smith P, Cunningham AL. Roseola infantum and other syndromes associated with acute HHV6 infection. Arch Dis Child. 1990 Dez;65(12):1297-300.

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1. Universidade Federal do Paraná, Serviço de Infectologia Pediátrica - Curitiba - PR - Brasil
2. Universidade Federal do Paraná, Curso de Medicina - Curitiba - PR - Brasil
3. Universidade Federal do Paraná, Serviço de Infectologia - Curitiba - PR - Brasil

Endereço para correspondência:
Tyane de Almeida Pinto
Universidade Federal do Paraná
Rua XV de Novembro, nº 1299, Centro
Curitiba, PR, Brasil. CEP: 80060-000
E-mail: tyane_almeida@hotmail.com

Data de Submissão: 18/03/2019
Data de Aprovação: 17/11/2019